Pesquisas em geoengenharia climática devem incluir países em desenvolvimento

17 de abril de 2018

Karina Toledo  |  Agência FAPESP – A colocação de espelhos gigantescos em volta da Terra com o intuito de refletir parte da radiação solar e o lançamento de milhões de toneladas de enxofre na estratosfera para simular efeitos de uma grande erupção vulcânica são alguns dos projetos mirabolantes de geoengenharia climática que começam a ser considerados para mascarar o aquecimento do planeta causado pelos gases de efeito estufa.

O impacto desse tipo de iniciativa sobre o ecossistema global ainda é muito incerto. Segundo um comentário publicado na revista Nature, a única certeza é que os países em desenvolvimento serão os mais afetados – tanto pelos efeitos das mudanças climáticas em si como pelas estratégias que venham a ser implementadas na tentativa de frear a elevação da temperatura.

O texto é assinado por 12 cientistas de países como Bangladesh, Etiópia, Índia, Jamaica, Quênia e Tailândia. Do Brasil, assina Paulo Artaxo, professor titular no Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).

Para o grupo, a adoção de geoengenharia não pode ser uma alternativa à redução de emissões de gases de efeito estufa. “Reconhecemos os potenciais riscos físicos e implicações sociais e políticas. E nos opomos à sua implantação até que a pesquisa sobre sua segurança e eficácia tenha sido concluída e que os mecanismos de governança internacional tenham sido estabelecidos. Mas estamos comprometidos com a coprodução de pesquisa e com o debate bem informado”, afirmaram os cientistas na revista.

De acordo com Artaxo, projetos dedicados a modelar os resultados de estratégias de geoengenharia climática têm sido conduzidos em países como Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha, mas por enquanto sem a participação de cientistas de países em desenvolvimento.

O interesse pelo tema cresce à medida que aumentam as evidências de que o Acordo de Paris – assinado por 195 países em 2015 para conter as emissões de gases estufa – não será suficiente para limitar o aquecimento do planeta a 2 ºC acima dos níveis pré-industriais.

“Se continuarmos no ritmo atual de emissões, o aumento médio da temperatura pode chegar de 4 a 7 ºC ao longo deste século. Para evitar o colapso dos ecossistemas que sustentam nosso planeta, talvez venha a ser necessário, em algum momento, o uso de geoengenharia. Mas sem estudos sérios e que envolvam todo o globo, corremos um grande risco de fazer uma burrada ainda maior com o clima do que já estamos fazendo hoje. Um erro na aplicação de qualquer técnica pode matar centenas de milhões de pessoas de fome, sede e outras causas”, disse Artaxo à Agência FAPESP.

Pesquisas feitas até o momento indicam que as técnicas de geoengenharia climática poderiam contribuir para resfriar temporariamente a Terra, porém com efeitos adversos consideráveis, que podem até ser piores que os malefícios que tentam combater.

Uma das estratégias já testadas em pequena escala foi o lançamento de ferro solúvel no oceano – medida que aumenta a absorção de dióxido de carbono (CO2) pela biota marinha.

“Isso de fato pode ser eficaz para remover CO2 da atmosfera, mas causa a forte e rápida acidificação da água do mar. Simulações sugerem que a adoção dessa medida em larga escala poderia reduzir em muito o pH dos oceanos, o que significaria a extinção de praticamente todas as espécies marinhas”, disse Artaxo.

Já no caso do lançamento de enxofre na estratosfera, os principais impactos seriam sentidos pelas plantas que dependem de radiação solar direta para fazer fotossíntese de maneira eficiente. “Esse tipo de técnica pode beneficiar espécies mais capazes de realizar a fotossíntese com radiação difusa. Ou seja, alteraria muito a biodiversidade do planeta sem que a humanidade tenha qualquer ideia do impacto no longo prazo”, afirmou.

Para Artaxo, contudo, não são as questões físicas e químicas as que mais preocupam e sim como seria a governança do processo. Uma vez que as medidas adotadas por um único país poderão afetar todo o planeta, quem será o responsável por decidir qual técnica aplicar, em qual momento, em quais locais e com qual dimensão? Quem vai arcar com os prejuízos eventualmente sofridos por determinadas nações? E, acima de tudo, quem pode garantir a continuidade da implementação das medidas adotadas ao longo de 100 ou 200 anos?

“Imagine que começamos a lançar enxofre na atmosfera e, após uma ou duas décadas, a medida se torne inviável devido a uma forte crise econômica internacional ou uma grande guerra mundial. Toda a temperatura do planeta que foi reduzida ao longo do período de aplicação pode voltar em apenas um ano”, alertou Artaxo.

Participação no debate

Ainda não existem pesquisas extensas na área de geoengenharia climática sendo conduzidas no Brasil e, na avaliação de Artaxo, seria fundamental investigar os efeitos que essas técnicas podem ter sobre o balanço de carbono e o funcionamento da Amazônia, bem como sobre a precipitação no Nordeste e outros potenciais efeitos.

No texto publicado na Nature, os cientistas também ressaltaram a importância de estudar os efeitos da geoengenharia solar sobre os furacões que atingem a região do Caribe, as enchentes que acometem Bangladesh e a agricultura praticada no leste da África.

“Os países em desenvolvimento devem estar em posição de participar das decisões globais. Cientistas locais, em colaboração com outros, precisam conduzir pesquisas que sejam sensíveis às preocupações e condições regionais (...) Discussões mais amplas entre acadêmicos, formuladores de políticas, a população em geral e intelectuais sobre riscos climáticos e justiça são necessárias”, afirmaram os autores.

O texto Developing countries must lead on solar geoengineering research pode ser lido em: www.nature.com/articles/d41586-018-03917-8.