Startup apoiada pelo PIPE-FAPESP tem aplicado a tecnologia para analisar dados sanguíneos comuns com o objetivo de identificar doenças crônicas (imagem: Ewa Krawczyk / National Cancer Institute)

Inteligência artificial auxilia na detecção de câncer de mama a partir de exame de sangue

28 de maio de 2024

Roseli Andrion  |  Pesquisa para Inovação – Já há algum tempo, a inteligência artificial faz parte do dia a dia. Isso tem levado cada vez mais empresas a apostarem nela para as mais diversas soluções. A startup Huna, por exemplo, tem aplicado a tecnologia para analisar dados sanguíneos comuns com o objetivo de detectar doenças crônicas, como o câncer de mama.

Os pesquisadores da empresa ajudaram a fundar o primeiro laboratório de inteligência artificial dentro de uma universidade no Brasil, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 2018. Lá, a equipe se interessou por usar a tecnologia para desvendar informações ocultas em dados contidos em exames de sangue. “Percebemos que essas informações ainda são subutilizadas”, diz Daniella Castro, pesquisadora responsável pelo projeto, apoiado pelo programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, e cofundadora da Huna.

A pesquisadora explica que os processos biológicos do organismo humano não são lineares — especialmente quando se trata de doenças complexas. Isso quer dizer que, ao olhar um exame de sangue, muitas sutilezas podem passar despercebidas, já que os marcadores interagem entre si. “Com a inteligência artificial, podemos identificar padrões invisíveis aos olhos humanos”, diz Castro. “É preciso lembrar, por exemplo, que o colesterol interage com a glicose, com os leucócitos e com todos os demais componentes presentes no sangue.”

Essa característica dos exames de sangue — o fato de esconderem muito mais informação do que parece — foi usada para definir o nome da empresa. A equipe optou por uma palavra maori (a língua do povo nativo da Nova Zelândia): “huna” representa um conhecimento escondido — a sabedoria protegida como um tesouro. “É exatamente o que a gente propõe fazer: com um olhar voltado aos exames de sangue, tentamos identificar padrões desconhecidos com a aplicação de inteligência artificial”, afirma Marco Kohara, cofundador da empresa.

Entre os testes realizados com base nessa proposta, os cientistas usaram dados sanguíneos para apontar a possibilidade de desenvolvimento da doença de Alzheimer com até quatro anos de antecedência, bem como para identificar pacientes com COVID-19 (ainda durante a pandemia) e até fornecer um prognóstico da doença quando ainda não havia vacina contra ela.

“Quando uma amiga minha teve câncer de mama diagnosticado já na fase metastática, pensei em usar o método para rastrear essa enfermidade — que tem mais chances de cura quando diagnosticada precocemente”, conta Castro.

Segundo a pesquisadora, apenas 20% das mulheres brasileiras têm acesso à mamografia, exame fundamental para o diagnóstico precoce do câncer de mama. “Esse é um dos principais gargalos da doença”, lembra Kohara. “O método pode trazer benefícios na jornada do paciente, especialmente ao apoiar a detecção precoce da enfermidade”, avalia.

O processo consiste, basicamente, em identificar no sangue padrões que aparecem em enfermidades específicas por serem característicos delas. “Juntamos a maior base de dados do mundo de hemogramas rotulados para câncer de mama — pelo menos que já está publicada cientificamente”, sublinha Castro. “A partir disso, criamos um estratificador de risco para rastreamento da doença.”

Ferramenta auxiliar

O objetivo da solução criada pela Huna é identificar pacientes que têm até três vezes mais risco que o típico para a enfermidade. “Então, se só 20% da população tem acesso ao rastreamento, buscamos uma forma de torná-lo mais efetivo. O hemograma é um exame muito barato e a ideia é que os padrões identificados permitam priorizar as mulheres com mais risco de ter câncer de mama”, diz Castro.

A equipe da Huna reforça que o método não vai substituir exames que já são usados para o diagnóstico, como mamografia ou ultrassom mamário. “Nosso objetivo é priorizar mulheres mais expostas aos riscos, de modo a otimizar a fila para a mamografia”, pondera a pesquisadora. Além disso, futuramente, o método pode ser adaptado para a detecção de outras enfermidades. “Queremos criar modelos para outros tipos de câncer, especialmente os mais incidentes e mais onerosos para o sistema de saúde”, aponta Kohara.

Como se trata de um exame corriqueiro e barato, o objetivo da equipe da startup é tornar seu uso o mais amplo possível. “A ideia é que ele esteja disponível no Sistema Único de Saúde [SUS]. Além de ser barato, o hemograma já é solicitado para outros propósitos, como a detecção de anemias ou infecções”, lembra Castro. “Ele vai ser reaproveitado e ganhar um novo valor.”

Esse tipo de avaliação pode ser bastante útil, por exemplo, para a criação de políticas públicas de saúde. A informação pode ser usada por gestores do segmento para definir como será a atenção a grupos com mais chance de desenvolver a doença. “Esse dado não tem muito valor individual, mas é essencial para definir formas de priorizar pacientes com risco aumentado para a enfermidade”, aponta Castro. “Assim, o médico vai poder determinar se um paciente deve ser priorizado e encaminhado mais rapidamente para uma consulta com um especialista ou a realização de exames complementares”, completa Kohara.

O cientista da computação afirma que a empresa quer levar a tecnologia para outros países futuramente. “Câncer é um problema mundial. Teoricamente nosso mercado é global”, avalia. “Além disso, a população está envelhecendo. O uso ampliado de uma tecnologia como essa vai ajudar, especialmente, populações com acesso restrito a tratamentos de saúde”, pondera.

Diagnóstico precoce

A escolha do segmento oncológico está relacionada com a possibilidade de otimizar o diagnóstico precoce da doença com tecnologia. “A inteligência artificial ajuda justamente nessa previsão antecipada da ocorrência de alterações. E isso é muito importante quando se fala de câncer: pode representar melhores desfechos para os pacientes ao permitir tratamentos menos agressivos, menos complexos e com impacto financeiro menor, na maioria dos casos.”

Além da detecção inicial de enfermidades, a equipe estuda a criação de modelos que permitam prever a taxa de risco de um paciente específico ou o prognóstico com um determinado tratamento. “Podemos nos aprofundar na jornada do paciente em relação à doença”, explica Kohara. “Para pacientes com câncer, por exemplo, pode-se determinar quais deles vão ter recidivas e otimizar seu processo de tratamento.”

No momento, a tecnologia está em teste e, entre os parceiros da Huna, estão o Hospital de Amor, de Barretos, que faz parte do SUS, o laboratório Fleury e operadoras de saúde. Esses testes buscam estabelecer a prova de conceito da tecnologia. Além do apoio da FAPESP, a startup recebe investimento privado.