
Biotecnologia lidera cenário de deeptechs no Brasil, mas enfrenta desafios de infraestrutura e investimento privado
23 de setembro de 2025Elton Alisson | Pesquisa para Inovação – A maior parte das startups de base científica e tecnológica no Brasil atua no segmento de biotecnologia. Entre as 952 deeptechs mapeadas no país, quase a metade (433) desenvolve soluções nessa área, voltadas especialmente para os setores de saúde e do agronegócio.
Para conseguir superar o “vale da morte” e levar suas inovações da bancada dos laboratórios ao mercado, as biotechs brasileiras se deparam com uma série de desafios. Entre eles, estão a dificuldade de acesso à infraestrutura de pesquisa para a validação inicial de suas tecnologias, a baixa atração de investidores privados e a falta de gestores em seus quadros de pessoal com conhecimento e experiência de mercado.
As constatações são do relatório Deep Tech Radar Brasil 2025, elaborado pela consultoria Emerge, em parceria com o Cubo Itaú. Algumas das principais conclusões do estudo foram apresentadas durante o 2º Congresso Agro-Health, realizado entre os dias 17 e 18 de setembro em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo.
“A biotecnologia é um dos espaços naturais de nascimento de deeptechs, pois é uma área de vanguarda tecnológica onde se busca avançar em pesquisa e desenvolvimento [P&D] na fronteira do conhecimento. Não por acaso, quase metade das startups de base científica brasileiras atua nesse setor”, disse Douglas Veronez, gerente de projetos da Emerge.
“Essas empresas têm desenvolvido soluções endereçadas principalmente aos setores de saúde e agronegócio, mas também à indústria e manufatura, energia e clima, infraestrutura urbana, mineração e óleo e gás, uma vez que a biotecnologia é uma área transversal, com aplicações em diversos setores”, avaliou.
De acordo com o especialista, 74% das deeptechs brasileiras – em sua maioria biotechs – estão em estágios de desenvolvimento da tecnologia, portanto, antes da geração de receita.
Um dos desafios enfrentados pelas startups de biotecnologia nessa fase é o acesso à infraestrutura de pesquisa, que é cara e está localizada em centros de pesquisa e desenvolvimento de instituições científicas, tecnológicas e de inovação (ICTs) públicas e privadas, e em algumas sem fins lucrativos, apontam os autores do relatório.
“Acessar essa infraestrutura representa um desafio para as empresas nascentes de biotecnologia no Brasil, que necessitam de laboratório para validação inicial, de escala ou uma planta-piloto para desenvolver o primeiro lote de seus produtos, por exemplo. É preciso resolver o acesso à infraestrutura desburocratizada e, se possível, certificada, para que as biotechs no país consigam vencer esse desafio”, avaliou Veronez.
Legislações recentes, como o novo Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação, prometem ajudar a diminuir esse gargalo, apontou o especialista. A nova legislação, conhecida como “Lei da Inovação” e aprovada em 2016, prevê a criação de mecanismos para que universidades, institutos de pesquisa e empresas trabalhem juntos por meio do compartilhamento de laboratórios, por exemplo. Por meio dessa lei, as deeptechs poderiam realizar pesquisa em parceria com grupos de pesquisa de ICTs ou pagar pelo uso de infraestrutura laboratorial.
“Há várias modalidades de cooperação previstas nessa lei, mas, na prática, pouquíssimas ICTs estão utilizando esse modelo de compartilhamento de espaço”, afirmou Veronez. “Conhecemos alguns casos de startups que conseguiram, via convênios de P&D com universidades, acessar, desenvolver pesquisa e usar essa infraestrutura externa para validação. Mas, para fazer uma planta-piloto, por exemplo, já é mais complicado.”
Novas infraestruturas científicas
Além da facilitação do acesso, a criação de novas infraestruturas de pesquisa é essencial para a formação de um ecossistema de biotechs no Brasil, sublinhou Rafael Della Giustina Leal, chefe da divisão de ciência, tecnologia e inovação do Ministério das Relações Exteriores, em palestra na abertura do evento.
Alguns avanços nesse sentido foram a construção do Sirius, no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas. O acelerador circular de partículas carregadas (elétrons) gera uma radiação, chamada de luz síncrotron, que permite investigar a composição e a estrutura da matéria na escala dos átomos e das moléculas. Funciona como um microscópio gigante, capaz de revelar o interior de materiais, tecidos biológicos e patógenos, com aplicações em praticamente todas as áreas do conhecimento.
“O Sirius é uma fonte de luz síncrotron de quarta geração. Só existem três no mundo, e a brasileira foi a última a ser construída”, afirmou Leal. Nos próximos anos, por meio do projeto Orion, será acoplado ao Sirius o primeiro laboratório de máxima contenção biológica (NB4) da América Latina e o primeiro do mundo conectado a uma fonte de luz síncrotron.
“Imaginem quantas ideias, empresas, produtos e negócios poderão surgir quando esse laboratório estiver em operação”, estimou Leal.
Segundo o embaixador, grande parte do mundo desconhece a existência dessa infraestrutura de pesquisa no Brasil e como o país tem avançado e se posicionado na área de biotecnologia em setores estratégicos como o agronegócio e a saúde. Esse desconhecimento afeta as decisões de investimento estrangeiro nas biotechs brasileiras, apontou.
“Uma startup brasileira que tenta captar recursos no exterior já parte com essa imagem atrelada. Há vários casos de startups brasileiras que se estabeleceram no Vale do Silício e se apresentam como startups americanas, sendo que toda a tecnologia é brasileira”, apontou.
A fim de reduzir esse descompasso entre como o Brasil é visto e onde efetivamente se situa em áreas de fronteira do conhecimento como a biotecnologia, o Itamaraty tem atuado nos últimos anos no campo da diplomacia da inovação. A abordagem consiste no uso de ferramentas do Ministério das Relações Exteriores para promoção da inovação brasileira, explicou Leal.
“Um dos objetivos das ações do Itamaraty nessa área é engajar empresas brasileiras de base científica e tecnológica no processo de internacionalização, levar e mostrar as melhores soluções para o exterior e facilitar, por meio de embaixadas e consulados, o contato com possíveis parceiros e investidores”, detalhou.
Dependência do capital público
As biotechs brasileiras apresentam forte dependência de fomento público para avançar no desenvolvimento de produtos e processos inovadores porque o risco inicial é muito alto, apontam os autores do relatório.
“Como o risco de P&D e de mercado delas é muito alto, o capital privado não entra. Por isso, precisam recorrer ao fomento público. E a FAPESP hoje é a principal agência no Brasil que fomenta, via o PIPE [programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas], a criação e o desenvolvimento de inovações de startups de base científica no país”, afirmou Veronez.
De acordo com dados do relatório, 47% das deeptechs brasileiras não receberam nenhum tipo de investimento público ou privado. “Essas empresas estão se desenvolvendo com bootstrapping [recursos próprios] como podem”, disse Veronez.
Entre as que conseguiram algum apoio financeiro, 36% receberam investimentos públicos, apenas 7% só capital privado e 10% recursos públicos e privados. “É muito raro essas empresas receberem investimento privado na fase inicial de desenvolvimento tecnológico, porque o risco é muito alto. Por isso, precisam captar recursos públicos. Mas, à medida que evoluem, é preciso que tentem captar investimento privado, até mesmo para obter uma chancela do potencial das soluções que estão desenvolvendo. E isso conta muito dentro do mercado de investimento”, disse Veronez.
O valor dos aportes feitos em deeptechs no Brasil nos últimos anos foi de até R$ 200 mil, o que ajuda a sustentá-las na fase inicial, mas está muito aquém das necessidades de desenvolvimento e escalabilidade, indicam dados do relatório. Esse valor baixo reflete o perfil de investimento privado em startups de base científica no Brasil, ainda muito concentrado no capital-anjo, explicou o especialista.
“Os investimentos maiores, provenientes do venture capital (capital de risco), ainda têm representatividade muito baixa no total de recursos privados captados por deeptechs brasileiras”, avaliou.
Esse tipo de investimento privado é justamente o que deve ser perseguido pelos empreendedores de startups de base científica porque, além de aportar maior volume de recursos, os fundos de capital de risco ajudam as empresas investidas a transitar melhor pelo ecossistema e a se desenvolver mais rápido, apontou Veronez.
“Além de fornecer recursos financeiros, os fundos de capital de risco também contribuem com a experiência de negócios que, muitas vezes, falta nos times que fundam startups de base científica”, avaliou.
De acordo com Thomas Carolla, sócio da gestora de investimento em private equity 10b, o percentual de investimentos de fundos de venture capital em biotechs no Brasil corresponde a menos de 5%. “Ainda há muito espaço para crescer”, concluiu.
* Imagem de DC Studio em Freepik
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