Sistema criado por startup apoiada pelo PIPE-FAPESP visa permitir o emprego adequado de elementos capazes de garantir a integridade estrutural em altas temperaturas e reduzir a transferência de calor do interior de equipamentos para o ambiente (foto: dvulgação/Redlab)

Solução nacional vai ajudar indústrias na gestão de materiais refratários

21 de maio de 2024

Roseli Andrion  |  Pesquisa para Inovação – Uma das características das indústrias de base (como siderúrgicas, petroquímicas, cimenteiras e outras) é a temperatura elevada — acima de 1.000°C — em que os processos são realizados. Como utilizam energia elétrica ou química para produzir calor de forma intensiva, grande parte dos equipamentos utilizados é revestida de materiais refratários – capazes de garantir a integridade estrutural do processo em altas temperaturas e reduzir a transferência de calor do interior dos equipamentos para o ambiente. Com isso, o processo se torna mais seguro, eficiente e com elevada produtividade.

Nesse cenário, a gestão adequada desses materiais é essencial. Para permitir que ela ocorra de forma eficiente, a startup Redlab está desenvolvendo uma plataforma digital que vai permitir acesso a todas as informações essenciais sobre eles. O sistema está sendo elaborado com apoio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, e busca garantir que todo o processo ocorra de forma prática, rápida e fácil.

“Chamamos de Sistema de Inteligência Refratária [RIS]. A ideia é transformar as análises que fazíamos em algo escalável a partir da experiência que já temos”, diz Matheus Santos, engenheiro de materiais e fundador da Redlab, que, depois de atuar em consultoria por um tempo, decidiu criar um produto que pudesse orientar as companhias.

De acordo com Santos, para a indústria que usa refratários a solução pode melhorar o desempenho dos processos. Isso porque, embora seja um item consumível, uma falha pequena nele pode causar grandes impactos.

“Em alguns casos, pode ser necessário parar a produção por um, dois ou mais dias”, aponta Santos. “Isso pode representar prejuízos de milhões de reais. A gestão eficiente desse componente ajuda a evitar ou reduzir essas ocorrências.”

Compartilhamento de informação

Segundo o engenheiro, outro aspecto importante dos refratários é o fato de, em geral, apenas os fabricantes terem informações detalhadas sobre eles. “As empresas que usam não têm muito conhecimento do material, não sabem sobre suas propriedades e seu desempenho, nem se ele vai ser bom ou não para o processo. Nosso sistema vai reunir essas informações”, afirma Santos.

Entre os usuários, é comum que muitas métricas deixem de ser observadas. É o caso, por exemplo, do consumo de energia ou do impacto ambiental que estão direta ou indiretamente relacionados a esses materiais, ponderam os especialistas.

“Às vezes, não há um histórico desses dados porque são necessários cálculos complexos para computar os ganhos”, explica Tamires Milagres, engenheira de materiais e sócia da Redlab. “Na plataforma, o usuário vai ter acesso a ferramentas e informações técnicas mais específicas.”

A engenheira destaca que todos os dados estarão em um único sistema. “Às vezes, um funcionário da empresa é responsável por essas informações e mantém tudo no próprio computador. Se ele sai da companhia, quem o substitui pode ter de recomeçar esse controle”, explica. “Se todas as informações estiverem em um sistema único, é mais fácil manter o histórico com consistência.”

Sem uma solução específica, o controle na maioria das empresas não é sistemático — o que compromete a eficiência. “Nosso objetivo é permitir que as análises sejam mais precisas e que haja continuidade do processo”, completa Santos. “Assim, quando o responsável por esses dados deixar a empresa, não vai ser preciso interromper o controle.”

Esse método de trabalho é comum em todo o mundo e em empresas de portes variados. “Temos contato com os maiores produtores de refratários do mundo. O que estamos desenvolvendo é novidade para todos eles. Uma ferramenta como essa vai ajudar a acelerar a digitalização nas empresas de base — que ainda não avançaram muito nessa direção.”

Parceria internacional

Os testes iniciais da ferramenta, com cerca de 20 usuários, levaram a uma parceria com uma professora universitária chinesa especialista nesses materiais. “Quando apresentamos a ideia, ela disse que já tinha pensado na necessidade de criar algo parecido, mas não conseguia visualizar como isso se materializaria na prática”, diz Santos.

O engenheiro explica que a equipe da Redlab teve de se aprofundar em técnicas computacionais para desenvolver a ferramenta, que deve usar métodos numéricos, inteligência artificial e outras tecnologias que ainda não são amplamente empregadas no segmento. “Até para o mercado chinês, já muito mais avançado, a solução traz novidades. Essa professora se interessou em se tornar nossa parceira e, futuramente, será nossa sócia.”

O interesse da equipe da startup no segmento surgiu a partir da observação de que esse era um nicho pouco explorado em que havia a oportunidade de melhorar a comunicação entre fabricantes e usuários de refratários. “Existe um conflito entre o produtor e o comprador: quem quer vender tem interesse em demonstrar o desempenho do produto, mas quem compra, muitas vezes, não consegue verificar os ganhos possíveis com a mudança do revestimento e não aceita pagar mais caro — mesmo que o material tenha melhor desempenho”, detalha Milagres. “Nossa plataforma vai permitir quantificar a economia possível. Assim, quando pagar mais pelo produto, o comprador saberá que há um ganho efetivo que antes não era observado.”

Ganhos financeiros

Atualmente, a Redlab desenvolve o produto mínimo viável (MVP) da solução. Por enquanto, os pesquisadores não têm uma estimativa da economia possível com o uso do sistema. “Nas consultorias que fizemos, estimávamos ganhos financeiros. Em geral, eles são bastante significativos: a parada de um equipamento pode representar uma queda na produção e superar US$ 1 milhão por dia de perda de faturamento”, pondera Santos.

Ele pontua, ainda, que os impactos podem ser variados, a depender do processo em execução. “Em alguns casos, um padrão está em uso há 25 anos e tomar a decisão de mudá-lo representa um risco. Se for possível prever o comportamento do material antes de decidir, é possível economizar”, comenta. “Alguns estudos demonstram que, ao mudar a propriedade do refratário, é possível reduzir o consumo de energia com a conservação da temperatura de um recipiente, por exemplo.”

Como as indústrias de base produzem em larga escala, um ganho de 1% pode representar milhões de reais a cada ano. “Quando os profissionais passarem a usar, vamos poder fazer estimativas dos benefícios obtidos com o uso da ferramenta. Vai ser uma meta muito prazerosa de alcançar”, diz Santos.

As altas temperaturas comuns nos processos do segmento serviram até de inspiração para o nome da empresa. Isso porque a palavra “red” é usada com duplo sentido: além de ser a sigla de Refratários Ecologicamente Desenhados, em inglês ela significa vermelho — cor associada a materiais em altas temperaturas. Já a palavra “lab” representa o aspecto inovador da solução.

Usuários ativos

O cronograma de desenvolvimento da solução prevê que, a partir da primeira versão, já haverá usuários ativos. “Em seguida, vamos adicionar funcionalidades incrementalmente. Essa, inclusive, é uma grande vantagem de sistemas digitais: pode-se aprimorar a ferramenta continuamente a partir do feedback obtido”, avalia Milagres.

Em dois anos, o objetivo é ter mais de 150 usuários ativos — o que representa uma fração pequena do segmento e garante à Redlab a possibilidade de atrair mais interessados. De acordo com as estimativas da equipe, o setor tem aproximadamente 20 mil usuários potenciais.