Startup apoiada pelo PIPE-FAPESP desenvolve solução para assegurar a prevenção de doenças na piscicultura por meio do monitoramento ambiental (foto: Pixabay)

Filtragem de água e extração de DNA ajudam na produção de peixes

26 de março de 2024

Roseli Andrion  |  Pesquisa para Inovação – Em busca da diminuição de perdas na produção de peixes e de garantir a biosseguridade, pesquisadores da startup Sanipeixe desenvolveram uma solução para assegurar a prevenção de doenças nesses animais por meio do monitoramento ambiental. Para isso, a água utilizada na criação de peixes é filtrada e analisada em uma reação de PCR em tempo real (técnica que permite fazer muitas cópias de uma região específica do DNA) com o intuito de detectar patógenos existentes naquele meio.

A ideia surgiu da experiência de Tiago Milanin, coordenador de desenvolvimento de projetos na Sanipeixe e pesquisador na área há cerca de 14 anos. “Nas minhas pesquisas de pós-doutorado, nos Estados Unidos, aprendi uma técnica de filtragem de água de rio. Eu a trouxe para o Brasil e fundamos a Sanipeixe”, conta. “A partir disso, criamos o protocolo para fazer o monitoramento em criações de tilápia.”

Mesmo tendo sido desenvolvida para tilápia, a técnica, elaborada com apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, pode ser usada para outras espécies de peixes. “Os microrganismos patogênicos não atacam somente as tilápias”, aponta Milanin. “Eles podem estar presentes em vários outros peixes comercializados no Brasil e no exterior.”

Ao analisar a cadeia produtiva dos peixes, o monitoramento ambiental pode assegurar a higiene desde a produção de alevinos — animais ainda em forma embrionária — até a venda dos peixes para o consumidor final. Ao garantir a qualidade durante a criação, o método assegura que o consumidor receba alimentos mais saudáveis. “Nesse segmento, a sanidade é um dos principais obstáculos e pode levar à perda de cerca de 20% da criação”, diz o pesquisador. Segundo ele, em termos de impacto na produção brasileira, o prejuízo pode chegar a R$ 1,6 bilhão por ano.

Controle de patógenos

Uma das dificuldades na produção de peixes é identificar precocemente se os animais estão doentes na água. “Diferentemente de um bovino, um suíno ou uma ave, que o criador vê quando fica doente, não é possível visualizar isso em peixes. Quando eles começam a apresentar sinais clínicos decorrentes de infecções bacterianas ou virais, boa parte da criação já está comprometida.”

Com o teste desenvolvido pela Sanipeixe, por outro lado, é possível ter previsibilidade nesse aspecto. Isso porque o produtor pode ver quais patógenos estão presentes no ambiente em que os peixes estão sendo criados e se antecipar na tomada de medidas preventivas.

De acordo com o pesquisador, esse tipo de solução é inédita no Brasil e a startup não pretende se limitar aos peixes. “Pensamos em estudar, no futuro, doenças em camarão e em outros animais aquáticos.”

Mirele Poleti, biomédica e pesquisadora associada na Sanipeixe, lembra que o mesmo conceito é válido para peixes ornamentais — que muitas vezes aparecem mortos no aquário sem que o cuidador do animal entenda o que houve. “O monitoramento mensal permitiria a identificação precoce de patógenos presentes no ambiente aquático, antes que eles comprometam a criação.”

Bem-estar animal

Outro aspecto importante é o bem-estar animal. E isso passa por um tanque limpo: é importante manter a qualidade da água e adequar a densidade de peixes no ambiente de acordo com a espécie, sublinha Milanin.

“Quando a água está saudável, ou não se encontram essas bactérias ou elas se apresentam em concentração aceitável. Essa condição, aliada a práticas que visem ao bem-estar animal, promove o ecossistema adequado para o desenvolvimento saudável dos peixes”, avalia.

Uma das ações comuns do segmento é a aplicação de medicamentos preventivamente — muitas vezes de forma genérica. Se o criador sabe quais patógenos estão presentes no ambiente, ele pode evitar o uso desnecessário ou incorreto desses fármacos. “Será que é necessário utilizar esse produto? Será que há bactérias ali? E, se houver, será que ele está usando o antibiótico correto?”, questiona Milanin.

A preocupação é legítima, já que esses medicamentos podem não combater todos os agentes nocivos. “Tem bactéria que morre com a aplicação do antibiótico e tem outras que não.” Se esse for o caso, o gasto com o químico pode ser evitado.

Sem contar que o uso indiscriminado desses fármacos tem relação direta com a saúde pública: a resistência das bactérias a antibióticos pode tornar difícil o combate a doenças no futuro. “É preciso lembrar, ainda, dos resíduos liberados no meio ambiente”, afirma Poleti.

Profissionalização do setor

Segundo os pesquisadores, a profissionalização da piscicultura no Brasil é recente. Nos últimos anos, a atenção dos produtores à higiene do ambiente de criação dos peixes tem aumentado consideravelmente. “É preciso garantir peixes saudáveis até para conquistar o mercado internacional”, aponta Milanin.

Muitas vezes, o diagnóstico de enfermidades em peixes é feito de forma visual — a partir de sinais clínicos do animal quando ele manifesta a doença. Em geral, o peixe não é enviado para laboratórios de análise, mas, quando isso ocorre, os laudos podem demorar a sair, já que muitos laboratórios usam cultivo de bactérias em meios de cultura. Isso causa, ainda, outra dificuldade: como determinadas bactérias são de difícil crescimento, dependem de meios de cultura específicos. Além disso, a análise é realizada separadamente para cada patógeno.

Os pesquisadores, então, passaram a se perguntar se um teste de monitoramento ambiental preventivo para diagnóstico de patógenos teria aplicabilidade mercadológica. A partir desse questionamento, decidiram criar uma solução que faz o exame diretamente na água em que os peixes são criados.

(Imagem de Katharina N. por Pixabay)