Sistema desenvolvido por startup apoiada pelo PIPE-FAPESP fornece informações e orientações após alta hospitalar; healthtech foi uma das selecionadas para participar de missão empresarial durante a FAPESP Week Spain (imagem: divulgação/Kidopi

Acompanhante digital por WhatsApp dá segurança a pacientes fora do hospital

17 de dezembro de 2024

Roseli Andrion  |  Pesquisa para Inovação – Passar por um tratamento de saúde requer dedicação e disciplina — isso sem contar que receber o diagnóstico de uma doença, por si só, já é estressante. A capacidade de se envolver com esse processo exige comprometimento, que muitas vezes pode ser um grande desafio, especialmente porque muitas informações e procedimentos são totalmente novos para o paciente.

Isso porque ele recebe muita informação e tem de fazer seu próprio acompanhamento, ou seja, decidir o que é ou não importante. Se sente que tem algo fora do esperado, ele vai para o hospital — pode ocorrer, porém, de se tratar de algo que poderia ter sido resolvido por outra via. Outras vezes, ele deixa de ir para a unidade de saúde quando era importante ir e uma complicação que poderia ser detectada precocemente se torna grave e o leva para a UTI.

Já há alguns anos, existe a compreensão de que o melhor ambiente para a recuperação do paciente é a própria casa dele. Por outro lado, há o risco de ele não saber se tudo está correndo bem — até por não ter o cuidado intensivo que é oferecido em um hospital — e sentir a necessidade de permanecer na unidade de saúde.

Com tanta tecnologia disponível diretamente nas mãos do paciente, uma opção é usá-la para acompanhá-lo a distância e auxiliá-lo nesse processo. Foi nisso que os cofundadores da Kidopi pensaram ao desenvolver a solução da startup: eles criaram, com apoio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, uma companhia digital, que está disponível no WhatsApp e fornece informações e orientações enquanto atua como guardião.

O cofundador e diretor-executivo da startup, Mario Sérgio Adolfi Junior, conta que a ideia era oferecer uma ferramenta acessível e de fácil uso para o paciente. "Desde que entrei na faculdade, queria usar o conhecimento para causar impacto na saúde em alta escala", lembra. “Escolhemos o WhatsApp porque é uma plataforma bastante disseminada, familiar para o paciente e não requer downloads nem uso de interfaces complicadas.”

O pesquisador explica que a empresa desenvolve soluções em informática médica. “Atuamos no segmento de informática em saúde, em especial na jornada dos pacientes”, diz. “Nosso enfoque é garantir o cuidado ao paciente porque muitos problemas podem ser resolvidos fora do hospital se ele tiver o suporte adequado.”

Diferentes jornadas

Segundo Adolfi Junior, a ferramenta é bastante versátil e permite criar jornadas específicas de acordo com a necessidade de cada usuário. “Percebi que o grande desafio é o paciente não ter acompanhamento suficiente após sair do hospital. Ele muitas vezes não sabe identificar se está com algum sintoma grave e o resultado são idas e vindas à unidade de saúde”, afirma.

Após uma cirurgia, por exemplo, o sistema da Kidopi pode acompanhar o paciente para saber como está a recuperação dele e lembrá-lo de tomar os medicamentos. O acompanhamento inclui perguntas diárias para saber se a recuperação está ocorrendo de forma correta. “A partir disso, é possível saber se a evolução tem sido como deveria. Se houver algo errado, o paciente é orientado a ir para o hospital. É como se a gente pegasse na mão dele e o guiasse por todo o caminho.”

Toda essa conversa ocorre de maneira fluida pelo WhatsApp, já que o sistema usa processamento de linguagem natural — que permite que o usuário interaja como se estivesse em contato com um profissional de saúde. “Como o usuário conversa no WhatsApp, um aplicativo com o qual ele está acostumado, a adesão é alta. Ele fala da forma como está acostumado e o sistema entende e o guia nesse processo.”

Os resultados mostram que a ferramenta é efetiva. Adolfi Junior conta que, entre os usuários que foram orientados a ficar em casa, 100% não tiveram problema. “Entre os que foram para o hospital, 75% deveriam ter ido mesmo. Eram casos em que havia algum ponto de gravidade importante e que foi necessária uma intervenção”, diz. “Em um projeto que fizemos em parceria com o hospital A.C. Camargo e a Johnson & Johnson, como os pacientes foram precocemente para a unidade de saúde, houve redução das complicações cirúrgicas em 67%.”

Equipe de prontidão

Se o usuário é orientado a ir para a unidade de saúde, todo o histórico da conversa dele com o sistema é enviado ao médico que vai recebê-lo. “É tudo interligado. Vai tudo para uma central do hospital, que recebe um alerta de que o paciente está a caminho, bem como informa o que aconteceu. Se for necessário, um profissional de saúde pode entrar em contato com ele para obter mais informações.”

Segundo o pesquisador, essa é uma forma de garantir qualidade de vida ao paciente enquanto reduz riscos de óbito e de internação. “É um processo em que todos ganham, porque o hospital oferece uma forma de cuidado que faz ele se distinguir de outros hospitais. Assim, ele pode atrair parceiros justamente por oferecer esse diferencial.”

Ele destaca que, pela ferramenta, a informação chega adequadamente ao paciente exatamente quando ele precisa. E um dos seus destaques é a capacidade de humanizar o cuidado. “Temos feedbacks de um projeto que envolveu o Hospital de Amor, de Barretos, e a Roche que demonstram que os usuários se sentem confortáveis com a solução. É comum eles falarem: ‘Posso incluir uma amiga que foi diagnosticada agora no programa? Eu tenho e ele me faz sentir muito segura. Eu sinto que alguém está cuidando por mim’. É muito gratificante.”

Outros usos

A versatilidade da solução permite que ela seja aplicada em outras situações, além do acompanhamento de pacientes após cirurgias. A Kidopi tem programas para diabetes, câncer, osteoporose e outras condições crônicas. Além disso, atua no monitoramento de idosos e de quem busca bem-estar, como em processos de emagrecimento. “Acompanhamos idosos para garantir maior qualidade de vida e prevenir complicações. É um acompanhamento amplo, que considera a saúde mental e emocional dos cuidadores”, explica.

O executivo destaca a possibilidade de hiperpersonalização da solução. Assim, ela pode ser adaptada para diferentes perfis e necessidades. “Os pacientes têm necessidades específicas. Para uma mulher na menopausa, por exemplo, a abordagem precisa considerar esse momento da vida. Já o cuidador de um idoso frágil precisa de informações relacionadas à segurança doméstica, como identificar riscos no ambiente e, claro, cuidados para si mesmo para lidar com o estresse da função.”

Como a plataforma usa inteligência artificial para adaptar a jornada de cada paciente, a personalização ocorre a partir das particularidades dele e do momento em que se encontra. “Nossa solução não é engessada, ou seja, não é um sistema que funciona da mesma forma para todos”, explica. “É importante que cada indivíduo receba o cuidado de que realmente precisa em cada fase de seu tratamento ou condição.”

A caminho da internacionalização

Hoje, a solução da Kidopi já está nas mãos de milhares de pacientes. "A FAPESP foi essencial para conseguirmos transformar um projeto acadêmico em empresa", diz Adolfi Junior.

Atualmente, a empresa se prepara para expandir suas operações internacionalmente: com o auxílio de um novo projeto PIPE, já estão em desenvolvimento versões da solução em espanhol e inglês. "Estamos felizes de ter aberto nossa empresa no Estado de São Paulo e poder ter apoio para levar nossa tecnologia para ser competitiva globalmente."

A startup foi uma das selecionadas para participar de uma missão empresarial durante a FAPESP Week Spain, que aconteceu entre os dias 27 e 28 de novembro na Faculdade de Medicina da Universidade Complutense de Madri (UCM), na capital espanhola.

O pesquisador avalia que a medicina digital tem grande potencial, especialmente para atender pacientes que precisam de cuidados constantes, como os idosos. "O mundo está envelhecendo rapidamente e soluções como a nossa serão essenciais para garantir que os idosos possam receber cuidados contínuos e de qualidade sem precisar estar constantemente internados."

Embora a solução digital não substitua o médico nem o cuidado especializado, pode complementar e oferecer suporte ao criar uma rede de segurança para o paciente. Dessa forma, a tecnologia pode ajudar a melhorar o cuidado, prevenir complicações e oferecer acompanhamento contínuo, onde quer que o indivíduo esteja.

O serviço é sempre gratuito para o paciente — o custo é do prestador de serviços de saúde: hospital, indústria farmacêutica ou plano de saúde, por exemplo. Isso permite maior adesão e democratização do acesso ao acompanhamento.