Por meio de técnica usada para produzir bebidas fermentadas e medicamentos biológicos, biotech sediada no MIT desenvolve versões bioativas do produto (imagem: Divulgação)

Fórmula infantil desenvolvida por startup brasileira imita a composição do leite materno

16 de julho de 2024

Elton Alisson  |  Pesquisa para Inovação – Uma técnica usada para produção de cerveja e vinho e pela indústria farmacêutica para fabricar medicamentos biológicos, como a insulina, tem sido empregada por uma startup fundada por brasileiros para desenvolver fórmulas infantis que imitam a composição do leite materno humano.

Por meio da fermentação de precisão – em que são usados microrganismos geneticamente modificados para produzir proteínas, enzimas e outros compostos –, pesquisadores da biotech Harmony Baby Nutrition estão produzindo componentes biologicamente idênticos aos encontrados no leite materno.

Com base nesses componentes, a startup, sediada no Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, tem desenvolvido produtos cuja composição mais simples é, no mínimo, 64% biologicamente idêntica à do leite materno, afirmam fundadores da empresa.

“Estamos criando fórmulas infantis bioativas que, além da função nutricional, conseguem mimetizar a função do leite materno de proteger o bebê na fase inicial de vida, enquanto ele ainda não tem o sistema imunológico bem desenvolvido. Mas é claro que esse trabalho que estamos fazendo não vai substituir a amamentação”, ponderou Wendel Afonso, CEO da empresa em palestra durante o 2º Fórum Brasileiro de Deep Techs, realizado no dia 13 de junho, no Cubo Itaú, em São Paulo, pela Wylinka. O evento teve o apoio da FAPESP.

De acordo com Afonso, as fórmulas infantis ou qualquer produto alternativo ao leite materno disponíveis no mercado hoje têm função apenas nutricional. Isso porque a tecnologia utilizada para o processamento desses produtos destrói as proteínas presentes no leite de vaca, de que são feitas 95% das fórmulas infantis.

O processo convencional de secagem do leite por spray dryer é realizado a quase 200ºC e, além disso, o produto é pasteurizado. Dessa forma, as proteínas presentes na composição dele são totalmente destruídas – ou desnaturadas. Além disso, as fórmulas infantis atuais causam efeitos colaterais principalmente porque têm como ingrediente principal o leite em pó de vaca, apontou o pesquisador.

“Nos Estados Unidos, 90% dos bebês usarão fórmula infantil com menos de 6 meses de idade porque a mãe precisa voltar ao trabalho dois a três meses após o parto. E um a cada cinco bebês terá algum tipo de reação a esse produto, conforme aponta uma série de estudos. E não há alternativas para isso hoje porque ainda não há tecnologia inserida nessa indústria”, afirmou.

Revolução no setor

Com valor estimado em mais de US$ 100 bilhões, o mercado de nutrição infantil se manteve praticamente intocado por mais de um século. Há mais de 150 anos tem sido utilizada a mesma tecnologia para criar fórmulas infantis, sublinhou Afonso.

“Fazemos até hoje fórmula infantil usando leite de vaca [que serve como o núcleo do produto, constituindo cerca de 95% de sua fórmula]. Nosso desafio foi pensar como poderíamos chacoalhar esse mercado que não ficará para trás na revolução que está acontecendo na indústria de alimentos, com os produtos plant based”, avaliou.

Para atingir esse objetivo, os pesquisadores da empresa empregaram a tecnologia de produção de proteínas – também conhecida como proteínas recombinantes ou fermentação de precisão – para cultivar componentes do leite materno.

O processo é iniciado com a seleção de microrganismos nos quais são inseridos o DNA de proteínas semelhantes às encontradas no leite materno humano. Esses microrganismos são então colocados em um fermentador ou reator – semelhante a um tanque para fabricação de cerveja ou de vinho – a fim de produzirem as proteínas com eficiência e em grande escala. Uma vez produzidas as proteínas, é utilizado um sistema de filtração microbiana de qualidade farmacêutica para separá-las e purificá-las.

“Os microrganismos nunca são tirados do reator. Eles funcionam como fábricas, produzindo constantemente as proteínas de interesse, que são consideradas biologicamente idênticas às encontradas no leite materno humano”, explicou Afonso.

Com base nesses componentes, a empresa já produziu duas gerações de produtos, sem laticínios, que estão sendo lançados no Estados Unidos.

A startup tem planos de lançar o produto também no Brasil, onde mantém um de seus laboratórios, localizado em Belo Horizonte, Minas Gerais, onde é realizado o trabalho de desenvolvimento de formulações.

“Desenvolvemos esses componentes no nosso laboratório em Boston, nos Estados Unidos, e enviamos eles para o Brasil onde são feitas as formulações. Também temos um laboratório em Hong Kong”, disse Afonso.

Capital paciente

Alguns dos temas discutidos durante o 2º Fórum Brasileiro de Deep Techs foram os instrumentos de investimentos em startups de base tecnológica no Brasil para permitir que consigam levar suas inovações ao mercado e a segurança jurídica de que necessitam para poder se arriscar e crescer.

“Um dos focos das discussões é como os ambientes, as deep techs e os pesquisadores podem ter maior segurança e agilidade e menor burocracia para fazer com que a inovação possa acontecer”, disse Paulo Mendonça, gerente de parceria e relacionamento da Wylinka.

Em um dos painéis do evento, sobre inovação e investimento, os participantes pontuaram que apenas capital paciente não será suficiente para desenvolver essas startups intensivas em ciência e tecnologia e a importância de investir no time da startup e no acesso a ferramentas e capital intelectual para avançar na pesquisa e gerar soluções de impacto.

Outro desafio abordado foi o do financiamento instável, que afeta as startups com volatilidade nos investimentos devido a mudanças econômicas e incertezas regulatórias, dificultando planejamento, escalabilidade e lançamento de inovações.

Representante da startup Cromai, apoiada pelo Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, o executivo Diego Dutra exemplificou a importância dos investidores também acreditarem na estratégia de negócio da startup para lançar uma inovação no mercado.

“A Cromai só deu certo porque não começou com soja, mas com cana-de-açúcar”, avaliou.

Apesar de o mercado da soja ser o mais lucrativo, não seria tão estratégico para a entrada da Cromai, dada uma série de comportamentos do público consumidor. Se os investidores não tivessem ouvido os pesquisadores e empreendedores na escolha do mercado de entrada, a startup poderia ter morrido antes de validar seu negócio, avaliou Dutra (leia mais em https://pesquisaparainovacao.fapesp.br/2945).