Análise do microbioma melhora a saúde animal
18 de novembro de 2025Roseli Andrion | Agência FAPESP – Quando os biólogos Flávio de Oliveira Francisco e Alan Branco voltaram de seus pós-doutorados nos Estados Unidos, em 2016, trouxeram na bagagem mais do que conhecimento científico: carregavam uma visão empreendedora gestada nos corredores da Universidade Harvard. Essa experiência os levou a fundar a Genobiomas em 2018 e, posteriormente, em 2022, a segmentar para o setor pet com a Petbiomas, hoje a única empresa da América Latina especializada em análise de microbioma para animais de estimação.
A jornada, no entanto, não foi linear. O que começou como uma solução inovadora para a suinocultura brasileira — setor que movimenta bilhões de reais e enfrenta constantes desafios em relação a custos — se transformou em um negócio voltado ao mercado pet. Esse segmento faturou mais de R$ 77 bilhões em 2024, um crescimento de 12% em relação a 2023, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet) em parceria com o Instituto Pet Brasil (IPB).
Em Boston, berço de algumas das maiores inovações tecnológicas mundiais, Francisco e Branco mergulharam em um ambiente em que ciência e negócios se conectam naturalmente. A região concentra inúmeras universidades e centros de pesquisa, além de abrigar gigantes farmacêuticas e biotecnológicas que transformam laboratórios em empresas bilionárias.
Nesse ecossistema único, pós-doutorandos frequentam as mesmas palestras que CEOs. A dupla, então, absorveu uma lição fundamental: problemas complexos exigem soluções científicas, mas soluções científicas precisam de mercado para prosperar. “A gente estava em Boston e havia muitos workshops de empreendedorismo para os alunos”, relembra Francisco.
Microbiota como chave
No retorno ao Brasil, a dupla se concentrou em um desafio bem brasileiro: os produtores de suínos locais têm margens de lucro muito apertadas. “Eles vendem a carne suína por um preço muito próximo do custo de produção”, explica o pesquisador. “O lucro pode ser da ordem de centavos ou poucos reais por quilo de animal e não é incomum que tenham prejuízos.”
O Brasil é o quarto maior produtor mundial de carne suína, segundo dados da Associação Brasileira dos Criadores de Suínos (ABCS) baseados em estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mas, em 2024, a produção se manteve estável, com crescimento de apenas 0,8%. O principal vilão desse cenário é a ração, baseada em milho e soja — cujas safras são quase integralmente exportadas, o que deixa o mercado interno dependente de produtos caros e sujeitos às oscilações do dólar.
Foi aí que a dupla de biólogos viu uma oportunidade: usar o conhecimento sobre microbiota intestinal para fazer os suínos consumirem menos ração e ainda assim atingirem o peso ideal de abate. A microbiota intestinal é o conjunto de microrganismos (principalmente bactérias) presentes no intestino animal, que tem papel fundamental na digestão, na imunidade e até no comportamento. “É como se fosse um órgão invisível que regula várias funções fisiológicas. ”
Antibióticos na mira
Com apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, eles desenvolveram o primeiro projeto e conseguiram comprovar que era possível fazer os porcos crescerem igualmente mesmo comendo menos. Ao participarem do curso PIPE Empreendedor, no entanto, outra queixa dos produtores chamou a atenção: a pressão internacional para eliminar os antibióticos promotores de crescimento.
Esses medicamentos são dados aos animais em baixa dosagem, diariamente, para prevenir infecções em criações intensivas (em que muitos animais ficam juntos em espaços pequenos) e essa prática causa preocupações sobre resistência bacteriana. “Se um animal fica doente, todos ficam”, comenta Francisco. “Para quem já tem uma margem de lucro muito pequena, isso pode representar um prejuízo enorme.”
A solução proposta pela Genobiomas, então, foi usar bacteriófagos — vírus que atacam especificamente certas bactérias — para substituir os antibióticos contra Salmonella e Escherichia coli, as principais vilãs na criação de suínos. Em nove meses de trabalho laboratorial, a equipe encontrou bacteriófagos eficazes contra essas bactérias.
Quando chegou o momento de iniciar os testes em animais vivos, no entanto, os cientistas se depararam com barreiras regulatórias. “A regulamentação demoraria muito. Se a solução fosse categorizada como medicamento, por exemplo, poderia demorar de 10 a 15 anos para ser aprovada.”
Mudança de rumo
Em março de 2020, os pesquisadores estavam aptos a aplicar a solução nos animais, mas a chegada da pandemia de COVID-19 dificultou o acesso às granjas: toda a construção de confiança com os suinocultores foi perdida. “Naquele momento, a continuidade do projeto ficou inviável”, resume Francisco.
A dupla descobriu, então, uma empresa americana que atua no segmento de microbioma de pets. Como a regulamentação para animais de companhia no Brasil é menos rigorosa do que aquela para animais de produção e o mercado pet mostrava sinais de crescimento explosivo, a startup decidiu se dedicar ao segmento.
O crescimento de 12% no setor pet brasileiro em 2024 reflete a crescente humanização dos animais de estimação, que agora são tratados como integrantes da família. Diferentemente da suinocultura, em que qualquer custo adicional é problemático, no mercado pet não se fala em custo, já que se trata da saúde de um integrante da família.
A Genobiomas, então, criou a marca Petbiomas para atender especificamente o segmento. “Geralmente, os tutores que nos procuram têm pets com diarreia crônica mesmo após diversas tentativas de tratamento”, conta Francisco. O serviço funciona de forma relativamente simples: veterinários ou tutores coletam amostras das fezes do animal, que são analisadas em laboratório para mapear as bactérias presentes no intestino.
Depois de identificá-las, a equipe da startup oferece sugestões personalizadas. “Se no perfil das bactérias o cachorro não tem nenhuma bactéria que digere fibra, por exemplo, sugerimos adicionar mais fibra na alimentação dele”, exemplifica. Em casos mais severos, a empresa indica veterinários que fazem transplante fecal — um procedimento em que as fezes de um animal saudável são transplantadas ao animal doente para reequilibrar sua microbiota.
Linha de suplementos
No contato com veterinários, os cientistas perceberam que os profissionais querem mais do que diagnósticos: eles buscam solução para o que é detectado. A Petbiomas, então, passou a desenvolver uma linha de suplementos. O primeiro produto é um simbiótico, uma combinação de probióticos (microrganismos benéficos vivos) e prebióticos (alimentos para as bactérias do intestino).
Segundo Francisco, no Brasil, ainda é comum o uso de cepas humanas em probióticos para pets. “Isso limita os resultados”, aponta. A Petbiomas, por sua vez, usa cepas específicas para animais de estimação e os tratamentos são mais longos e eficazes. Além disso, a empresa já desenvolve suplementos de fibras e produtos para a pele, sempre a partir da análise individual de cada animal.
Um dos principais desafios enfrentados pela Petbiomas foi o educacional. “Como é uma tecnologia inovadora, muitos veterinários começaram agora a ter contato com esse tipo de solução”, explica Francisco. Por isso, muitos tutores chegam à empresa a partir de pesquisas on-line, especialmente aqueles cujos animais enfrentam doenças crônicas.
Já está nos planos da startup o desenvolvimento de cápsulas para transplante fecal, que são administradas oralmente para repovoar o intestino de animais doentes com bactérias benéficas. Atualmente, a empresa auxilia veterinários e tutores a comprarem o produto de um parceiro nos EUA. “Queremos desenvolver aqui no Brasil, mas sabemos da dificuldade de regulamentação.”
Perspectivas futuras
A transição da academia para o empreendedorismo não foi fácil para os pesquisadores. “É difícil parar de pensar como cientista”, admite Francisco. “Para se tornar empreendedor tem de saber que vai ter de desenvolver muitas habilidades novas e manter sempre a mente aberta para aprender.”
A versatilidade e a capacidade de aplicar conhecimento científico sólido em diferentes contextos podem justamente ser a chave para o futuro do empreendedorismo baseado em ciência no Brasil. “Cientista pode ser empreendedor? Sim, cientista pode ser tudo”, ensina Francisco.
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