Realidade virtual democratiza o aprendizado
11 de novembro de 2025Roseli Andrion | Pesquisa para Inovação – Imagine poder multiplicar a experiência de um laboratório de química para todos os alunos de uma escola, simultaneamente, sem precisar de vidrarias caras ou reagentes perigosos. Para milhões de brasileiros que estudam em escolas sem infraestrutura adequada, isso não é mais ficção científica: é uma alternativa cada vez mais próxima, graças ao uso de realidade virtual aplicada à educação.
A prática em laboratórios reais é fantástica – mas nem sempre está disponível. De acordo com o Anuário Brasileiro da Educação Básica 2025, apenas 20,3% das escolas públicas de ensino fundamental e menos da metade das instituições de ensino médio (46,9%) têm laboratórios de ciências.
Nesse cenário, a Infinity Academy 3D, startup incubada no Parque de Inovação Tecnológica de São José dos Campos, passou a usar realidade virtual para complementar e expandir o acesso a experiências práticas de aprendizado. “Fazer um laboratório virtual de química seria muito mais fácil do que montar um ambiente real com toda a vidraria necessária e um especialista”, pontua o engenheiro Lucio Veraldo Jr., CEO e cofundador da Infinity Academy 3D, apoiada pelo Programa FAPESP Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE).
Além do custo, isso abrange a segurança e a versatilidade. “Para ter um laboratório de biologia, são necessários, digamos, dez microscópios. Esse equipamento tem uma atuação bastante limitada: é usado apenas para aumentar. Os óculos de realidade virtual permitem aumentar, diminuir, simular, evidenciar, engajar e muitas outras ações.”
A startup começou com o laboratório virtual de química e depois criou soluções para física, biologia e robótica. Além disso, a empresa desenvolveu uma aula de matemática em uma quitanda virtual: lá, os alunos aprendem com laranjas, bananas e o “troco do Joãozinho” – exatamente como aprendemos na infância, mas de forma imersiva e interativa. Essa mesma quitanda pode ser convertida para aulas de idiomas, para ensinar frutas, cores e números.
Educação financeira
Antes de criar os laboratórios, o primeiro projeto da empresa usou a realidade virtual em um diagnóstico de educação financeira para saber como as pessoas se comportam com recursos financeiros. O resultado foi uma jornada gamificada de oito a dez minutos: o participante sai do quarto, vai até um ponto de ônibus e, lá, precisa escolher entre usar Uber, táxi ou ônibus.
Ele, então, chega a uma praça em que interage com um banco para obter dinheiro, segue para um shopping com várias lojas e, finalmente, vai ao cinema para assistir a um vídeo explicativo sobre a jornada que acabou de percorrer. “Existe interação real com manipulação de objetos. Em uma loja, ele pode comprar uma capa de celular, em outra pode comprar uma lata de refrigerante”, descreve Veraldo. “O objetivo é fazer um diagnóstico a partir dessas tomadas de decisão.”
Com trabalho intenso de duas pessoas, a criação dessa solução levou quatro meses. O alto nível de imersão levou, nos testes iniciais, a uma descoberta inesperada: pessoas do sexo feminino entre 25 e 40 anos apresentavam sintomas de labirintite durante a experiência. “Na solução-piloto, era como se a pessoa conseguisse atravessar uma rua em um instante no ambiente virtual. Nenhum ser humano consegue fazer isso e, como o participante está totalmente imerso, essa sensação faz com que o cérebro dele entenda que ele está realmente no mundo virtual.”
Ciência da imersão
Veraldo ressalta que, segundo pesquisas, a realidade virtual no ensino aumenta o engajamento e a motivação estudantil. Além disso, a experiência imersiva facilita o processo de ensino-aprendizagem e a aprendizagem significativa de conteúdos específicos.
É preciso, no entanto, estar atento à faixa etária. “Em nossas pesquisas, descobrimos que, abaixo de 13 anos, os óculos não devem ser utilizados porque podem afetar a formação cognitiva”, explica Veraldo. “Já para o tempo de exposição, a recomendação é de no máximo 15 minutos contínuos. Quando se assiste a um vídeo, uma aula, qualquer coisa por muito tempo, a atenção decresce.”
Apesar do potencial, o uso de realidade virtual nas escolas pode encontrar obstáculos. O custo dos óculos, embora menor do que o de laboratórios completos, ainda representa uma barreira. A solução encontrada pela Infinity Academy 3D foi manter a propriedade dos equipamentos e alugá-los conforme a necessidade. “Se der defeito, substituímos e providenciamos o conserto.”
A estratégia alcança, ainda, escolas que têm os óculos, mas não têm soluções educacionais adequadas para utilizá-los. “Não temos soluções prontas: elas são desenvolvidas para cada instituição, conforme as necessidades e as metodologias adotadas pela entidade.”
Ambiente corporativo
Atualmente, a startup cria soluções educacionais e corporativas sob medida – do ensino de matemática em uma quitanda virtual ao treinamento de manutenção de equipamentos hospitalares, passando pela simulação de operações complexas em uma linha de produção industrial. “Fazemos simulações gamificadas com risco zero e baixo custo. É possível praticar quantas vezes forem necessárias, sem risco de acidentes.”
Diante das possibilidades da tecnologia, o mercado corporativo apresentou muitas demandas. “Se a empresa quer simular um treinamento em altura, o trabalhador tem a possibilidade de exercitar antes. Ele coloca os óculos, faz a simulação e, assim, percebe se tem condição de realizar a tarefa.”
A Infinity Academy 3D, então, desenvolveu soluções para diversos segmentos industriais. Uma delas simula a montagem de conjuntos automotivos: o trabalhador usa óculos de realidade mista – que combinam o mundo real com a sobreposição de informações virtuais – e recebe instruções sobre qual peça pegar, em qual caixa e como montá-la. “Se ele tenta avançar para a próxima etapa muito rapidamente, o sistema identifica que a montagem anterior pode não ter sido feita corretamente.”
Há, ainda, soluções para a área da saúde. A empresa criou, por exemplo, um coração virtual que permite que estudantes de medicina treinem procedimentos. Já para o Hospital Regional de Taubaté, desenvolveu um simulador de eletrocardiógrafo para treinar enfermeiros e técnicos. “A responsável clínica do hospital percebeu que a maioria dos problemas nos equipamentos era relacionada ao mau uso“, conta Veraldo. “Com os óculos, eles veem tudo o que deve ser feito na vida real: aperta este botão, pega os eletrodos para colocar no corpo humano e por aí vai.”
O sucesso das soluções para a área da saúde, inclusive, levou a startup a criar uma spin-off dedicada exclusivamente ao segmento, a Bioverse Solutions. “Os profissionais de saúde querem soluções para estudar o coração, querem salas de anatomia, querem um corpo humano o mais real possível”, conta Veraldo. “São demandas muito particulares e que exigem conhecimento técnico profundo.”
Multiplayer e inteligência artificial
Para o futuro, a startup já desenvolve experiências multiplayer, em que vários participantes, independentemente de onde estejam fisicamente, poderão se encontrar no mesmo ambiente virtual. Essa funcionalidade é especialmente relevante para a educação. “Não adianta, por exemplo, colocar um aluno sozinho em uma aula de inglês: essa é uma situação de bate-papo que inclui mais pessoas no ambiente. O multiplayer permite criar situações reais de interação.”
Outra aposta da empresa é uma plataforma para integração com inteligência artificial. Assim, após uma experiência em realidade virtual, é possível analisar o desempenho do aluno e oferecer recursos personalizados para complementar o aprendizado em áreas em que ele tem mais dificuldade. “Se o aluno tira oito, a inteligência artificial sugere recursos para que ele melhore os 20% que não aprendeu”, detalha Veraldo. “É uma plataforma que personaliza a educação: ela sabe o que cada aluno precisa e oferece opções específicas individualmente.”
O uso de realidade virtual na educação representa uma revolução pedagógica que pode redefinir o modelo de ensino-aprendizagem. No Brasil, 4,6 mil escolas não têm energia elétrica (3% do total), 54% das unidades da rede estadual não têm laboratório de ciências e a escolarização de jovens de 15 a 17 anos atinge 93,4%, abaixo do previsto pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB). Soluções inovadoras e de baixo custo, então, são urgentes e necessárias.
A Infinity Academy 3D criou, ainda, uma plataforma integrada de laboratórios virtuais, a Metalab3D. A ideia é que esse ambiente se conecte à plataforma educacional com inteligência artificial. “Assim, teremos uma solução que inclui tudo o que queríamos: realidade virtual, interação com o professor e uma plataforma de personalização da educação”, descreve Veraldo.
O nome da empresa, inclusive, não foi escolhido por acaso. “Chamamos a empresa de Infinity porque as possibilidades com a tecnologia são infinitas”, explica Veraldo. Quando se considera que a falta de laboratórios prejudica o repertório de recursos dos professores e dificulta o engajamento dos estudantes, o conceito fica ainda mais palpável: com a realidade virtual os limites são apenas os da imaginação, já que os óculos custam uma fração do que custaria montar estruturas físicas completas.
A trajetória da Infinity Academy 3D espelha o caminho de muitas startups de tecnologia. A aprovação do projeto pela FAPESP possibilitou a criação formal da empresa e a candidatura à incubação no Parque Tecnológico de São José dos Campos. “Tivemos o projeto aprovado na mesma época em que entramos no Parque. Já estamos lá há três anos”, conta Veraldo. Na incubadora, eles se conectaram a potenciais clientes. “Se não estivéssemos lá, não seríamos conectados a esses projetos”, reconhece o pesquisador.
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