Plataforma auxilia pacientes no controle e prevenção de complicações desencadeadas pelo diabetes
05 de setembro de 2023Rodrigo de Oliveira Andrade | Pesquisa para Inovação – Uma nova plataforma digital promete auxiliar os usuários no controle e prevenção de complicações crônicas desencadeadas pelo diabetes mellitus – doença na qual o organismo não metaboliza de forma eficiente as moléculas de açúcar (glicose) no sangue.
Batizado de Demedia, o aplicativo, baseado em tecnologias da informação e comunicação e softwares de inteligência artificial (IA), oferece orientações personalizadas aos pacientes, capacitando-os para que se tornem protagonistas de sua própria saúde, podendo monitorar a doença, prevenir o agravamento e melhorar a qualidade de vida.
A plataforma nasceu em 2021 a partir de uma colaboração entre a startup Demed Tecnologia em Saúde e o Programa Inova do Hospital das Forças Armadas de Brasília. O projeto atualmente é desenvolvido com apoio da FAPESP e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), no âmbito do programa Centelha, que incentiva empreendimentos inovadores no Brasil. O aplicativo está em fase de validação da tecnologia e de escalabilidade com mais de 100 pacientes do Hospital das Forças Armadas de Brasília e de aldeias indígenas no Ceará e no Maranhão.
A engenheira de controle e automação Marcia Ferraresi de Araújo, diretora da startup, explica que os pacientes diagnosticados com a doença são apresentados à plataforma pelos médicos e enfermeiros dos hospitais que participam da validação e são convidados a baixá-la no celular. “No caso dos pacientes indígenas, o uso do aplicativo é intermediado por enfermeiros e agentes indígenas de saúde das aldeias”, explica.
Os usuários fazem um cadastro no qual inserem seus dados. A partir daí, têm acesso a uma série de vídeos com médico endocrinologista e outros profissionais de saúde que esclarecem dúvidas sobre a doença e dão orientações sobre como preveni-la e controlá-la.
A plataforma conta ainda com um robô virtual (chatbot) – um sistema baseado em software de IA capaz de criar textos realistas e articulados a partir de perguntas e comandos e simular conversas com um ser humano. A ideia é que os usuários interajam com o robô, tirando dúvidas sobre a doença. Segundo Araújo, o chatbot foi alimentado com informações baseadas em diretrizes médicas, de modo a garantir a validade das respostas.
A interação dos pacientes com a IA alimenta uma plataforma de gamificação, inspirada na construção de programas de jogos on-line. O objetivo, nesse caso, é criar uma dinâmica que apoie os pacientes na educação em diabetes e nos cuidados da enfermidade de acordo com o perfil de saúde, de modo a aumentar a aderência ao tratamento.
A plataforma funciona com base em metas, elaboradas por um modelo preditivo alimentado com dados do perfil de saúde e da jornada do usuário no aplicativo. “Nosso sistema registra termos e palavras-chave à medida que eles interagem com o chatbot”, diz Araújo. “Esses dados depois são usados para modelar suas metas na gamificação”, afirma.
A pesquisadora cita como exemplo o caso de um paciente que interagiu com o chatbot sobre como prevenir mal-estares e desmaios causados pela hipoglicemia — que ocorrem quando o hormônio está no auge da atividade e derruba drasticamente o índice de açúcar no sangue. “Os dados dessa interação alimentam a plataforma gamificada, fazendo com que ela sugira metas, baseadas em diretrizes médicas, para auxiliá-lo a prevenir a hipoglicemia”, explica Araújo.
A plataforma também pode emitir alertas para lembrar o paciente de que ele precisa tomar alguma medicação. Em outros casos, as metas envolvem algum tipo de alimentação ou mesmo exercícios físicos, desde que compatíveis com sua situação de saúde.
A cada meta batida, o paciente ganha uma recompensa: moedas digitais, que podem ser convertidas em descontos em produtos ou serviços voltados à manutenção do controle da doença, como alimentos de baixo índice glicêmico, aparelhos para medir pressão arterial, lancetas, medidor de glicemia, aulas de pilates, entre outros.
“Muitos pacientes têm dificuldades para adquirir esses alimentos e equipamentos, e, por isso, podem diminuir ou desistir do tratamento, conforme prescrito pelo médico e equipe de saúde”, avalia Araújo.
A validação das metas ainda é feita manualmente, ou seja, o próprio paciente registra no aplicativo se as cumpriu ou não. Com base na dinâmica de uso do aplicativo, é possível gerar relatórios sobre a jornada de tratamento dos usuários.
“Essas informações podem ser compartilhadas com os médicos, se os pacientes autorizarem, de acordo com as diretrizes da LGPD [Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais]”, destaca Araújo. “A ideia é que eles possam fazer um acompanhamento mais detalhado da saúde desses pacientes.”
Os dados também podem ser usados para alimentar relatórios mais amplos sobre o perfil epidemiológico de determinada população — baseado em dados anonimizados —, de modo a subsidiar o trabalho de profissionais de saúde e instituições que atendem esse público na criação de medidas de prevenção para populações com perfis de saúde semelhantes, principalmente a partir da atenção primária e secundária.
“Essa estratégia tem o potencial de reduzir os riscos de complicações crônicas associadas à doença e impactos econômicos no sistema de saúde, como custos em procedimentos e internações que poderiam ser prevenidos”, diz a diretora da startup.
Após aprimorarem a plataforma, o próximo passo dos pesquisadores da empresa será avaliar os desfechos dos pacientes que estão usando o aplicativo.
“A ideia é saber se a Demedia conseguiu ajudá-los no controle de indicadores clínicos, como a hemoglobina glicada [que permite avaliar, por um período de dois a três meses, o tratamento de um diabético], e de síndrome metabólica, como colesterol, hipertensão e gordura visceral, além de microalbuminúria, creatinina e avaliação da retinopatia”, acrescenta Araújo. “Queremos saber o quanto nossa estratégia pode ajudar no controle e na prevenção das complicações desencadeadas pela doença.”
Eles também esperam poder ampliar o alcance da plataforma, de modo que ela possa auxiliar pacientes no controle e prevenção de outras doenças crônicas não transmissíveis, como doenças cardiovasculares, respiratórias e alguns tipos de tumores. A startup também pretende ampliar o acesso da Demedia para mais comunidades indígenas.
O Brasil é o quinto país com maior incidência de diabetes no mundo. Aproximadamente 15 milhões de pessoas vivem com a doença. Esse número pode chegar a 21,5 milhões em 2030, segundo estimativas da Federação Internacional de Diabetes (IDF).
A maioria é portador de diabetes do tipo 2, quando o organismo produz insulina, mas em quantidade insuficiente. Muitos nem sequer sabem que têm a doença. Outros não conseguem domar os níveis de glicose e desistem do tratamento, que costuma ser complexo e difícil de ser realizado, comprometendo o controle da doença.
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