Empresa obteve aval de agência federal norte-americana para usar nos Estados Unidos um sensor de medição de pressão intracraniana que desenvolveu ao longo dos últimos 15 anos (foto: divulgação)

Brain4care dá salto em plano de internacionalização para impactar 1 bilhão de pessoas

03 de março de 2020

Eduardo Geraque  |  Pesquisa para Inovação – A empresa brasileira Brain4care obteve o aval da agência regulatória de fármacos e tecnologias médicas dos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA), para utilizar no país um sensor de medição de pressão intracraniana que desenvolveu ao longo dos últimos 15 anos.

Agora, a empresa pretende consolidar suas bases no mercado norte-americano e atingir o objetivo de impactar 1 bilhão de pessoas em todo o mundo com a tecnologia em até cinco anos.

“A meta é estabelecer a pressão intracraniana como um sinal vital para ser usado por médicos em unidades de terapia intensiva [UTIs] ou exames neurológicos de rotina, a exemplo da pressão arterial, da temperatura e das frequências cardíaca e respiratória”, disse ao Pesquisa para Inovação Plinio Targa, CEO da Brain4care.

Desenvolvida pela Brain4care por meio de um projeto apoiado pelo Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP, a tecnologia começou a ser gestada em 2005 quando, aos 77 anos, o físico Sérgio Mascarenhas de Oliveira recebeu o diagnóstico de hidrocefalia, uma doença rara em idosos.

Inconformado com o modo adotado pelos médicos desde sempre para monitorar a pressão dentro do crânio – com a abertura de um orifício na cabeça –, o cientista brasileiro passou a trabalhar em um método que pudesse fazer as medições do lado de fora do cérebro, sem a necessidade de cirurgia.

Depois de uma operação neurológica para retirar o excesso de líquido que pressionava o cérebro, Mascarenhas, sem mais os sintomas da doença, passou a perseguir seus novos objetivos científicos.

“Eu me lembrei dos meus alunos engenheiros que usavam um chip para monitorar vigas de uma construção. Por que não poderia usar um chip, do lado de fora da minha cabeça, para fazer o monitoramento da pressão?”, indagou.

O resultado derrubou um dos pilares da Doutrina de Monro-Kellie, estabelecida há 200 anos, que afirmava que o crânio é uma estrutura óssea rígida e inextensível.

A partir de sua descoberta, Mascarenhas desenvolveu o método para monitorizar de forma indolor e não invasiva a pressão intracraniana e a complacência cerebral – a capacidade do crânio de voltar ao tamanho normal após uma pressão deixar de existir.

“Em vez de uma cirurgia relativamente complexa e cara, um sensor externo acoplado do lado de fora do crânio pode fazer todo o trabalho”, explicou Targa.

Funcionamento da tecnologia

O sensor monitoriza de forma contínua a pressão intracraniana e a complacência cerebral por meio da morfologia do pulso da pressão intracraniana e expressa os resultados em dois gráficos. Um mostra a morfologia da curva minuto a minuto e a correlação entre seus pulsos, e o outro aponta a tendência da pressão ao longo do período monitorado.

As informações são enviadas pela internet para o sistema da Brain4care, que analisa até 16 parâmetros da curva. O método permite visualizar as informações de duas maneiras: em tempo real, em que o médico acompanha na tela do monitor os pulsos capturados pelo sensor, e por meio de relatórios da pressão intracraniana, recebidos da plataforma em nuvem para serem visualizados impressos.

As informações obtidas com a monitorização não invasiva da pressão intracraniana podem ser utilizadas em vários momentos da jornada de atendimento de pacientes. Entre eles, na triagem, em que permite confirmar a existência de problemas neurológicos antes mesmo do aparecimento de sinais clínicos, e na definição de diagnóstico, acelerando e qualificando a identificação de casos de hidrocefalia, AVC, doenças hepáticas e renais, pré-eclâmpsia, hematoma subdural, hipertensão arterial, meningite e trauma.

Outras aplicações são na monitorização contínua em procedimentos cirúrgicos e de pacientes sob cuidados intensivos ou com patologias relacionadas ao aumento da pressão intracraniana.

Com o objetivo de acompanhar de maneira rápida, fácil e acessível, inclusive em termos financeiros, a evolução de pacientes neurocríticos, o método desenvolvido no Brasil, na cidade de São Carlos (SP), começou a ganhar cada vez mais corpo e a se espalhar pelo mundo.

Dentro do Brasil, a validação científica da inovação também contou com o apoio do PIPE-FAPESP.

“O PIPE viabilizou a união de pessoas qualificadas e recursos tecnológicos em um ambiente de pesquisa científica. Por meio de projetos apoiados pelo programa as hipóteses científicas do professor Sérgio Mascarenhas foram confirmadas”, afirmou Targa.

Segundo o executivo, além de toda a evolução em termos tecnológicos e relacionada ao mundo dos negócios obtida pela empresa, o avanço científico do projeto é o que realmente está na base de tudo.

“Certamente, o grande passo foi o estabelecimento da correlação entre o método Brain4care e os métodos invasivos na monitorização da forma de onda da pressão intracraniana”, afirma Targa.

Segundo ele, o apoio dos projetos PIPE-FAPESP e a competência científica do professor Mascarenhas viabilizaram a execução de inúmeras pesquisas relevantes em centros de alta reputação usando o método de monitorização, culminando com importante resultado na pesquisa com humanos na Universidade do Porto.

“Também temos ótimas expectativas em relação aos resultados de uma pesquisa em desenvolvimento na Universidade Stanford, nos Estados Unidos”, disse Targa.

Ampliação de horizontes

Com a maturação da inovação, o horizonte da empresa agora mudou de configuração. Durante os próximos dois anos, o objetivo da Brain4care é estabelecer novas correlações entre os parâmetros fisiológicos e o estado clínico para a publicação da primeira curva de normalidade da complacência cerebral a fim de que a monitorização dos pacientes possa ser habilitada.

Mas as conquistas, segundo Targa, devem ir mais além. “A partir da validação inicial com os métodos invasivos e a curva da normalidade, aprofundaremos nossos estudos com inteligência artificial para avançar na linha de diagnósticos e identificação de padrões por patologias e/ou estado clínico”, afirmou.

A partir da compreensão de como se comporta o fenômeno da complacência cerebral será possível se antecipar a condições clínicas futuras, o que vai ampliar a capacidade preventiva dos sistemas de saúde, estimou Targa.

“A intensa e sensível relação entre o cérebro e o corpo humano ampliam nossas perspectivas de descobertas inquietantes. Estamos convictos e dedicados na criação da trilha para estabelecer um novo sinal vital”, disse.

A meta da Brain4care é, a partir de 2025, estar presente nos principais centros de saúde do mundo, como universidades, hospitais, clínicas, instituições de saúde pública e centros de pesquisa.

O plano de negócios para os anos 20 envolve ainda, segundo a empresa, conquistar novos territórios além do universo da saúde. Alguns desses novos territórios são a área esportiva, vida no espaço e protocolos preventivos de segurança da saúde em entidades diversas, como escolas, empresas, laboratórios e aglomerações públicas.

Outro aspecto importante é a construção de plataformas de conteúdo sobre pressão intracraniana e complacência cerebral para fomentar a evolução do conhecimento nesta área, disse Targa.

“Vamos compartilhar dados e insights com a comunidade, sejam pacientes e familiares, médicos, profissionais da saúde, hospitais e empresas do setor como farmacêuticas, seguradoras e governo”, afirmou.