Dispositivo desenvolvido com apoio do PIPE-FAPESP tem precisão superior à das avaliações feitas por médicos com o dermatoscópio (divulgação/Unnawave)

Tecnologia brasileira busca revolucionar diagnóstico de câncer de pele

25 de março de 2025

Roseli Andrion  |  Pesquisa para Inovação – Com mais de 31% do total de casos de tumores malignos no Brasil, o câncer de pele é o tipo mais comum da doença no país e no mundo. Apesar dessa alta incidência, ainda há dificuldades de diagnóstico. Isso porque o principal instrumento para a avaliação de lesões é o dermatoscópio — um dispositivo semelhante a uma lupa — somado à experiência do profissional.

Para detectar o câncer de pele de forma rápida, precisa e, acima de tudo, acessível, a startup UnnaWave está desenvolvendo um aparelho de uso autônomo não invasivo com termografia infravermelha. Fernando Malheiros, engenheiro mecânico responsável pelo projeto e especialista em modelos computacionais de tecidos biológicos, conta que o dispositivo busca detectar câncer de pele com uso de processamento matemático de imagens capturadas por câmeras de alta definição.

O pesquisador, que desenvolveu modelos computacionais do tecido biológico durante o mestrado e doutorado, se tornou uma das principais referências mundiais no uso dessa técnica. “Tenho artigos publicados desde propriedades mecânicas do tecido até como é o comportamento em termos de energia e emissão de energia em temperatura”, explica. “A partir disso, passei a criar modelos matemáticos do câncer de pele em parceria com o Hospital de Amor, de Barretos.”

No início do trabalho, o objetivo de Malheiros era determinar a possibilidade de usar esses modelos para diferenciar tecido canceroso de saudável. “Eu queria saber se depois de criar o modelo matemático e físico do comportamento do câncer de pele, conseguiria diferenciá-lo da pele saudável”, explica.

A resposta veio pela termografia infravermelha, uma técnica que utiliza uma banda de frequência específica para analisar a emissão de calor dos tecidos. O pesquisador explica que o aparelho capta sinais da lesão de pele e os processa matematicamente para acentuar a diferença entre o tecido saudável e o canceroso. “Em seguida, o sistema informa se há sugestividade de câncer de pele.”

Ensaios clínicos

Na fase inicial de ensaios clínicos, foram avaliadas 101 lesões. Os participantes são pacientes que já foram examinados e encaminhados para pequenas cirurgias. “Eles já têm uma lesão suspeita de câncer e são avaliados com o dispositivo. Essa lesão então é removida e enviada para biópsia. Depois, o resultado é confrontado com a avaliação feita com o dispositivo.”

Os resultados com o aparelho têm precisão superior à das avaliações feitas por médicos com o dermatoscópio. “Com o novo dispositivo, nossa acurácia é de aproximadamente 90%”, afirma Malheiros. “Isso representa um avanço significativo em relação ao método tradicional, que tem taxa de acerto de 76%.”

Atualmente, o projeto está na segunda fase de ensaios clínicos e as pesquisas estão concentradas principalmente no melanoma, o tipo mais agressivo de câncer de pele. “O melanoma afeta o melanócito, que produz a melanina, e é mais agressivo e mais raro. A letalidade do melanoma infelizmente é muito alta quando o diagnóstico é tardio.”

O diferencial da técnica desenvolvida por Malheiros é a capacidade de detectar melanoma precocemente ao diferenciá-lo de uma pinta normal, um grande desafio para os dermatologistas. “O melanoma e a pinta são idênticos em termos de características visuais”, pontua. “Por isso, a detecção precoce é crucial, já que esse tipo se infiltra no tecido e dá metástase muito rápido: 30 ou 90 dias são um tempo muito longo.”

O dispositivo criado pela UnnaWave tem diferenciais importantes. Um deles é a capacidade de estimar a borda da lesão: algo crucial para o tratamento do câncer de pele. “Se eu tiro extensão suficiente de pele, eu resolvo, mas se tiro só parte da lesão, isso se torna um problema. Então, oferecer uma perspectiva planar da lesão é muito útil para a tomada de decisão do médico.”

Outra vantagem significativa é a detecção em peles escuras. Segundo Malheiros, o dermatoscópio usa luz visível, o que dificulta o diagnóstico em pacientes com fototipos 5 e 6, já que não há contraste suficiente entre a pinta e a pele. “Nosso sensor trabalha em uma banda de frequência não visível e, assim, tem efetividade e comportamento igual para qualquer tipo de pele.”

Ciência com propósito

Segundo o pesquisador, o projeto transcende o aspecto comercial. “O câncer é o maior medo da humanidade”, justifica. “Uma pesquisa de 2019 do Datafolha, que entrevistou 2.074 pessoas de todo o país, apontou que o maior medo de 27% dos brasileiros era ter câncer. O segundo colocado da pesquisa era o desemprego, com 14%. Quando escolhi o que pesquisar, pensei na área médica, para que seja algo que dure mais tempo do que a minha vida.”

Na saúde pública, a tecnologia pode ter impacto bastante significativo. “Muita gente passa despercebida pelo câncer de pele porque existem hoje apenas 14 mil dermatologistas no Brasil. Não é possível ter um especialista em cada posto de saúde”, pontua Malheiros. “Além disso, quem já teve uma lesão, tem grandes chances de ter outra em até cinco anos. E o câncer de pele é cumulativo, ou seja, quanto mais tempo um indivíduo vive, mais chances ele tem de desenvolver lesões de pele. A tendência, então, é que os números sejam crescentes. Por isso, é vital que novas ferramentas de diagnóstico se tornem mais acessíveis, principalmente em áreas em que dermatologistas são escassos.”

Nesse contexto, um protocolo que use um dispositivo autônomo e acessível seria útil para o diagnóstico precoce e em massa, especialmente em regiões com menor acesso a especialistas. “O custo do tratamento de um câncer de pele é muitas vezes maior do que o da prevenção. Se em um grupo de 50 mil pessoas eu encontrar um melanoma, já compensa pelo custo de tratar uma metástase recidiva. Então, tratar de forma precoce é muito mais barato e eficaz.”

Com o crescimento populacional global, os diagnósticos de câncer de maneira geral tendem a aumentar. Assim, a lógica de prevenção se torna ainda mais relevante. “Os avanços têm criado tratamentos avançados para câncer, como as terapias moleculares direcionadas, mas elas podem custar centenas de milhares de dólares por dose. Acho que até as seguradoras de saúde vão olhar para a prevenção com mais cuidado nos próximos anos”, reflete o pesquisador.

O projeto de Malheiros tem o apoio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP. Ele continua a aprimorar o dispositivo e espera, ao fim deste ciclo, ter um protótipo funcional do aparelho. Com isso, no futuro, a ferramenta vai poder estar em postos de saúde de todo o país para ajudar a diagnosticar a doença precocemente e, assim, aumentar as chances de cura completa dos pacientes.