Ferramenta digital desenvolvida por pesquisadores da USP mede índices de saúde de funcionários e orienta ações corporativas mais eficientes para o bem-estar no ambiente de trabalho (imagem: Divulgação)

Plataforma permite avaliar saúde de trabalhadores em empresas

29 de abril de 2025

Roseli Andrion  |  Pesquisa para Inovação – Em um mercado cada vez mais competitivo, a saúde do trabalhador tem se tornado um diferencial estratégico para a produtividade e o engajamento dos funcionários. Para responder a essa necessidade, uma equipe multidisciplinar de pesquisadores criou a Equalime, uma ferramenta digital que avalia as condições de saúde da equipe e fornece direcionamentos sobre como implementar programas corporativos de bem-estar eficazes.

A ideia foi elaborada por três profissionais com experiências complementares: uma neurocientista especializada em mapeamento cerebral, um fisioterapeuta e uma nutricionista. “A gente se juntou para criar um material que ajudasse a melhorar a saúde em geral das pessoas”, conta Paula Ricci Arantes, médica neurorradiologista e neurocientista. “Muitas vezes, a pessoa não sabe que comer a mesma refeição antes ou depois do exercício tem resultados diferentes.”

Por isso, inicialmente, a Equalime era voltada para indivíduos. Após dois anos de desenvolvimento, porém, a equipe percebeu que oferecer o serviço diretamente ao consumidor não era sustentável. “Ninguém quer pagar hoje em dia, mesmo quando se trata de educação em saúde com base em evidências científicas. As pessoas procuram na internet, perguntam ao ChatGPT o que têm de fazer, mas não pagam por essa informação”, avalia.

Os especialistas, então, decidiram redirecionar o foco da startup para o ambiente corporativo. “Nas empresas, o investimento na saúde do trabalhador apresenta retorno mensurável: há aumento da produtividade, redução de absenteísmo e melhoria do clima organizacional”, descreve Arantes. “A plataforma representa um avanço significativo na forma como as organizações podem gerenciar a saúde do trabalhador.”

Desenvolvida no ambiente acadêmico da Universidade de São Paulo (USP), a Equalime teve apoio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP. Além disso, participou de programas de aceleração, incluindo um no Hospital das Clínicas da USP (InovaHC) e outro no Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

Embasamento científico

Um dos principais diferenciais da Equalime é a robusta fundamentação científica. A plataforma avalia os funcionários individualmente a partir de um questionário digital que leva de 5 a 10 minutos para ser respondido. Nesse processo, são coletados dados como frequência cardíaca de repouso, medidas corporais e informações sobre hábitos alimentares, prática de atividade física, qualidade do sono e aspectos de saúde mental. “A gente então dá uma nota de saúde para a pessoa e informa o risco que ela tem de desenvolvimento de doenças crônicas.”

Além disso, a ferramenta considera quanto o indivíduo está preparado para alterar um hábito. “A gente indica qual é o estágio de prontidão para mudança: ou seja, a pessoa está consciente de que precisa mudar ou ainda não?”, detalha a pesquisadora. “De acordo com o estágio de prontidão para mudança, é preciso falar sobre os benefícios ou dizer o que fazer, porque não adianta dizer o que fazer se o indivíduo não está convencido de que precisa mudar de hábitos.”

A plataforma atua em duas frentes complementares: uma voltada para o trabalhador e outra para a empresa. “Temos dois grandes objetivos: um diretamente no indivíduo e o outro na empresa. E eles são complementares”, conta. Enquanto para o funcionário a Equalime emite um relatório personalizado com orientações específicas sobre como melhorar a saúde, a empresa recebe um relatório corporativo anonimizado em que pode visualizar dados agregados por setores específicos ou da organização como um todo — ajustados às necessidades da empresa.

Para o trabalhador, as recomendações têm como base as respostas fornecidas no questionário e o estágio de prontidão para mudança. “As orientações incluem desde ajustes na alimentação e no sono até recomendações de exercícios físicos adequados ao condicionamento cardiorrespiratório”, aponta Arantes.

O grupo desenvolveu uma fórmula para estimar o condicionamento cardiorrespiratório, com base nas medidas fisiológicas que o próprio indivíduo preenche no questionário digital. “Os exercícios, então, são orientados a partir desse dado. Assim, a pessoa pode se exercitar dentro de uma faixa em que não haja risco de lesão”, explica Marcelo Semiatzh, o fisioterapeuta da equipe. O próprio nome da startup remete à ideia de qualidade de vida para o indivíduo. “Em Equalime, o ‘E’ remete ao digital, o ‘quali’ à qualidade e o ‘me’ a mim. É algo como ‘traga qualidade para minha vida’”, pontua. “Além disso, inclui a responsabilidade individual: tem de haver esforço do indivíduo para que a qualidade chegue a ele e o fortaleça.”

A pesquisadora reforça que a Equalime tem compromisso com a privacidade e a confidencialidade dos dados individuais. “Queremos que o trabalhador seja honesto sobre seus hábitos. Por isso, garantimos que esses dados ficam só na plataforma. A empresa recebe só o que mandamos no relatório.” Nas empresas com departamento de medicina do trabalho, os médicos têm acesso a informações mais detalhadas, de acordo com os princípios éticos que regem a prática médica.

Produtividade e qualidade de vida

Em curto prazo, a produtividade do indivíduo melhora. Já em longo prazo, a empresa fideliza o funcionário: ele valoriza o investimento que a organização faz na saúde dele. “Com isso, a empresa reduz custos relacionados à rotatividade de profissionais e gastos com treinamentos”, comenta Arantes.

A médica destaca que há condições de saúde diretamente relacionadas à inflamação do organismo que podem resultar em dores, afastamentos e queda de produtividade. “Quem tem dor nas costas vai faltar ou sair mais cedo do trabalho. Então, perdem-se horas de produção.”

Para Renata Silvério, nutricionista do projeto, as recomendações personalizadas superam as limitações de abordagens genéricas. “Quando o RH pergunta informalmente o que os colaboradores gostariam de receber em termos de programas de saúde, os indivíduos geralmente pedem o que já têm familiaridade, não necessariamente o que realmente precisam.”

A Equalime oferece métricas claras para as empresas, o que permite direcionar investimentos em saúde de forma mais eficiente. “Muitas empresas querem investir na saúde do empregado, mas não sabem como nortear esse tipo de ação”, diz Arantes. “Ao oferecer métricas, a Equalime indica a nota atual da empresa e em que fatores é possível destrinchá-la.”

Após a avaliação inicial, a plataforma faz o acompanhamento para verificar a evolução dos indicadores ao longo do tempo. “Observamos, por exemplo, se o risco para o desenvolvimento de doenças crônicas está caindo ou aumentando, bem como se a nota de saúde da empresa melhorou ou piorou.”

Em geral, há uma discrepância entre a autoavaliação dos indivíduos e sua real condição de saúde (com base em parâmetros cientificamente comprovados). “Isso mostra que as pessoas não estão conscientes de como não estão saudáveis. Se a empresa tomar como base apenas as informações dadas pelos funcionários para orientar investimentos em programas de saúde do trabalhador, não vai agir nas causas reais e terá resultados menos eficientes.”

Perspectivas futuras

Atualmente em fase de aprimoramento, a Equalime já é uma ferramenta funcional em uso em empresas parceiras. A plataforma tem foco em cinco áreas principais de atuação: saúde mental, sono, nutrição, atividade física e controle de fatores tóxicos.

A equipe reconhece que ainda há obstáculos para a expansão. “Embora seja um investimento que tem retorno, em cenário de retração econômica os programas de saúde e bem-estar estão entre os primeiros a serem cortados pelas empresas”, admite a pesquisadora. “É uma metodologia que tem potencial para transformar a cultura organizacional em relação à saúde e ao bem-estar dos trabalhadores.”