Classificação automatizada de grãos de café pode ajudar na seleção para exportação
13 de agosto de 2024Roseli Andrion | Pesquisa para Inovação – Responsáveis por 38% da produção global de café, os cafeicultores brasileiros enfrentam uma série de percalços durante a preparação dos grãos para exportação. Um deles é o apontamento da qualidade, que é realizado manualmente. “O classificador de café separa os grãos que, por algum motivo, não têm a qualidade especificada. A partir dessa análise, ele aponta se a composição está dentro da qualidade esperada e o processo pode ser mantido ou se deve ser interrompido e ajustado”, explica o engenheiro Carlos Fernando Baltieri, sócio-administrador da startup Hope Kphé.
Com mais de 30 anos de vivência no segmento, Baltieri conhece bem as dificuldades do setor. Segundo ele, a avaliação manual não é parte do escopo de trabalho do operador na produção, mas ele precisa fazê-la para tomar as decisões mais adequadas de ajuste de equipamentos.
A fim de auxiliar esses profissionais na execução dessa tarefa, a startup criou uma solução que agiliza essa classificação ao fazê-la de forma automática. A solução da Hope Kphé, desenvolvida com apoio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, classifica com precisão os grãos na linha de produção para melhorar o aproveitamento para o exportador.
“Quando os grãos são selecionados, um volume grande de itens bons é classificado como resíduo em razão de ajustes inadequados na selecionadora”, diz Baltieri. “Quando se faz a classificação antes ou durante o processo de seleção, é possível fornecer dados para o operador ajustar a selecionadora e, assim, aumentar a eficiência no processo de separação. Com isso, reduz-se a quantidade de grãos bons no resíduo e eles podem ser destinados para exportação em vez de ficarem no mercado interno.”
Atualmente, a saca de café para exportação custa R$ 1.400, enquanto a destinada ao consumo nacional sai por R$ 1.190. “Se grande quantidade do que deveria ser destinado à exportação fica no mercado interno, o exportador perde. A ideia é minimizar essas perdas: em uma instalação de médio porte, por exemplo, 1% de melhora pode representar cerca de R$ 150 mil mensais.”
A startup usa um scanner para analisar imagens de grãos de café e avaliar sua colorimetria e sua morfologia. “Em vez de o operador dispor os itens sobre uma pauta de couro, como ocorre na classificação manual, ele os coloca no scanner. O sistema, então, avalia as duas faces dos grãos e os categoriza em cores. É um ganho grande de agilidade para o profissional”, revela Baltieri. “Com base nessas informações, os tomadores de decisão têm mais precisão e podem obter ganhos reais de produção.”
Atualmente, a Hope Kphé tem parceria com a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e com alguns negociadores de café. Além disso, bolsistas de doutorado atuam nas pesquisas da empresa tanto na Esalq-USP como na Embrapa.
Rastreabilidade da cadeia
Esse tipo de classificação vai permitir melhor rastreabilidade da cadeia cafeeira. Baltieri comenta que extrair informações de um lote é como fornecer um certificado de origem para o produto. “O consumidor final vai poder acompanhar todo o processo de produção desde o campo e saber de onde veio aquele café.” Futuramente, pequenos produtores poderão oferecer os melhores grãos de um microlote ao consumidor final para fazer um café específico, por exemplo.
A solução da startup pode ser um trunfo para os agricultores. “Eles são o elo mais frágil da cadeia, pois são atingidos diretamente na plantação”, lembra Baltieri. “Com essa análise, eles vão saber o que realmente têm nas mãos — já que, hoje, quem dita as regras é o exportador. Se os agricultores souberem que seu produto tem valor, podem conduzir negociações mais vantajosas.”
Gustavo Valio, sócio da Hope Kphé, conta que essa necessidade já existe. “Faltam profissionais especializados no campo e, quando a safra chega, os armazéns têm de contratar gente sem treinamento”, aponta. “Esse sistema, além de auxiliar esses armazéns, permite que o produtor saiba o que tem para vender e o exportador saiba o que vai comprar.”
Outro aspecto importante quando se fala em café é o sensorial — ou seja, se o produto é palatável. Essa avaliação também é feita de modo totalmente manual: amostras são torradas, moídas, preparadas e degustadas por especialistas, que observam o odor e o sabor e pontuam essas características. “Queremos tornar esse processo tecnológico e qualificar a bebida com técnicas de análises químicas”, afirma Baltieri.
Resistência à tecnologia
A safra de 2024, entre junho e julho, deve marcar o teste final da solução e há expectativa de que, para o próximo ano, o sistema esteja em uso em algumas empresas. Paralelamente, a startup se prepara para testar outras culturas na plataforma — como amendoim, soja, milho, feijão e similares. “A safra de amendoim é no fim de janeiro. Queremos fazer os testes com ele já no início de 2025”, diz Baltieri. “Quando tivermos a sequência de passos para a classificação, vai ficar mais fácil incluir outros grãos”, completa Valio.
O segmento cafeeiro é bastante conservador e, em geral, resiste ao uso de novas tecnologias — como o processamento de dados em nuvem e as plataformas de assinatura de software como serviço — em seus processos. O sistema da Hope Kphé, por exemplo, teve de ser concebido em forma de solução local. “A expectativa é que, no futuro, seja possível usar a nuvem, mas em um primeiro momento é preciso que eles desenvolvam confiança nessa opção”, pondera Baltieri.
Valio explica que a tecnologia pode ajudar a aumentar a precisão da classificação dos grãos. “Com inteligência artificial na nuvem, é possível fazer o treinamento do sistema de forma remota em vez de ter de trazer para Ribeirão Preto”, avalia. “O mesmo vale para as atualizações de software. É, sem dúvida, a melhor opção.”
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