Nova linhagem de bovino Nelore Myo foi obtida por meio de cruzamentos com a raça Belgian Blue (foto: divulgação)

Melhoramento genético do nelore aumenta a produtividade e reduz impacto ambiental

10 de outubro de 2017

Suzel Tunes  |  Pesquisa para Inovação – Treze anos de pesquisas voltadas às áreas de biotecnologia de reprodução animal e genômica resultaram na criação de uma nova linhagem de bovinos da raça nelore: a Nelore Myo, que apresenta hipertrofia muscular, garantindo maior produtividade para o produtor sem a necessidade de aumento de pastagens, o que resulta em menores custos ambientais.

O animal musculoso que a imprensa já começa a chamar de “boi turbinado” apresenta uma mutação em um gene que produz a proteína miostatina, responsável pelo crescimento muscular. A inibição desse gene aumenta a produção de células musculares na fase embrionária. A mutação foi adquirida graças a cruzamentos com a raça Belgian Blue.

Desenvolvido pela Deoxi Biotecnologia, laboratório de genômica criado pelo pesquisador Rodrigo Vitorio Alonso na cidade paulista de Araçatuba, o projeto do Nelore Myo contou com apoio dos programas Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) e de Apoio à Pesquisa em Empresas (PAPPE), da Financiadora de Estudos e Projetos, do Ministério da Ciência e Tecnologia (Finep), no âmbito de um acordo de cooperação entre as duas instituições (PIPE/PAPPE-Subvenção).

Do laboratório ao pasto

O projeto Nelore Myo encerrou a Fase 3 do PIPE – realizada simultaneamente com a Fase 2 – em dezembro de 2016 atingindo os objetivos propostos: obter um animal com genoma acima de 99% proveniente da raça Nelore, herdando da raça Belgian Blue apenas a mutação da miostatina, uma proteína que exerce efeito inibitório sobre o crescimento muscular. A mutação que inativa essa proteína associa-se ao crescimento exacerbado de músculos – o que, para a pecuária, representa maior rendimento da carcaça (apenas a carne e ossos do animal, descartando-se cabeça, membros e couro).

“Enquanto um boi Nelore atinge, normalmente, 53% a 55% de rendimento de carcaça, o Nelore Myo chega a 60%”, afirma Alonso. Ele calcula que, em média, há um aumento de até 15% no rendimento de carcaça, cerca de três arrobas a mais. Considerando-se um valor médio de R$ 140 a arroba do boi, o produtor teria um ganho adicional de R$ 420 por cabeça.

Para chegar a esse resultado, o pesquisador realizou sucessivos cruzamentos monitorados por testes genéticos – para os quais contou com a colaboração do geneticista Amilcar Tanuri, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Pegamos uma raça europeia que teve essa mutação espontaneamente e fizemos a introgressão dessa característica”, explica Alonso. Em genética, a introgressão é a transferência de um gene de uma raça ou linhagem para outra após vários cruzamentos.

O pesquisador partiu do cruzamento de um touro Belgian Blue homozigoto com a mutação (ou AA, na linguagem da genética) com uma vaca Nelore homozigota sem a mutação (aa). A primeira geração foi de um animal (heterozigoto) com 50% das características de cada raça. Contudo, como o europeu Belgian Blue não se adapta tão bem ao nosso clima como o Nelore de origem indiana, o objetivo do pesquisador era desenvolver um Nelore tão puro quanto possível. Por isso, novos cruzamentos dos animais heterozigotos com Nelore padrão foram feitos para “purificar” a linhagem. Ao final de várias gerações os animais já são quase 100% puros, distinguindo-se apenas pela presença da mutação.

Rodrigo Alonso diz que existe um grande interesse no mercado por essa nova linhagem bovina e ele está firmando parcerias para multiplicar o rebanho. “Vinte mil doses de sêmen foram coletadas com autorização do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastaecimento, e serão distribuídas aos parceiros que tiverem interesse em participar desse empreendimento”, afirma.

O estabelecimento de parcerias com produtores rurais foi, aliás, a maneira que o pesquisador encontrou para superar a maior dificuldade de realização de seu projeto: a falta de espaço para sua criação. “Os produtores cediam espaço em suas fazendas, com a garantia de que eu compraria os bezerros depois da desmama”, explica o pesquisador.

No pasto, Rodrigo Alonso vê o resultado de anos de pesquisas e se alegra por estar ajudando a diminuir a distância entre a universidade e o mercado. “Muitas vezes o pesquisador desenvolve um ótimo trabalho que termina na publicação de um paper, e uma grande riqueza acaba escondida na gaveta. Muito cedo descobri que meu objetivo era fazer pesquisa aplicada, transformando conhecimento num processo ou produto e levando até o campo. Sou um empresário cientista”, brinca.

Apoio desde a pesquisa básica

A pesquisa que resultou no Nelore Myo começou em julho de 2013, mas a história dessa conquista científica remonta ao ano de 2000, quando Alonso, então estudante de Veterinária na Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araçatuba, fez seu primeiro projeto de iniciação científica com bolsa da FAPESP. “A FAPESP tem me apoiado desde a graduação”, ele destaca. O pesquisador conta que esse primeiro projeto, sob orientação do professor Wilson Machado de Souza, era um estudo de anatomia. “Percebi que não era ciência básica o que eu queria fazer, mas o conhecimento adquirido foi fundamental para as pesquisas seguintes”, afirma.

Ainda na faculdade, em 2001, sob orientação do bioquímico José Fernando Garcia, Alonso estudou técnicas de biotecnologias da reprodução animal que lhe permitiram fazer biópsias de embriões sem matá-los. Desse conhecimento nasceu a empresa Transfix, em 2004, oferecendo um serviço inovador à época: a tecnologia de sexagem de embriões por testes de DNA. “Até então, os criadores de bovinos produziam embriões e não sabiam se eram machos ou fêmeas até o 60º dia de gestação.” Contudo, o próprio desenvolvimento da área de biotecnologia acabou tornando o serviço obsoleto. “No começo de 2007 surgiu o sêmen sexado e passou a não haver muito mais sentido fazer biópsia de embrião para identificar o sexo”, diz Alonso.

Começavam a se desenvolver, então, tecnologias de seleção genética assistidas por marcadores moleculares, que são regiões do DNA associadas com características de interesse – como ganho de peso ou precocidade sexual, no caso da pecuária. Quando identificou a demanda por marcadores moleculares Alonso inscreveu seu primeiro projeto no Programa PIPE, voltado à análise de genoma bovino.

Esse projeto foi o pontapé inicial da empresa Deoxi, fundada em 2008 em sociedade com a bióloga Francine Campagnari Guilhem. “A Deoxi foi muito apoiada pela FAPESP também. Participamos de vários editais de subvenção econômica e conseguimos levantar a fundo perdido aproximadamente R$ 4 milhões em diferentes projetos.” A Deoxi contou com o apoio do PIPE para os projetos "Desenvolvimento de teste de DNA para a seleção de touros de alta fertilidade" e "Uso de arrays genômicos de alta resolução e Next Generation Sequencing no diagnóstico de deficiência mental e anomalias congênitas".

A Deoxi se consolidou no mercado brasileiro oferecendo o serviço de análise de marcadores moleculares, que antes era feito apenas nos Estados Unidos. Ao crescer, começou a chamar a atenção de empresas concorrentes do exterior, incluindo a Neogen Corporation, empresa mundial de genômica animal. Interessada em ingressar no mercado brasileiro, essa empresa norte-americana fez uma oferta de compra que Alonso considerou irrecusável: “A Neogen chegou com capital para investir no crescimento da genômica animal no país. E a gente tinha o domínio da tecnologia e do mercado. A palavra que mais ouvimos durante as transações foi sinergia”, lembra Alonso.

Durante as negociações, em 2016, o projeto Nelore Myo ainda estava em andamento na FAPESP. No contrato de venda da Deoxi o pesquisador – que passou a ser gerente-geral da Neogen no Brasil – fez questão de assinalar que o projeto Nelore Myo não participaria da aquisição. Dessa forma, o projeto não foi vendido para a Neogen. “Estou estruturando uma nova empresa, que se chamará Nelore Myo. Ela trabalhará especificamente com melhoramento genético e será cliente da Neogen na área de análises genômicas.”

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