Com apoio da FAPESP, Santa Food Tech desenvolveu um modelo para transformar áreas urbanas em laboratórios de sustentabilidade; iniciativa já está em quatro microrregiões da capital paulista e em Guarulhos (foto: divulgação)

Startup paulista aposta em agricultura regenerativa

22 de abril de 2025

Roseli Andrion | Pesquisa para Inovação – Em meio ao cinza da maior metrópole do país, uma iniciativa busca mudar a forma como os alimentos são produzidos, distribuídos e consumidos. A Santa Food Tech, startup apoiada pelo programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, desenvolveu um modelo para transformar áreas urbanas em laboratórios de sustentabilidade.

O principal diferencial do projeto é a abordagem integrada, que combina educação ambiental, conexões sociais e análise de dados para criar uma “microeconomia verde circular”. “Desenvolvemos uma metodologia própria, uma tecnologia social que usa tecnologia da informação para promover um modelo de cadeia não linear inovadora e o impacto positivo advindo dela”, explica Evelyn Dias, sócia e fundadora da startup e responsável por sua operação.

E os resultados já são visíveis: na região mais árida da cidade de São Paulo, a empresa implementou o primeiro laboratório urbano e comprovou que é possível estabelecer uma cadeia sinérgica e economicamente autossuficiente. “Conseguimos demonstrar que o modelo pode obter resultados locais dos pontos de vista ambiental, social e econômico.”

Atualmente, a iniciativa está em quatro microrregiões da capital paulista e em Guarulhos, a segunda cidade com a maior população do Estado. E por que essa revolução é necessária? “A cadeia atual está esgotada, não funciona mais e pode levar o planeta ao colapso”, aponta Dias. “Nos grandes centros, onde vivem mais de 85% da população, são necessárias soluções que não dependam da migração para o campo nem de uma mudança radical no estilo de vida.”

Transição acelerada

O projeto foi pensado para acelerar a transição para hábitos mais conscientes. Isso requer um método que conecte educação ambiental e social com tecnologia. “Nossa metodologia tem seis etapas para implementar a microeconomia verde circular”, resume Dias.

A Santa Food Tech não se limita à produção e distribuição de alimentos orgânicos, agroecológicos e agroflorestais: o conceito do projeto é a transformação do estilo de vida urbano. “Inicialmente, o objetivo era democratizar o acesso a alimentos orgânicos, que, por lei, são direito de todos. No decorrer da pesquisa, percebemos que apenas conectar produtores e consumidores não era suficiente para tornar o sistema sinérgico e autossuficiente”, explica a pesquisadora. Essa evolução levou a empresa a pivotar (mudar de direção estratégica) sua atuação duas vezes desde a fundação.

Em sua estratégia, a startup tem como foco um público muito específico: apenas 0,31% da população. “Descobrimos, durante nossa jornada de inovação, que tentar falar com as massas não funcionava. Então, em nossa última pivotagem, em 2022, definimos que iríamos nos concentrar em um perfil específico, para que ele se torne multiplicador do modelo”, conta.

Esse público-alvo, composto por pessoas físicas e jurídicas, tem “adesão instantânea” à proposta. “Eles buscam soluções sustentáveis, mas têm dificuldades para implementá-las no dia a dia. Apesar de já adotar um estilo de vida mais consciente, quem está na cidade encontra muitas barreiras.”

Para engajar o público multiplicador, a Santa Food Tech criou trilhas em que os participantes evoluem gradualmente e são estimulados a convidar pessoas com perfil semelhante que possam estar interessadas no projeto. “Nossos indicadores mostram que cada pessoa envolvida em uma etapa aumenta em 20% a chance de se ativar em outra etapa em até 35 dias.”

Esse dado demonstra a eficiência do método no engajamento contínuo dos participantes. “À medida que a pessoa se ativa em outras etapas, demonstra que esse é o movimento que ela esperava para fazer essa transição. Ou seja, fica mais claro que esse é o estilo de vida que ela deseja.”

Do pessoal ao coletivo

A história da Santa Food Tech começou de forma pessoal para Evelyn Dias, em 2010. “Foi um despertar pessoal. Passei por uma reeducação alimentar e, ao pesquisar, vi que havia uma oportunidade de mercado — especialmente após a aprovação da Lei de Orgânicos, em 2011”, conta. Como o crescimento do mercado de orgânicos no Brasil não acompanhou as expectativas, apenas em 2022 o projeto se 2 em um modelo baseado em ciência e tecnologia.

Um dos pilares do projeto é a adoção da agricultura regenerativa. “Esse conceito vai muito além da produção de alimentos sem agrotóxicos: é a melhor forma de produção que existe, pois busca conciliar a natureza com o consumo humano”, define Dias. “Entre outros benefícios, essa prática protege o solo, preserva mananciais e retira mais CO? da atmosfera que os métodos convencionais. Além disso, respeita aspectos socioambientais regionais, como a cultura local e a geração de renda.”

Na prática, o sistema opera com três tipos de transações: troca, doação e comercialização. A startup classifica os participantes da cadeia em beneficiários (produtores, cozinheiras e entidades), clientes (pessoas físicas e jurídicas que pagam) e usuários (interessados em trocas e doações). “Na cadeia, há trocas, doações e comercialização. Há usuários com interesse em fazer trocas e doações: ou seja, eles tanto podem oferecer quanto receber”, detalha.

Equipe feminina

Toda a equipe estratégica da startup é composta por mulheres. “Nosso objetivo é causar impacto e ele está conectado a sete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável [ODS, estabelecidos pela Organização das Nações Unidas] — um deles é a igualdade de gênero”, descreve Dias. “Concentramos esforços na capacitação e na oferta de oportunidades para mulheres.”

O grupo é multidisciplinar e inclui profissionais de engenharias de alimentos, elétrica e de produção, qualidade, sustentabilidade, marketing e comercial. “O próximo passo é incorporar uma profissional de ciência de dados, uma área estratégica para o negócio. Nosso grande desafio tecnológico é a ciência de dados — e ela é também nossa maior entrega de valor”, destaca. “O projeto é capaz de mapear desertos alimentares e todos os indicadores relacionados a esse segmento.”

Essa inteligência baseada em dados tem despertado o interesse de municípios e grandes corporações em relação ao mercado de crédito de carbono e pagamento por serviços ambientais. “Com a ciência de dados, temos acesso a esses dois mercados.” A próxima etapa do projeto inclui uma parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) e a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), com foco em ciência de dados para agricultura regenerativa.

Expansão e internacionalização

As projeções da startup para os próximos anos são ambiciosas: apenas em 2025, por exemplo, o objetivo é expandir das atuais cinco microrregiões para 33 localidades. “Em quatro anos, podemos aumentar nove vezes o nosso tamanho e atender a mais de 65 mil famílias.”

A Santa Food Tech propõe uma revolução no conceito de valor econômico. “Acreditamos que vamos desenvolver um novo modelo de economia. Nosso foco é otimizar o recurso natural, que tem igualdade de condição com o monetário”, explica Dias. Ela conta que não existem soluções similares no país nem no exterior. “Encontramos iniciativas que fazem parte do que fazemos, mas não integram a cadeia de forma completa como nós. São potenciais parceiros, não concorrentes.”

Atualmente, a internacionalização da empresa está em andamento com pré-pilotos na República Dominicana, apoiados pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e pelo Programa Mundial de Alimentos (WFP). “Lá, atuamos tanto em uma comunidade agrícola muito pobre quanto em uma ecovila com público mais abastado. O objetivo é validar o modelo em ambos.”

A startup foi uma das selecionadas para participar da FAPESP Week Alemanha, em uma sessão sobre economia circular, desigualdades e injustiças sociais. O evento aconteceu entre os dias 25 e 26 de março na Universidade Livre de Berlim.

Para a pesquisadora, essa é apenas a primeira etapa da transformação global que deve se consolidar nas próximas décadas. “Quando olhamos a curva de inovação, ela é ascendente. Acreditamos que, em 2050, vamos olhar para trás e dizer: ‘não sei como vivíamos antes disso’.”