Exploração da Amazônia deve se basear no conhecimento da natureza
17 de outubro de 2019Pesquisa para Inovação | Agência FAPESP – O modelo de exploração econômica da Amazônia praticado nas últimas décadas tem causado o aumento do desmatamento e não tem se revertido em melhoria na distribuição de riqueza ou em benefícios econômicos e sociais para as populações locais.
A fim de mudar esse quadro e assegurar a permanência da floresta e o uso sustentável de seus recursos é preciso implementar um novo modelo de desenvolvimento econômico para o bioma baseado no conhecimento da natureza – a chamada bioeconomia.
A avaliação foi feita por pesquisadores participantes do sétimo episódio de 2019 do programa Ciência Aberta com o tema “Amazônia”, lançado nesta terça-feira (15/10).
Participaram do debate Paulo Moutinho, pesquisador sênior e cofundador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam); Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG); e Ricardo Abramovay, professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP.
“Ainda tem sido replicado na Amazônia o mesmo modelo existente há 25 anos de uso e ocupação da terra – em boa parte de forma ilegal, pela agropecuária, exploração madeireira e o garimpo –, que só tem gerado destruição”, disse Moutinho.
“É preciso que a sociedade brasileira faça uma escolha definitiva do modelo de desenvolvimento econômico que se quer para a Amazônia porque o que está em vigor só tem gerado concentração de riqueza e de terra e desmatamento da floresta”, avaliou.
De acordo com Abramovay, apesar da riqueza natural da Amazônia, que possui entre 10% e 20% da biodiversidade do planeta, a população da região apresenta os piores indicadores sociais do país.
“Até hoje, a Amazônia tem sido uma espécie de almoxarifado em que o Brasil busca matéria-prima e energia barata, sem que isso se reverta em benefícios para as pessoas que vivem na região. Mas existem alternativas que podem permitir, sobretudo às populações tradicionais da Amazônia, se transformar em protagonistas de mudanças”, avaliou.
Uma das alternativas seria transformar a Amazônia em um centro de pesquisa ou “Vale do Silício da biodiversidade”, de modo a possibilitar a exploração econômica sustentável dos recursos da floresta e a descoberta de moléculas e de insumos de interesse das indústrias farmacêutica e de cosméticos, exemplificou o pesquisador.
Para isso, seria preciso fazer investimentos maciços em infraestrutura – que não significa abertura de estradas –, prover conexão à internet generalizada na região, permitir o acesso de pesquisadores para fazer estudos sobre biodiversidade e investir na formação de pessoas, indicou Abramovay.
“O Brasil está na retaguarda da inovação global e como o país possui a maior biodiversidade do planeta é nela que pode apostar para recuperar o tempo perdido”, avaliou.
Algumas das atividades econômicas que também poderiam ser fomentadas na região são a piscicultura – a criação de peixes em cativeiro – e o turismo ecológico, que cresce a taxas de 15% ao ano e está estagnado no Brasil, sobretudo na Amazônia, disse o pesquisador.
“Todas essas atividades geram emprego e renda por meio do uso de conhecimento da natureza e não da destruição”, afirmou.
Esse novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia não exclui as atividades já praticadas na região, mas propõe seu redimensionamento, ponderou Moutinho.
Boa parte do desmatamento ilegal da floresta está relacionada ao avanço da pecuária extensiva na Amazônia, que ocupa grandes áreas com menos de uma cabeça de gado por hectare.
Ao incentivar a intensificação, aumentando o número de cabeças de gado por hectare, seria possível liberar para a agricultura 40 milhões de hectares de áreas já desmatadas, que foram convertidas em pastagens e posteriormente abandonadas, disse o pesquisador.
“Uma boa parte do avanço da plantação de grãos na Amazônia ocorre hoje em áreas que eram de pastagem”, afirmou Moutinho.
Como muitos pecuaristas não têm incentivo para fazer pecuária intensificada eles vendem a terra para fazendeiros plantarem soja e movem o gado para a floresta, explicou.
“Há um ciclo dos pecuaristas na Amazônia de moverem o gado para a floresta para continuar produzindo porque não têm incentivos para fazer intensificação. É preciso um plano nacional de intensificação da pecuária para reduzir o avanço dessa atividade sobre a floresta”, avaliou.
Desmatamento zero
Na opinião de Artaxo, é possível atingir o desmatamento zero na Amazônia sem causar prejuízos para a produção agrícola e isso quase aconteceu em um período recente.
Em 2004, foram desmatados 28 mil quilômetros quadrados (km²) da floresta e, em 2012, esse número caiu para 4 mil km². Nesse período, o país foi o que mais contribuiu para a redução das emissões de gases de efeito estufa no mundo e a produção agrícola aumentou.
“Isso mostrou que não é preciso desmatar para aumentar a produção agrícola e que é possível reduzir o desmatamento a zero, que não custa caro e é a melhor medida para reduzir as emissões de gases de efeito estufa”, afirmou.
De acordo com o pesquisador, a Amazônia possui o maior reservatório de carbono em área continental no mundo. Além disso, é uma grande processadora do vapor d’água oriundo do oceano Atlântico tropical, que forma as chuvas que caem nas partes central e Sul do Brasil e irrigam as lavouras do país.
Dessa forma, a aceleração do desmatamento da floresta contribuirá não só para aumentar as emissões de gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono, e intensificar o aquecimento global, como também coloca em risco o agronegócio brasileiro.
“O pior uso que se pode fazer da Amazônia é queimar a floresta para criação de áreas de pastagem e transformá-la em gases de efeito estufa”, avaliou Artaxo.
A fim de garantir o desmatamento zero da floresta amazônica é necessário apenas cumprir a lei, punindo os desmatadores ilegais, apontou Abramovay.
“Só 1% das multas aplicadas para quem exerceu atividades de desmatamento ilegal é pago. E, agora, até essas multas deixaram de ser pagas”, afirmou.
Do total de 5,5 milhões de km² da floresta amazônica, 20% (1 milhão de km²) já foram desmatados.
A maior parte do desmatamento – 70% – está concentrada em grandes faixas ao longo das estradas que cruzam a Amazônia, destacou Moutinho. “Não estou dizendo que não tem de ter estradas lá, mas é preciso uma outra compreensão do desenvolvimento da região que não ocorreu no início de sua ocupação”, ponderou.
O episódio “Amazônia” do programa Ciência Aberta teve a participação de alunos das universidades de São Paulo (USP) e Estadual de Campinas (Unicamp), do Instituto Federal de São Paulo, campus avançado de Jundiaí, Fatec de Itapetininga e da Escola Estadual Prof. Manuel Ciridião Buarque.
Ciência Aberta é uma parceria da FAPESP com o jornal Folha de S. Paulo. O programa é apresentado por Alexandra Ozorio de Almeida, diretora de redação da revista Pesquisa FAPESP.
O novo episódio pode ser visto na página da Agência FAPESP no Facebook e no YouTube e no site da TV Folha.
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