
Solução à base de óleos essenciais protege frutas de fungos
30 de setembro de 2025Roseli Andrion | Pesquisa para Inovação – Quem nunca se frustrou ao comprar um mamão aparentemente perfeito no supermercado e, em poucos dias, vê-lo coberto por manchas escuras? Essa cena, comum para o consumidor final, é o retrato de uma situação que tem assombrado o agronegócio: a perda de alimentos devido a ataques de fungos. Para proteger as lavouras, a aposta tem sido o uso intensivo de agroquímicos, o que gera preocupações ambientais, de saúde e de sustentabilidade. Essa prática se consolidou como quase inevitável, especialmente no Brasil, mas traz como consequências a contaminação de solos e águas, o desequilíbrio na biodiversidade e riscos diretos à saúde.
Atenta a esse impasse, a startup Prospecta desenvolveu com apoio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, um antifúngico natural biodegradável para garantir alimentos mais saudáveis e colheitas mais protegidas. A ideia é da bióloga Erika Mattos Stein, que decidiu unir seu conhecimento acadêmico e empreendedorismo para, a partir da valorização de ativos da biodiversidade brasileira, desenvolver insumos agrícolas menos agressivos e mais integrados à natureza.
A solução da agritech é uma formulação cuja base é um bioinsumo, ou seja, um produto biológico desenvolvido a partir de microrganismos, materiais vegetais, orgânicos ou naturais. É comum que esse tipo de formulação seja utilizado para combater pragas e doenças, melhorar a fertilidade do solo e incentivar o crescimento de plantas.
A base da solução é um óleo essencial com potencial antifúngico comprovado. "Nossa prova de conceito mostrou que ele tem um potencial muito interessante", relata Stein.
Como os óleos essenciais podem ser fitotóxicos, seu uso puro na agricultura pode danificar o fruto. Para superar essa limitação, a equipe da startup desenvolveu uma formulação em nano/microestruturas que protege os óleos essenciais e permite uma aplicação segura, eficaz e com liberação gradual. Isso é essencial para proteger a planta ou o fruto da ação direta do óleo, mantendo a eficácia antifúngica por mais tempo e sem causar danos.
O encapsulamento, além de evitar a fitotoxicidade, potencializa a ação do óleo. "Dessa forma, conseguimos potencializar a ação do óleo, que já era excelente", revela Stein. A formulação está sendo caracterizada no Start Bio, um programa de aceleração do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) que apoia o aprimoramento tecnológico de produtos e serviços de startups em biotecnologia.
Atualmente, a equipe da Prospecta estuda a fisiologia do fruto. "O objetivo é garantir que a solução não comprometa a qualidade do produto final em aspectos como textura, aroma e metabolismo." Os estudos são conduzidos em parceria com o Departamento de Alimentos da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP). "Queremos avaliar se há retardo no amadurecimento, como o revestimento se forma, que alterações ocorrem, se a formulação tem efeitos preventivo e curativo e assim por diante", detalha Stein.
O projeto é realizado em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Acre, que faz os testes de fitotoxicidade em casa de vegetação, um passo crucial para validar a segurança da fórmula. "No primeiro experimento, após dez dias, em diferentes concentrações, não houve fitotoxicidade. Ficamos bem otimistas", afirma Stein.
A expectativa é que, até o fim de 2026, o projeto alcance o nível de maturidade tecnológica TRL6 – sigla em inglês de Technology Readiness Level (uma escala de 1 a 9 usada pela agência espacial dos Estados Unidos, a Nasa, e outros setores para medir a maturidade e prontidão de uma tecnologia, avaliando-a desde princípios básicos até a implementação em operações reais). Isso significa que o protótipo funcional foi demonstrado em ambiente relevante e está próximo de ser um produto comercial.
Diferencial estratégico
O produto pode ser aplicado em duas etapas distintas da cadeia produtiva. A primeira é diretamente no campo, como alternativa ou complemento aos fungicidas químicos tradicionais. "O produto pode ser aplicado em rotação com os agroquímicos ou substituindo-os", explica Stein. Com isso, o produtor diminui a carga de químicos aplicados sem perder a eficácia, e até produtores de orgânicos podem utilizar a formulação.
A segunda opção de aplicação é durante o beneficiamento dos frutos. Após a colheita, os mamões passam por um processo que inclui lavagem, seleção e, em muitos casos, uso de cera de carnaúba para retardar o amadurecimento. "Nessa etapa, a formulação pode ser aplicada por aspersão ou por imersão", detalha. O objetivo é que a substância forme uma barreira protetora similar à obtida com a cera de carnaúba, mas com a vantagem de ter propriedades antifúngicas ativas.
Embora o mamão seja o primeiro fruto estudado pela pesquisadora, o potencial de mercado da solução é grande. "Atualmente, já testamos cinco espécies de fungos que afetam diferentes culturas, como morango, café e outros. Isso demonstra a versatilidade da solução." Essa diversidade é estratégica, pois muitos desses patógenos atacam outras culturas importantes, o que abre caminho para a expansão do uso da formulação.
A aposta da Prospecta é atuar em harmonia com uma tendência global irreversível: a demanda por alimentos mais saudáveis e por uma agricultura mais sustentável. "Queremos ter produtos que atendam a essa necessidade sem afetar a produtividade, a segurança e o meio ambiente."
No Brasil, o mercado de bioinsumos cresceu em média 21% anualmente nos últimos três anos e já tem faturamento anual de R$ 5 bilhões (na safra 2023-2024), graças à demanda crescente por sistemas de produção mais sustentáveis. Além da eficiência, esses produtos promovem benefícios ambientais e sociais: reduzem a exposição de trabalhadores a químicos, minimizam resíduos nos alimentos e oferecem uma alternativa ecológica aos métodos tradicionais.
De acordo com Stein, a Prospecta é uma empresa de biológicos-bioquímicos. Essa distinção é importante: diferentemente dos produtos biológicos tradicionais, que utilizam microrganismos vivos (como bactérias e fungos benéficos), os biológicos-bioquímicos vêm de fontes naturais, como óleos essenciais extraídos de plantas. Por isso, a solução da startup está próxima dos agroquímicos na forma de aplicação, mas mantém o conceito ecológico, o que facilita a adoção pelos produtores que já estão acostumados a esse tipo de uso em campo.
Inimigo invisível
Para compreender como a infecção do mamão ocorre, é preciso olhar sua cadeia de produção: o desafio está na jornada do fruto do campo até a mesa do consumidor final. Isso porque o ciclo da doença é enganoso: esporos de fungos, na maioria das vezes, infectam a planta ainda durante o período de floração, quando as flores do mamoeiro estão abertas e mais vulneráveis.
Apesar disso, o dano não é imediatamente visível: a doença permanece latente e só se manifesta de fato quando a fruta amadurece — processo que ocorre justamente durante o transporte ou nas prateleiras dos supermercados. Nesse momento, a casca e a polpa do mamão ficam mais moles e se tornam um ambiente propício para a proliferação do fungo. Daí, surgem as manchas escuras e o apodrecimento.
Natural do Espírito Santo, Stein conhece as particularidades da produção de mamão: o estado é o maior exportador da fruta no Brasil e o segundo maior produtor nacional, atrás apenas da Bahia. "O mamoeiro é uma planta particularmente vulnerável. É uma cultura que, muitas vezes, leva os produtores a quererem desistir, porque sofre com frio, chuva, doenças e pragas", explica.
As infecções fúngicas são crônicas e causam perdas econômicas em toda a cadeia de valor. Para combater os patógenos, a indústria utiliza agroquímicos. Na cultura do mamão, o consumo desses produtos é preocupante, estando na mesma categoria que o morango em termos de carga química aplicada. Para tentar reduzir essa incidência, é comum o uso de cera de carnaúba. Porém, embora retarde o amadurecimento, ela não protege contra o fungo, pois não resolve a causa da infecção.
E, enquanto a exportação tem fiscalização rigorosa, o mercado interno não tem o mesmo nível de controle, e os consumidores nacionais ficam mais expostos a resíduos. "Nossa proposta é oferecer uma opção competitiva, eficaz e sustentável para ser integrada à produção convencional ou orgânica."
Empreendedorismo feminino
Ao migrar da academia para o empreendedorismo, Stein enfrentou desafios. "Para quem é pesquisador, isso é muito complexo", avalia. "Pesquisadores são treinados para solucionar problemas técnicos e se preocupam com a metodologia e o sucesso do ensaio. Tive de aprender a unir pesquisa científica com a visão de mercado para entender quem é o consumidor, quais são os desafios de produção e como a solução se insere no contexto real da agricultura", conta.
Para compreender melhor esse universo, ela participou do programa Nidus, uma residência em inovação promovida pela Universidade de São Paulo (USP) cujo objetivo é amadurecer e preparar ideias e projetos inovadores para o desenvolvimento de startups. Com duração de dois anos, o curso a preparou para responder às perguntas cruciais. "Essa bagagem inclusive me ajudou a fazer o PIPE Empreendedor depois, porque eu já vinha fazendo entrevistas e pesquisando o mercado."
Ao escolher o nome da empresa, a pesquisadora buscou refletir o propósito do empreendimento: prospectar novos ativos da biodiversidade e transformá-los em produtos úteis e sustentáveis para a sociedade. A missão é desenvolver soluções eficazes que protejam cultivos, promovam a saúde humana e ambiental e contribuam para um agronegócio mais sustentável e inovador.
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