Pesquisadores do RCGI estudam como produzir plástico sustentável, sem derivados do petróleo
22 de novembro de 2022O projeto “Integrando as químicas de CO2 e etanol para preparar poliuretanos biobaseados”, realizado no âmbito do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), busca produzir plásticos e outros materiais poliméricos que não sejam derivados do petróleo. O RCGI é um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE), constituído pela FAPESP e Shell, com sede na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).
O estudo está sendo realizado por pesquisadores do Instituto de Química de São Carlos (IQSC-USP). “Uma de nossas ideias é aproveitar o bagaço da cana-de-açúcar, que praticamente é jogado fora e usado como combustível para aquecer caldeiras, para criar moléculas orgânicas que vão derivar em um plástico sustentável”, disse Antonio Carlos Bender Burtoloso, professor do IQSC-USP e coordenador do projeto, à Assessoria de Comunicação do RCGI.
O foco dos pesquisadores são os poliuretanos, materiais poliméricos versáteis muito utilizados pela indústria e encontrados em espumas, colas, adesivos de alto desempenho e rodas de skate, por exemplo. “A constituição química dos poliuretanos é simples. Em geral, resulta da combinação de apenas dois monômeros, que é como chamamos as moléculas menores: no caso, um isocianato e um poliol. Esses monômeros são como peças de um quebra-cabeça. Nas reações de polimerização, eles se juntam e formam moléculas longas e ramificadas. Estas, por sua vez, dão forma ao plástico ou a outro material polimérico”, explica o pesquisador.
De acordo com Burtoloso, o isocianato é um composto comumente utilizado nas reações de polimerização. No caso, a preparação industrial desse composto costuma ser feita, em geral, a partir da combinação de aminas e gás fosgênio. “Apesar de ser uma opção barata e com ótima performance nessa situação, o gás fosgênio é um produto extremamente tóxico que faz mal à saúde e ao meio ambiente”, diz o especialista. No momento, a equipe do projeto investiga formas de substituir o gás fosgênio pelo dióxido de carbono (CO2) na estrutura química do isocianato. “Além de não ser tóxica, essa alternativa contribui para reduzir a concentração de gás carbônico na atmosfera, um dos grandes vilões do efeito estufa, ao transformar o CO2 em um produto que poderá ser utilizado pela indústria.”
Outros grupos de pesquisa no Brasil e no mundo vêm estudando maneiras de efetuar essa substituição. “Os resultados estão se mostrando promissores, mas cada equipe tem sua própria abordagem, que difere a partir dos reagentes utilizados e dos métodos reacionais empregados no decorrer da pesquisa”, conta Burtoloso. Ao longo do projeto, o grupo já preparou, por exemplo, um tipo específico de amina. “Essa amina que sintetizamos é produzida a partir da biomassa da cana-de-açúcar em vez de ser originária do petróleo, como é o caso das aminas utilizadas geralmente pela indústria”, prossegue Burtoloso.
A atenção dos pesquisadores do RCGI também está voltada ao poliol, outro elemento-chave na estrutura química dos poliuretanos. “Praticamente todos os polióis usados industrialmente na preparação de poliuretanos são derivados do petróleo, mas pretendemos prepará-los a partir do bagaço da cana”, prevê o especialista. “A celulose presente no bagaço é um polímero de açúcares que se quebram e dão origem a várias substâncias, sobretudo o ácido levulínico, após um tratamento em meio ácido. Por sua vez, o ácido levulínico pode ser transformado em uma outra molécula, a valerolactona. A partir dela vamos fazer uma série de polióis totalmente oriundos da biomassa. Inclusive, nossa equipe já construiu alguns deles de forma bastante eficiente.”
O projeto é desdobramento de outro estudo realizado entre 2018 e 2021, no IQSC-USP, também sob comando de Burtoloso. “Na época, conseguimos produzir um plástico com poliol totalmente originário do bagaço da cana, mas o isocianato era derivado do petróleo. Agora, queremos produzir outros polióis, bem como o isocianato, tudo a partir de biomassa. Sem contar a ideia de substituir o gás fosgênio pelo CO2. É um grande desafio.”
Apesar dos bons resultados obtidos até agora, o caminho até obter a produção industrial desse tipo de plástico é longo e extrapola as fronteiras da universidade, lembra o pesquisador. “É um processo que envolve tempo e várias etapas. Para começar, o protótipo do plástico desenvolvido em laboratório precisa ser avaliado por um engenheiro ou um químico de materiais, que vai checar fatores como a durabilidade e a flexibilidade do produto”, pontua o pesquisador. Além disso, o protótipo de plástico também precisa passar por uma avaliação de custo para aferir a competitividade do produto no mercado. Outro ponto a ser checado é a viabilidade da produção em larga escala do invento.
Burtoloso é especialista em síntese orgânica com pós-doutorado pelo Scripps Research Institute, centro de pesquisa localizado na Califórnia, Estados Unidos. “Nosso trabalho na síntese orgânica é construir moléculas. Trata-se de uma área da química que demanda bastante criatividade dos profissionais”, relata. De acordo com o pesquisador, a síntese orgânica é muito utilizada pela química medicinal, por exemplo. “Mais de 80% dos medicamentos que utilizamos são sintéticos. Em geral, esses fármacos são feitos a partir de moléculas inspiradas em substâncias naturais, mas que foram modificadas de forma a potencializar seus efeitos. O especialista em síntese orgânica pode tanto melhorar algo já existente como criar algo totalmente inédito. O céu é o limite”, finaliza Burtoloso.
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