Simpósio internacional discute a geografia da inovação

01 de agosto de 2017

Inaugurado em 1825 para conectar o rio Hudson ao lago Erie, e assim criar uma via navegável entre a cidade de Nova York, na costa atlântica, e os Grandes Lagos, na fronteira com o Canadá, o canal Erie teve extraordinária importância no desenvolvimento da região nordeste dos Estados Unidos, possibilitando a interiorização de trabalhadores imigrantes, o fluxo de mercadorias, a instalação de empresas e a transformação de incipientes assentamentos urbanos em grandes cidades.

Apenas no ano de 1855, 33 mil carregamentos comerciais foram embarcados no canal. E a cidade de Chicago, fundada em 1833 com uma ínfima população de aproximadamente 200 pessoas, recebeu o impulso inicial que a transformaria em um dos mais importantes centros empresariais do mundo.

O exemplo do canal Erie foi utilizado pelo especialista em políticas públicas Christopher Hayter, professor da Arizona State University, para introduzir sua apresentação no simpósio internacional “Entrepreneurship and the Geography of Innovation” (“Empreendedorismo e a Geografia da Inovação”), realizado na FAPESP.

O evento, que reuniu pesquisadores do Brasil, Américas, Europa e Ásia, foi coordenado por Nicholas Spyridon Vonortas, professor de Economia e Assuntos Internacionais da The George Washington University, no âmbito do projeto “Sistemas de inovação, estratégias e políticas”, conduzido por ele na Universidade Estadual de Campinas, por meio do programa São Paulo Excellence Chair (SPEC), da FAPESP.

“O exemplo do canal é muito útil para a compreensão de por que certas regiões atraem ou possibilitam a criação de mais empresas do que outras”, disse Vonortas à Agência FAPESP. “Já no século XIX, o economista britânico Alfred Marshall (1842 – 1924) falava da importância da aglomeração de indústrias. O que mudou, de lá para cá, é que nosso interesse migrou da aglomeração de companhias manufatureiras simples para a aglomeração de companhias intensivas em tecnologia e conhecimento. São estas que realmente contam agora”, prosseguiu.

Segundo Vonortas, tendemos a esquecer quão diferentes os diferentes países e as diferentes regiões de fato são. “No Brasil, existe uma enorme diferença entre os estados de São Paulo e Ceará, por exemplo. O mesmo ocorre com relação às diferenças entre países e às diferenças entre regiões de grandes países, como os Estados Unidos, a China etc. Por isso, convidamos para o evento especialistas de tantas regiões diferentes”, explicou.

“Como criar políticas, como incentivar as pessoas, como chamar a atenção para os negócios? Tudo isso depende em grande medida da cultura do lugar”, enfatizou o pesquisador. “Nem todos os programas funcionam igualmente bem em todos os lugares. Os brasileiros não deveriam mimetizar o que os americanos fazem, ou o que os franceses fazem. Deveriam aprender, entender e encontrar seu próprio jeito de fazer as coisas. Este é exatamente o ponto”, afirmou.

Regiões Transnacionais

Nessa perspectiva, Michael Stampfer, diretor do Wiener Wissenschafts, Forschungs und Technologiefonds, instituição privada de amparo à ciência e tecnologia da Áustria, falou, no evento, sobre regiões europeias que transbordam as fronteiras nacionais, trazendo à pauta a consideração de que as regiões viáveis não se relacionam necessariamente com as regiões administrativas. No atual contexto europeu, a atividade empresarial deixou de se concentrar em países para se espraiar através de países.

“Isso também ocorre em relação às regiões de um grande país, como o Brasil, onde certas atividades cruzam as fronteiras entre estados como São Paulo e Rio de Janeiro, ou São Paulo e Minas Gerais. O que fazer diante de uma situação em que as regiões econômicas vitais já não coincidem com as regiões administrativas, atravessando os limites de estados governados por diferentes governadores? Os europeus enfrentam essa situação e creio que têm encontrado algumas soluções interessantes”, comentou Vonortas.

“Existem diferenças elementares. Uma delas é o tamanho das regiões. Outra é quão avançadas tecnologicamente elas se encontram, em que ponto se inserem no caminho para a alta tecnologia e o desenvolvimento da cadeia de valores. Existem também questões como regulamentações e leis. Ou como a inovação é valorizada na respectiva sociedade. É a combinação de todos esses fatores que faz a diferença”, resumiu Stampfer para a Agência FAPESP.

Em sua apresentação, Stampfer comparou, enquanto potencial de inovação, uma região transnacional europeia incipiente, Centrope (que integra porções da Áustria, Eslováquia, Hungria e República Tcheca, polarizadas por Viena), com quatro regiões transnacionais já consolidadas: Oresund (porções da Dinamarca e da Suécia), Elat (porções dos Países Baixos, Bélgica e Alemanha), TMO (porções da França, Suíça e Alemanha) e IBK (porções da Alemanha, Suíça e Áustria). E apontou as principais debilidades de Centrope: falta de universidades líderes em alta tecnologia; áreas com histórico de copiar em vez de criar inovação; drenagem de cérebros da Eslováquia, Hungria e República Tcheca para os centros mais desenvolvidos do mundo e pouca mobilidade dos estudantes no interior da própria região.

Guardadas as devidas proporções, e com todas as ressalvas geográficas, históricas, culturais e outras, o modelo de diagnóstico apresentado pelo especialista austríaco pode ser bastante útil para levantamentos comparativos dos potenciais de regiões brasileiras ou de regiões que cruzem as fronteiras de países sul-americanos.

Ecossistemas empresariais

A alta concentração espacial de instituições avançadas de ensino e pesquisa e empresas muito inovadoras – como acontece, no Estado de São Paulo, nas regiões de Campinas e São José dos Campos, entre outras – tornou-se uma variável de primeira importância na definição de políticas públicas e nas estratégias das agências de fomento.

No que se refere às empresas, essas concentrações já receberam um nome, herdado da biologia: “ecossistemas empresariais”. “Trata-se do fato de a concentração espacial possibilitar que as empresas se beneficiem uma das outras”, sintetizou Ron Boschma, professor de Economia Regional nas universidades de Utrecht (nos Países Baixos) e Stavanger (na Noruega).

Em sua apresentação, Boschma identificou possíveis estratégias de diversificação tecnológica e inovação para as regiões europeias, dependendo das capacidades existentes. Considerando dois eixos principais – a sinergia entre as empresas instaladas e seu grau de complexidade –, Boschma apresentou com mais detalhes os potenciais de três regiões distintas: Île-de-France, polarizada pela cidade de Paris, na França; Lancashire, no noroeste da Inglaterra, no Reino Unido; e Extremadura, no sudoeste da Espanha.

A plotagem, de acordo com as coordenadas definidas nos dois eixos, das empresas de cinco segmentos industriais (química, engenharia elétrica, instrumentação, engenharia mecânica e outros), tornou bastante evidente os potenciais das três regiões, posicionando, em escala decrescente, os aglomerados francês, inglês e espanhol.

“Os cenários desenhados mostram que não se pode simplesmente começar do zero. É preciso identificar capacidades e oportunidades, que devem ser exploradas, utilizadas e diversificadas para se chegar a novas soluções”, comentou o pesquisador à Agência FAPESP.

Boschma acredita que, por ter uma economia muito diversificada, o Estado de São Paulo oferece muitas oportunidades para um empreendedorismo intensivo em conhecimento. “A mensagem principal é que os empreendedores deveriam se conectar. A complementaridade pode otimizar os recursos. E, mapeando as especialidades, seria possível desenvolver programas de desenvolvimento e parcerias que incentivassem a conexão e assim amplificassem as competências”, disse.

As apresentações de vários palestrantes estão disponíveis no endereço http://fapesp.br/11060.