Startup apoiada pelo PIPE-FAPESP desenvolve solução sustentável promissora a partir da flora nativa (imagem: divulgação/Mabebio)

Biodiversidade brasileira dá origem a novos materiais têxteis

17 de junho de 2025

Roseli Andrion | Pesquisa para Inovação – É comum que a ciência seja fruto da inquietação dos cientistas. Na startup Mabe Bio isso não foi diferente. O desconforto da designer de moda Marina Belintani se transformou no combustível da inovação. Experiente no mercado de materiais e moda, ela tinha um incômodo persistente: a quantidade crescente de resíduos produzidos por uma indústria conhecida por seu alto impacto ambiental.

Essa insatisfação a levou a um projeto de pesquisa de mestrado no Royal College of Art, em Londres, na Inglaterra, quando se dedicou ao estudo de biomateriais. Em busca de uma oportunidade de transformação, passou a investigar alternativas sustentáveis a partir da biodiversidade brasileira.

Com essa motivação, a pesquisadora participou do programa de residência da Antler (fundo global de capital de risco para empresas em estágio inicial) e lá conheceu a empreendedora Rachel Maranhão. “Me apaixonei imediatamente pela pesquisa da Marina e percebi o potencial transformador da tecnologia que estava sendo desenvolvida”, conta Maranhão, mestranda em negócios e CEO da Mabe, cuja visão estratégica e olhar empreendedor complementaram o conhecimento técnico de Belintani.

Como resultado dessa parceria, a empresa criou o biotecido de angico, um material desenvolvido integralmente a partir de plantas nativas brasileiras. Angico é o nome comum de várias espécies de árvores nativas da América tropical, principalmente do Brasil, pertencentes aos gêneros Piptadenia, Parapiptadenia e Anadenanthera, da família Mimosoideae. Essas árvores são valorizadas pela qualidade da madeira, empregada em construções civil e naval, e amplamente utilizadas em projetos de reflorestamento e recuperação florestal em razão de seu crescimento rápido e resistência.

Inovação brasileira

Mais do que um simples substituto para o couro tradicional, o material desenvolvido pela startup é uma resposta tecnológica e sustentável aos desafios ambientais contemporâneos. “Nosso objetivo é substituir matrizes de materiais altamente poluentes por soluções com impacto socioambiental positivo e regenerativo”, explica Maranhão. O projeto destaca-se não apenas pela sustentabilidade, mas pela capacidade de utilizar tecnologicamente a biodiversidade brasileira.

Além disso, esse processo representa uma reimaginação do processo produtivo: a startup busca ressignificar a relação entre tecnologia, natureza e produção industrial para transformar as indústrias de moda, design e materiais. “Quando começamos, sabíamos que seria um desafio”, lembra a pesquisadora. “Desenvolver um biomaterial vai além do aspecto técnico: é preciso reimaginar toda a cadeia produtiva.”

A tecnologia ainda está em fase de pesquisa e desenvolvimento, mas o objetivo da equipe da startup é ter um material que ofereça vantagens competitivas em desempenho e custo. “O desafio é complexo: envolve pesquisa constante, testes rigorosos e uma compreensão profunda das necessidades do mercado.”

A Mabe Bio tem, assim, uma filosofia profunda de sustentabilidade. “Não basta criar um material alternativo, é preciso propor uma transformação sistêmica na forma como produzimos e consumimos.” O angico representa essa visão: nasce da biodiversidade, respeita os ecossistemas e oferece uma alternativa real aos materiais tradicionais altamente poluentes.

A pesquisadora destaca que o mercado global de materiais alternativos está em expansão. Marcas como Adidas, Nike, Mercedes e BMW já demonstram interesse em soluções sustentáveis. A Mabe Bio posiciona-se estrategicamente nesse cenário, já que está desenvolvendo um material com potencial de escalabilidade e custo competitivo.

Com um biomaterial que usa insumos da floresta, a startup quer demonstrar o potencial transformador da inovação brasileira. “Acreditamos que os grandes desafios do nosso tempo serão resolvidos pela ciência, pela criatividade e por uma profunda conexão com nossos recursos naturais.”

Assim, além de fomentar a economia local, a tecnologia coloca o Brasil no mapa da inovação sustentável. A Mabe Bio ajuda a demonstrar como a ciência brasileira pode ser protagonista em soluções globais.

Projeções e expectativas

Para os próximos anos, a projeção de Maranhão é otimista: a expectativa é que, até 2030, materiais alternativos como o angico ocupem uma parcela significativa do mercado de materiais para diversos setores. “Não será uma revolução instantânea”, pondera, “mas um processo gradual de conscientização e transformação. Cada passo conta, cada escolha importa.”

O projeto tem como parceiros a Universidade de São Paulo (USP), o Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). “Esse apoio é fundamental”, pontua Maranhão. “Mostra que acreditamos no poder transformador da ciência e no potencial de jovens empreendedores para resolver desafios globais.”

A Mabe Bio foi selecionada, em 2022, pelo Programa Centelha, que estimula a criação de empreendimentos inovadores e dissemina a cultura empreendedora a partir de capacitações, recursos financeiros e outros suportes. Em 2023, recebeu o prêmio Fashion Futures, criado pelo Instituto C&A para celebrar iniciativas transformadoras no setor de moda, e o Prêmio José Eduardo Ermírio de Moraes, do Insper. Existe, no mercado, um movimento amplo de investimento em soluções científicas para desafios ambientais. “Cada reconhecimento valida o trabalho desenvolvido, bem como oferece mais possibilidades de crescimento e desenvolvimento.”