Com sensores optoacústicos, empresa apoiada pelo PIPE-FAPESP monitora ambientes críticos com segurança e precisão (imagem: divulgação/MKFotônica)

Startup usa luz para detectar vazamentos industriais

26 de agosto de 2025

Roseli Andrion | Pesquisa para Inovação – Nem sempre a inovação nasce de um grande salto. Às vezes, ela emerge do desvio de rota ou da simplificação de uma ideia complexa. Foi assim que uma tecnologia da física, lapidada com precisão e persistência, começou a ganhar forma em um hub de inovação em Campinas, no interior de São Paulo: e ela já desponta como opção promissora e com alto potencial de impacto.

Trata-se de um sensor optoacústico capaz de detectar vazamentos de gás, óleo ou vapor em ambientes industriais críticos — locais com alta radiação, risco de explosão ou temperaturas extremas, por exemplo. A tecnologia funciona sem tocar o fluido, não depende de eletricidade no ponto de medição e opera com segurança mesmo acima de 200 °C.

Desenvolvida pela MKFotônica, com apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), a solução capta, com alta sensibilidade, vibrações mecânicas e ruídos ultrassônicos provenientes de falhas em equipamentos industriais. Sua arquitetura usa componentes discretos já disponíveis no mercado em vez de um chip integrado complexo. “A solução é menos elegante, mas mais viável”, resume o físico Leandro Matiolli, cofundador da startup.

Os sensores, baseados em princípios puramente ópticos, são imunes a interferências eletromagnéticas e ideais para ambientes onde opções eletrônicas tradicionais não funcionam, afirma Matiolli. “Como não têm partes elétricas, são seguros para ambientes críticos.” Eles detectam frequências de até 500 quilohertz (kHz), o que permite a identificação precoce de falhas, antes mesmo que se tornem perceptíveis para humanos ou outros sensores. Dessa forma, a tecnologia pode tornar o monitoramento de processos industriais críticos mais seguro e eficiente.

Fibra óptica e simplificação

O dispositivo é composto por um sensor optoacústico e uma unidade de leitura — o interrogador óptico —, que processa os sinais recebidos das vibrações mecânicas na superfície monitorada. O interrogador permite selecionar faixas específicas de frequência, o que possibilita eliminar ruídos de fundo e reconhecer padrões acústicos associados a vazamentos, desgastes ou falhas iminentes.

Assim, a startup oferece uma tecnologia nacional, sensível e robusta, capaz de auxiliar na resolução de um problema que custa milhões às empresas brasileiras: a identificação de vazamentos perigosos antes que se tornem catástrofes. A ideia inicial, porém, era bem diferente.

O plano original era projetar um chip fotônico, o coração do sistema. No entanto, logo surgiram dificuldades: alto custo, empacotamento complexo e a necessidade de grande volume de vendas para garantir a viabilidade econômica. "Queríamos desenvolver um interrogador óptico para sensoriamento acústico com um chip fotônico. Durante os testes, percebemos que, embora tecnicamente interessante, não seria economicamente viável", explica Matiolli.

Além disso, a variação de temperatura afetava o comprimento das fibras ópticas e comprometia a precisão da solução. "Fizemos máquinas para enrolar as fibras e controlar o comprimento com precisão micrométrica. Com a variação térmica, entretanto, o sistema não se comportava como esperado e o interrogador perdia funcionalidade."

Experiência levou a empreendedorismo

A MKFotônica nasceu de uma mudança de rumo profissional. Após atuar por uma década na indústria de telecomunicações ópticas — os últimos quatro como gerente de desenvolvimento —, Matiolli decidiu empreender. Ele já havia participado da criação de chips fotônicos e acompanhado o processo de transformação dessa tecnologia em produto. “Sempre tive vontade de montar uma empresa. Eu queria transformar conhecimento técnico em soluções práticas e acessíveis”, conta. “Quando surgiu a ideia de desenvolver esse componente, senti que era o momento.”

Para essa jornada, Matiolli encontrou o parceiro ideal no também físico Bernardo de Barros Correia Kyotoku, especialista em fotônica integrada. “Nos conhecemos no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações, o CPQD, e lá ganhamos experiência técnica. Sempre conversávamos sobre como empreender e aplicar nosso conhecimento em soluções no mercado. Dez anos depois, fundamos a empresa juntos”, lembra Matiolli.

Inicialmente, a ideia era monitorar descargas elétricas internas em transformadores de potência na indústria de energia. Durante o desenvolvimento do projeto, porém, os cientistas se depararam com o conservadorismo do setor. “Conversamos com engenheiros, técnicos, gerentes, e todos achavam a ideia excelente, mas não havia planos de investir em novos equipamentos: eles priorizam análise de dados utilizando os sensores já existentes.”

Eles pesquisaram, então, a indústria petroquímica, onde vazamentos em válvulas, tubulações e dutos representam riscos operacionais, ambientais e financeiros. “Percebemos que, se simplificássemos o sensor, poderíamos atender a esse mercado. Essa mudança foi motivada por conversas com Nestor Moura, um dos mais experientes especialistas em emissões acústicas do Brasil. Ele nos mostrou problemas reais do setor e viu grande potencial na nossa tecnologia.”

Ironicamente, a simplificação tornou o projeto mais inovador: a busca por detectar ruídos associados a vazamentos em válvulas ou purgadores de vapor, comuns em processos industriais de alta pressão. Isso é possível porque a ampla faixa de frequências detectáveis, associada a algoritmos de identificação de padrões acústicos, garante que a aplicação reconheça sinais sutis de falhas em estágios iniciais – algo essencial para a segurança e a prevenção de acidentes.

Além de operar em ambientes hostis, o sensor pode ser instalado a até 30 quilômetros (km) do interrogador óptico. Totalmente passivo (ou seja, não necessita de alimentação elétrica local) e sem componentes eletrônicos no ponto de medição, o interrogador é compatível com plataformas SCADA — padrão na automação industrial —, USB e computação em nuvem. “O dispositivo não produz faíscas nem calor e é imune a ruídos elétricos. Por isso, é ideal para ambientes explosivos, subestações, linhas de alta tensão e outras instalações.”

Como opera de forma segura em áreas classificadas, a tecnologia pode ser usada, ainda, para medir emissões acústicas, identificar descargas parciais em transformadores, atuar em processos siderúrgicos e até na operação de reatores nucleares, já que é imune a ambientes radioativos. “Isso diminui os riscos ao permitir monitoramento constante.”

Tecnologia conhecida, aplicação nova

Embora o conceito usado pela MKFotônica não seja novo — sensores ópticos são conhecidos desde a década de 1980 —, ele foi aplicado de maneira criativa e funcional a uma necessidade contemporânea real. “Talvez seja o momento certo de aplicá-lo, em um nicho que requer robustez e confiabilidade. A demanda existe e nossa solução óptica, aliada às novas técnicas de aprendizado de máquina, a atende”, reflete o físico.

Assim como muitas outras inovações, que só se tornaram populares quando o mercado estava pronto para elas, a detecção de vazamentos por fibra óptica pode estar encontrando seu lugar na era da indústria 4.0: os sensores “ouvem” o invisível e os algoritmos “entendem o que é dito” para transformar essas informações em alertas de segurança. “Com a digitalização da indústria, a integração com sistemas de supervisão em tempo real faz toda a diferença.”

Vale lembrar que, neste caso, a inovação vai além do dispositivo em si: é a aplicação inteligente de uma tecnologia conhecida a necessidades atuais do mercado. “Nosso sensor segue essa lógica: não é o mais moderno, mas é robusto e preparado para ambientes extremos. Assim, é o mais útil para o que se precisa agora.”

Inteligência artificial

Um dos principais desafios atuais dos pesquisadores da MKFotônica é o uso do sistema em ambientes industriais ruidosos. Em laboratório, o sensor apresentou altíssima sensibilidade até a pequenos vazamentos, mas, em campo, os ruídos de fundo dificultam a leitura clara dos sinais. Agora, a startup vai incorporar algoritmos de aprendizado de máquina ao dispositivo para otimizá-lo. “A ideia é treinar modelos para identificar as assinaturas sonoras dos vazamentos mesmo em meio a outros sons. A inteligência artificial pode nos ajudar a extrair informações com precisão.”

A expectativa é que os algoritmos permitam identificar padrões acústicos de diferentes tipos de falha. Com isso, vai ser possível reduzir alarmes falsos e melhorar a eficiência da operação. “Com o tempo, o sistema aprende o som ambiente e qualquer desvio, mesmo mínimo, pode ser indício de que algo não vai bem. Isso é crucial para quem cuida da manutenção”, pondera. Segundo Matiolli, a análise contínua de padrões sonoros vai permitir a tomada de decisão preditiva a partir de informações confiáveis e interpretações acionáveis dos dados obtidos. “A capacidade de monitoramento na faixa de ultrassom permite identificar assinaturas específicas de altas frequências. Já a possibilidade de filtragem das baixas frequências garante a eliminação do ruído ambiente e facilita a detecção de vazamentos. O casamento entre filtragem e capacidade de interpretação de dados traz uma vantagem interessante para essa técnica.”

Parcerias em andamento

A startup já tem parcerias em andamento. Uma delas, com uma empresa do setor siderúrgico, busca detectar riscos de vazamento e aumentar a segurança de operação em pontos críticos com ameaça de explosão. “Essa empresa já testou outros sensores, mas nenhum funcionou no ambiente dela”, comenta. “É um grande desafio, mas pode virar um produto diretamente na linha deles.” Os detalhes são mantidos em sigilo para evitar que a concorrência se antecipe.

Comprometida com a tecnologia nacional e com a adaptação a diferentes setores industriais, a MKFotônica aposta na aplicação concreta da ciência. “Não vendemos um sensor: oferecemos uma forma inteligente de ouvir e interpretar o que acontece nos pontos mais críticos das fábricas”, diz Matiolli. “É uma ferramenta que transforma manutenção corretiva em preditiva. Uma solução robusta, sensível e adaptável, com tecnologia nacional de alto nível, que resolve problemas reais.”