Solução criada por startup brasileira atua no tratamento de dor e inflamações em pets (imagem: divulgação/ForNano)

Do laboratório à clínica veterinária: nanotecnologia pode ajudar a tratar doenças crônicas em animais

05 de agosto de 2025

Roseli Andrion | Pesquisa para Inovação – Mais conforto, eficácia e praticidade no tratamento de doenças crônicas comuns em animais idosos, como a artrite e a osteoartrite, são a proposta de uma plataforma criada pela startup brasileira ForNano. A solução é um filme farmacêutico nanoestruturado que libera o princípio ativo de medicamentos de forma controlada no organismo dos animais.

A ideia inicial, nascida no ambiente acadêmico, era um filme para liberação controlada de anestésicos para aplicações odontológicas. “Desenvolvemos o filme, mas trabalhar com anestésico é muito difícil”, conta a farmacêutica Viviane Guilherme Damasio, cofundadora da startup. Com esse produto, a empresa enfrentou a complexidade regulatória da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a dificuldade para negociar com a indústria farmacêutica voltada para humanos.

Isso motivou a aproximação com o segmento veterinário e uma mudança de direcionamento durante o programa PIPE Empreendedor, da FAPESP. A mentoria, aliada a pesquisas de mercado, apresentou uma oportunidade inesperada às empreendedoras. “Participantes de outras empresas falavam: ‘Nós trabalhamos com fitoterápicos e os comprimidos e outras formas farmacêuticas são um desafio para alguns bichinhos. Então, o filme parece muito interessante’”, lembra Damasio.

A observação apontou possibilidades que as pesquisadoras não haviam considerado. Menos saturado, o mercado veterinário é mais receptivo à inovação e tem processos de regulação menos burocráticos, realizados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), além de oferecer incentivos para formulações baseadas em tecnologias inovadoras, o que torna o processo regulatório mais favorável para startups. “Além da carência de soluções, a planta com que trabalhamos já é usada no segmento e tem potencial para melhorar a vida de muitos pets.”

Plataforma

O filme anestésico, no entanto, não foi descartado. Ao contrário: ele se tornou uma plataforma que pode ser utilizada com diferentes medicamentos. “Vimos que poderíamos adaptá-lo para outros princípios ativos, como os fitoterápicos anti-inflamatórios”, explica a farmacêutica Juliana Damasceno Oliveira, também cofundadora da empresa. “As doenças crônicas exigem tratamentos contínuos e, nesse cenário, a liberação prolongada do princípio ativo faz diferença.”

Esse processo é possível porque o uso de nanopartículas permite manter o efeito do medicamento por mais tempo e com menos doses. Assim, em vez de comprimidos amargos e difíceis de administrar aos animais, o produto pode ser aplicado em filme, gel ou pó, o que facilita a adesão ao tratamento, tanto pelos tutores quanto pelos animais.

Outro diferencial da tecnologia é o uso de excipientes funcionais. “Uso uma planta com fim anti-inflamatório, mas os compostos da nanopartícula também têm fins anti-inflamatórios”, detalha Damasio. Com isso, além do princípio ativo principal, os componentes da nanopartícula também contribuem para o efeito terapêutico e essa ação sinérgica potencializa os resultados.

Tecnologia nacional

O fitoterápico selecionado pela ForNano já é utilizado na medicina veterinária, mas as formulações são importadas e seu custo, elevado. Com o formato proposto pela startup, a dose pode ser reduzida porque a solução obtém a mesma eficiência com quantidade menor do fitoterápico — isso representa menos efeitos colaterais e tratamentos mais baratos. “O tutor não vai mais precisar dar remédio três vezes ao dia. Uma aplicação diária já será suficiente”, aponta.

O produto deve ter diferentes formas farmacêuticas: líquida, seca, gel e filme. “Talvez a gente não comercialize todas elas, mas vamos fornecer pelo menos o excipiente para a farmácia de manipulação desenvolver as opções finais”, comenta Damasio. Essa flexibilidade permite que o produto seja adaptado às necessidades específicas de diferentes animais e situações clínicas.

A formulação líquida da alternativa da ForNano já está pronta e o novo desafio das pesquisadoras é obter a versão seca dela — que é necessária para a aplicação em filmes ou pó. “Não teremos dificuldade porque é o mesmo caminho que seguimos para o anestésico”, avalia a pesquisadora. Para essa etapa, a startup busca parceiros especializados.

Paralelamente, a veterinária colaboradora Joyce Magalhães vai iniciar um projeto-piloto com cães. “Vamos fazer análises de sangue, de fezes, tudo para acompanhar os benefícios da formulação desenvolvida”, explica Damasio. Esses testes são fundamentais para confirmar a eficácia e a segurança da formulação antes de realizar estudos mais amplos.

O projeto por enquanto está nos níveis iniciais de maturidade tecnológica e as formulações estão sendo manipuladas pela pesquisadora Talita Cesarim Mendonça Bolline. A expectativa é que o produto final chegue ao mercado veterinário em até três anos. “É um prazo realista. Queremos acelerar, mas sabemos que é preciso cumprir cada etapa com rigor”, comenta Damasio.

Trajetórias similares

Viviane Damasio e Juliana Oliveira são especialistas em nanotecnologia. Foi daí, inclusive, que veio o nome da startup: ForNano junta “formulações” e “nanotecnologia”. A paixão delas pela pesquisa surgiu cedo, mas ambas sentiram a necessidade de ver a ciência desenvolvida nas universidades chegar à população. “Faltava entender como transformar o conhecimento proporcionado pela pesquisa em um produto”, afirma Damasio.

Por isso, elas decidiram empreender. Em 2022, fundaram a ForNano e a instalaram na Incubadora de Empresas de Base Tecnológica (Incamp) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O desenvolvimento do produto veterinário da startup tem apoio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP. “Já havíamos aprendido a importância da regulamentação, dos prazos e dos processos de produção e vimos a possibilidade de andar com as próprias pernas”, declara Oliveira.

Uma das principais incentivadoras e colaboradoras da ForNano é a professora Eneida de Paula, colaboradora do Instituto de Biologia da Unicamp. A docente foi responsável por apresentar as pesquisadoras à nanotecnologia durante a orientação de seus doutorados. “Fizemos testes de formulações já prontas para empresas. Alguns medicamentos têm nanopartículas, como lipossomas, micelas e outros componentes, que devem ser testadas conforme exigência regulatória”, descreve Damasio.

Segundo as empreendedoras, o ambiente em que estão inseridas permite a troca de experiências com outras startups e o acesso a cursos e mentorias. “Os cursos que fizemos lá foram fundamentais”, diz Damasio. Além disso, a empresa utiliza tecnologia de outra startup apoiada pela FAPESP, a Autocoat, para fazer o filme. “O ecossistema de inovação cria sinergias entre diferentes projetos. Isso é muito importante e bacana.”

As pesquisadoras contam que o PIPE foi essencial não só pelo aporte financeiro, mas pela formação empreendedora que fornece aos pesquisadores. “Aprendemos a emitir notas fiscais, fazer orçamentos, vender, comunicar e outros aspectos empresariais. Esses fatores são cruciais, mas a academia não os ensina”, pontua Oliveira.

Aumento de escala

As primeiras clientes da ForNano devem ser as farmácias de manipulação veterinária, que têm mais flexibilidade para incorporar novos produtos e permitirão contato mais direto com usuários finais. “Vamos fornecer a matéria-prima com instruções de uso. Mais adiante, poderemos vender os filmes prontos”, detalha Damasio.

O plano é aumentar a escala com solidez a partir dessa experiência e, futuramente, atingir até o mercado farmacêutico humano — algo previsto para um horizonte de pelo menos cinco anos. “Nosso sonho é ver essa tecnologia ganhar o mundo”, diz Oliveira.

Os planos incluem internacionalização, geração de empregos e inspiração de novas pesquisas, além de melhor qualidade de vida para os animais e para quem cuida deles. “Hoje em dia, os tutores acompanham seus pets de forma muito mais próxima. Existe grande preocupação com qualidade de vida, inclusive com tratamentos preventivos”, destaca Damasio. “Esse mercado é mais receptivo a inovações e disposto a investir em tratamentos mais sofisticados.”

As cientistas buscam associar ciência com afeto e tecnologia com impacto enquanto contribuem para o desenvolvimento do setor de biotecnologia no Brasil. O objetivo do novo produto é que cada vez mais pets possam viver com menos dor e mais qualidade de vida. A responsável por isso é uma inovação que nasceu no coração da universidade e encontrou seu lugar no mundo real.