Pesquisadores de centro apoiado pela FAPESP identificam vírus que atacam bactérias do queijo Canastra

13 de dezembro de 2022

Um estudo sobre o queijo minas artesanal da Canastra, considerado o melhor queijo artesanal do mundo pelo site americano The Taste Atlas e premiado com duas medalhas da categoria “Super Ouro”, a mais alta do principal evento do setor, o Mondial du Fromage 2021, descreveu pela primeira vez no Brasil a cultura de bacteriófagos – vírus que infectam bactérias – de um queijo artesanal. Desenvolvida por pesquisadores do Centro de Pesquisa em Alimentos da Universidade de São Paulo (Food Research Center - FoRC) – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) apoiados pela FAPESP –, a pesquisa mostra que os queijos Canastra contemplam uma extensa variedade desses agentes.

Publicado no periódico mSystems, da Sociedade Americana de Microbiologia, no trabalho foi observado que cada um dos queijos produzidos na Serra da Canastra possui características únicas quanto às suas comunidades de bacteriófagos.

“É um campo de pesquisa totalmente novo, somos um dos primeiros no mundo a relatar a presença desses microrganismos no queijo artesanal”, afirma Christian Hoffmann, pesquisador do FoRC, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP (FCF-USP) e coordenador do estudo.

As descobertas podem trazer benefícios grandes não só aos produtores, mas também para outras áreas, como na agricultura, saúde animal e medicina, com a aplicação dos bacteriófagos para tratar infecções bacterianas.

“Observamos uma enorme biodiversidade a ser explorada. Muitos dos bacteriófagos que identificamos nunca haviam sido vistos na ciência. Isso pode se traduzir em compostos naturais para serem utilizados no futuro em medicamentos capazes de tratar infecções com resistência antimicrobiana”, avalia Hoffmann.

Assinatura genômica

Os bacteriófagos, assim como sua interação com as bactérias, foram descritos de forma minuciosa por meio de técnicas de sequenciamento de nova geração, análises de bioinformática e estatística.

“No trabalho, listamos uma série de resultados específicos para cada queijo, algo muito valioso para os produtores”, sublinha Hoffmann. “Vimos que cada um dos queijos conta com uma assinatura genômica muito específica. Portanto, ao rastrear os bacteriófagos, conseguiríamos apontar de qual produtor ele veio, auxiliando na detecção de produtos falsificados – algo comum na área”, explica.

No estudo, também foi identificado no DNA do Canastra uma nova bactéria, uma estirpe de Streptococcus salivarius, que pode ter um papel importante no processo de fermentação, aroma e sabor. “Parece ser uma bactéria endógena [que se origina no local] da Serra da Canastra. Isso talvez ajude a explicar as características únicas desse queijo”, diz Hoffmann.

Oriundo da Serra da Canastra, região que abrange sete municípios do sudoeste do Estado de Minas Gerais, o queijo Canastra é produzido principalmente por pequenos produtores. O produto é feito a partir de leite cru (sem pasteurização), ao qual é acrescentado coalho e pingo – um fermento biológico natural rico em microrganismos. Uma série de bactérias é responsável pela fermentação do leite e para a constituição do sabor do produto final. O pingo é renovado a cada dia e reutilizado na produção.

“É importante conhecer a biodiversidade desses bacteriófagos para entender se eles estão presentes no pingo ou no próprio leite, se estão eliminando bactérias maléficas causadoras de doenças ou bactérias benéficas [fundamentais para a produção do queijo], pois são bacteriófagos bastante distintos”, explica Luciano Queiroz, doutor em microbiologia pelo Instituto de Ciências Biomédicas da USP (ICB-USP) e primeiro autor do estudo.

Isso é relevante, segundo ele, principalmente para o pingo. “Muitos queijos no Brasil e ao redor do mundo são produzidos da mesma maneira, a partir do pingo, então esse conhecimento pode ser aplicável a eles também”, avalia.

Para Gustavo Lacorte, professor do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), no campus de Bambuí, na Serra da Canastra, e colaborador do estudo, será preciso uma nova rodada de pesquisas para transformar esse conhecimento em tecnologias.

“Penso que, em conjunto com agências de fomento e empresas privadas, podemos desenvolver um inoculante que faça o controle das bactérias nocivas sobre as quais os bacteriófagos atuam, potencializando o seu trabalho”, afirma.

Ele lembra que na área de queijos há muito conhecimento sobre bactérias, mas ninguém tinha falado ainda do papel dos bacteriófagos. Embora os vírus sejam associados frequentemente a doenças, não há indícios de que os bacteriófagos proporcionem riscos à saúde humana, estejam eles em pequenas quantidades ou em superpopulações.

“Não há nenhuma literatura no mundo que aponte um risco para a saúde humana. A principal razão é que os bacteriófagos, predadores naturais das bactérias, via de regra, se abrigam em apenas um hospedeiro – e neste caso são as bactérias presentes no queijo”, explica Lacorte.