Pesquisadores demonstraram que a hipertensão crônica pode trazer consequências também para a pressão no encéfalo, prejudicando a complacência cerebral

Sensor não invasivo comprova relação entre hipertensão arterial e aumento da pressão intracraniana

04 de maio de 2021

Maria Fernanda Ziegler  |  Agência FAPESP – De uma tacada só, pesquisadores conseguiram mostrar a relação existente entre hipertensão arterial e aumento da pressão intracraniana, validaram um método de pesquisa não invasivo para o monitoramento do encéfalo e um tratamento para pressão arterial que também tem efeito para a hipertensão intracraniana.

O estudo, publicado na revista Hypertension, monitorou durante seis semanas a evolução da pressão arterial em ratos. A pesquisa, realizada por equipe da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em parceria com a startup Brain4care, teve o apoio do Programa Pesquisa para Inovação (PIPE) da FAPESP e pode resultar em novos tratamentos para hipertensão intracraniana e complicações decorrentes, entre elas o acidente vascular cerebral.

“Queríamos responder à pergunta de como a hipertensão intracraniana evolui durante o período em que o animal está ficando hipertenso. De maneira inédita, conseguimos monitorar essa evolução por um método não invasivo e acompanhamos as alterações morfológicas da curva da pressão intracraniana [PIC]. Nosso estudo sugere que a hipertensão intracraniana pode ser prevenida por meio do diagnóstico precoce e do tratamento com o medicamento Losartana, amplamente utilizado para hipertensão. O fármaco bloqueia as ações da angiotensina 2 [peptídeo que participa do controle pressórico], algo que provamos ser importante também para a pressão intracraniana”, conta Eduardo Colombari, professor da Faculdade de Odontologia de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (Unesp), coordenador do estudo.

O aumento da pressão intracraniana ocorre geralmente em decorrência de problemas como tumores, encefalite, meningite ou trombose. No entanto, os pesquisadores demonstraram que a hipertensão crônica pode trazer consequências também para a pressão no encéfalo, prejudicando a complacência cerebral.

No estudo, os pesquisadores utilizaram clipes para simular a obstrução da artéria renal de ratos, diminuindo assim o fluxo sanguíneo para um dos rins do animal. A redução da irrigação fez com que o rim disparasse um conjunto de peptídeos, enzimas e receptores (todos ligados ao sistema renina-angiotensina, que controla a pressão), causando vasoconstrição e aumento da pressão arterial em todo o organismo. Já na terceira semana de monitoramento, quando o animal já era considerado hipertenso, a pressão arterial aumentou ainda mais, ocasionando retenção de líquidos e, sobretudo, aumento do fluxo de sangue para o encéfalo.

“Se a hipertensão não for tratada, a doença pode se tornar ainda mais grave. Com o aumento da pressão intracraniana causado pela hipertensão sistêmica, ocorre a perda da capacidade do encéfalo em estabilizar a pressão [autorregulação cerebral]. Isso pode acarretar ainda a ruptura da barreira hematoencefálica, protetora do encéfalo. No estudo, mostramos que a barreira hematoencefálica dos ratos já está comprometida na terceira semana. Quando ela se rompe, substâncias e produtos do sistema renina-angiotensina bem como substâncias pró-inflamatórias, presentes nos vasos sanguíneos, podem ir para o espaço intersticial, onde estão presentes os neurônios, principalmente nas regiões importantes para o ajuste neuro-humoral integrativo, como sistemas cardiovascular, respiratório, renal, entre outros”, afirma Colombari.

Tratando a pressão intracraniana

As rupturas na barreira hematoencefálica fragilizam áreas do sistema nervoso importantes para o controle da pressão cardiovascular como um todo. “Como a hipertensão intracraniana é tratada hoje? Por coma induzido ou com diurético para resolver a retenção de líquido principalmente no encéfalo, envolvido pela caixa craniana. São métodos pouco específicos e muito sistêmicos. Com a maior compreensão sobre a relação entre hipertensão arterial e hipertensão intracraniana, abre-se a possibilidade de um novo campo de estudo na farmacologia”, avalia Gustavo Frigieri, diretor científico da Brain4care, startup que desenvolveu o sensor não invasivo.

Parte do estudo envolveu a comparação entre as medições de PIC realizadas pelo sensor não invasivo e as feitas com o método invasivo. O dispositivo do tipo vestível, desenvolvido pela Brain4care, tem sido utilizado para medir a pressão intracraniana de pacientes com comprometimentos sistêmicos, já possuindo autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da Food and Drug Administration (FDA, dos Estados Unidos).

Dessa forma, o trabalho marca uma nova fase da empresa, que se volta também para o campo da pesquisa fundamental. “Ao comparar os resultados do estudo realizado com o método invasivo e o não invasivo, validamos nossa tecnologia para uso em pesquisas científicas com pequenos animais. Com isso, será possível preencher algumas lacunas que antes estavam em aberto devido à agressividade do método convencional. Com ele, era preciso furar o crânio e incluir um sensor dentro do encéfalo, o que também gera um grande risco de infecção”, explica.

Fluxo sanguíneo e hormônios

No final do estudo, os pesquisadores trataram os animais com um medicamento antagonista dos receptores tipo 1 da angiotensina (Losartana) e, com isso, além de baixar a pressão arterial dos animais houve também a redução da pressão intracraniana. “Não se trata de uma relação de causa e consequência, pois quando baixamos a pressão arterial dos animais com um vasodilatador [Hidralazina] não houve redução da pressão intracraniana. Foi observado um comprometimento muito grande no encéfalo e o inibidor de angiotensina [Losartana] melhora não só a pressão sanguínea, como também a perfusão sanguínea cerebral”, diz Colombari.

Na sexta semana do experimento, antes de receberem o tratamento medicamentoso, a pressão arterial dos animais estava alta (190 por 100 mmHg) e a pressão intracraniana também tinha aumentado significativamente. Os pesquisadores descobriram que nesse estágio ocorrem alterações inclusive nas ondas de pulso da pressão intracraniana. A cada batimento cardíaco (sístole/diástole), ocorre o bombeamento do sangue para o encéfalo, originando o primeiro pico dessa onda (P1). Em sequência, ocorre uma segunda onda (P2), que está diretamente correlacionado ao volume arterial intracraniano e complacência cerebral, fatores importantes observados imediatamente antes da diástole ventricular.

Os pesquisadores explicam que a segunda onda está relacionada com a complacência do tecido cerebral e a capacidade elástica das artérias, dentro do crânio, de absorver a energia daquela primeira onda. No entanto, como há o rompimento da barreira hematoencefálica e perda da complacência cerebral, torna-se mais difícil controlar a P2 e ela acaba se tornando maior do que a P1.

“Nesse estágio, notamos a P2 maior do que a P1, ou seja, exatamente o contrário de uma situação normal. Isso acontece porque o cérebro começa a perder a proteção da barreira hematoencefálica e se expande, extravasando líquido para o interstício”, relata.

O artigo Intracranial Pressure During the Development of Renovascular Hypertension (doi:10.1161/HYPERTENSIONAHA.120.16217), de Marcos Vinicius Fernandes, Mariana Rosso Melo, Francesca Elisabeth Mowry, Gabriela Maria Lucera, Mariana Ruiz Lauar, Gustavo Frigieri, Vinicia Campana Biancardi, Jose V. Menani, Débora Simões Almeida Colombari, Eduardo Colombari, pode ser lido em www.ahajournals.org/doi/10.1161/HYPERTENSIONAHA.120.16217.