Novo centro de pesquisa da Unesp busca preencher lacuna-chave para o avanço da biotecnologia no país

18 de abril de 2023

Karina Toledo | Pesquisa para Inovação – Fazer a ponte entre pesquisa básica e aplicada, ajudando pesquisadores e startups que ousam inovar na área de saúde a superar o chamado “vale da morte” da pesquisa clínica – etapa em que a maior parte dos projetos morre, sem alcançar o mercado. Esta é a proposta do novo Centro de Ciência Translacional e Desenvolvimento de Biofármacos, lançado no dia 10 de abril no campus de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Apoiada pela FAPESP por meio do programa Centros de Ciência para o Desenvolvimento (CCDs), essa unidade dedicada à pesquisa translacional ficará sediada no Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos da Unesp (Cevap), na Fazenda Experimental Lageado.

“A produção de biofármacos – ou seja, moléculas biológicas com poder terapêutico ou preventivo, como vacinas, soros e anticorpos monoclonais – representa um mercado de US$ 300 bilhões e o Brasil despende uma quantidade muito grande de recursos para adquirir esses produtos. E não é apenas uma questão financeira. Essas substâncias têm um papel estratégico de segurança nacional, como ficou muito bem demonstrado durante a pandemia. Quem produz vacinas atende primeiro seus interesses nacionais e de seus amigos. Depois outros compradores. Portanto, desenvolver competências nessa área é uma questão de segurança nacional”, destacou o presidente da FAPESP, Marco Antonio Zago, na cerimônia de lançamento do centro.

O novo CCD da FAPESP funcionará em sinergia com a Fábrica-Escola de Amostras de Biofármacos para Pesquisa Clínica, que está sendo construída ao lado do Cevap e deve entrar em operação no próximo ano.

“A construção da fábrica de biomedicamentos conta com financiamento do Ministério da Saúde e, mais recentemente, buscamos recursos com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação [MCTI] para a aquisição de equipamentos. A Unesp entrou com a contratação dos profissionais e a FAPESP vem agora com o braço de pesquisa. A ideia é selecionar candidatos [a biofármacos] que já passaram da fase de pesquisa básica e fazê-los avançar até a etapa de testes pré-clínicos e, quem sabe, de testes clínicos”, disse à Agência FAPESP Rui Seabra Ferreira Júnior, coordenador-executivo do Cevap e pesquisador principal do novo CCD.

Segundo Ferreira Júnior, o foco da fábrica estará nos anticorpos monoclonais – proteínas similares às secretadas por células do sistema imune humano produzidas em larga escala no laboratório para o diagnóstico e tratamento de diversas doenças.

“Há entre 100 e 120 patentes de medicamentos biológicos prestes a expirar nos próximos anos e isso representa uma oportunidade muito grande para o país. A gente quer desenvolver biossimilares para os ensaios clínicos – possibilitando a validação desses produtos. E até mesmo atender a demanda por medicamentos órfãos [destinados ao tratamento de doenças extremamente raras e que, portanto, podem ser produzidos em pequena escala], que representam um grande custo para o Sistema Único de Saúde”, acrescentou o pesquisador.

Quando em funcionamento, a unidade deverá funcionar como uma Contract Development and Manufacturing Organization (CDMO, empresa que presta serviços à indústria farmacêutica), produzindo para empresas públicas ou privadas lotes-piloto de biofármacos ou de vacinas para possibilitar a realização de ensaios clínicos. Além da Unesp, a empreitada envolve a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e os institutos Biológico, Adolfo Lutz e Emílio Ribas.

“Recentemente, a revista Nature publicou uma avaliação de 45 milhões de artigos científicos divulgados desde 1950, além de quase 4 milhões de patentes. O crescimento da ciência na área de saúde é uma coisa absurda, tanto em termos de artigos científicos quanto de patentes. Por outro lado, a transformação disso em produtos é bastante pífia. Há muito pouca translação e nós estamos exatamente querendo trabalhar com isso. Queremos fazer um ciclo acadêmico-econômico produtivo, com pesquisa básica robusta, focada e na fronteira do conhecimento, uma infraestrutura moderna e competente para transpor o vale da morte e produzir um produto economicamente viável e escalonável”, argumentou Benedito Barraviera, professor da Faculdade de Medicina de Botucatu que há 30 anos fundou o Cevap e agora vai dirigir o CCD da FAPESP.

Além de formar “translators”, ou seja, profissionais especializados em pesquisa translacional, o objetivo do centro, segundo Barraviera, será produzir amostras de candidatos a biofármacos seguindo os critérios (boas práticas de fabricação) estabelecidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para testes em humanos.

Eixo estratégico

Durante a cerimônia de lançamento do Centro de Ciência Translacional e Desenvolvimento de Biofármacos, o presidente da FAPESP explicou que o programa Centros de Ciência para o Desenvolvimento tem a missão de resolver gargalos ao desenvolvimento do Estado de São Paulo por meio de soluções científicas e tecnológicas, com a participação de institutos de pesquisa, universidades, secretarias estaduais e outros órgãos do governo.

“Este projeto do Cevap se enquadra em um eixo estratégico. O desenvolvimento de biofármacos precisa ser parte de nossa estratégia de enfrentamento de futuras ameaças biológicas”, sublinhou.

Zago lembrou que São Paulo já conta com o Instituto Butantan, principal produtor de vacina do país ao lado da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Rio de Janeiro. E ponderou que essas duas grandes fábricas não atendem a todas as necessidades do país.

“A linha de produção do Butantan não pode ser interrompida a todo momento para testar novos produtos potenciais, que precisam ser produzidos num volume moderado, mas que ainda é muito grande em comparação ao que os laboratórios experimentais são capazes de produzir, para que possam ser testados e validados. Isso é fundamental e é aqui que entra o Cevap. Nós estamos, portanto, desenvolvendo o arcabouço de uma estrutura produtiva no Estado para dar vazão ao trabalho de qualidade que se desenvolve em numerosos laboratórios paulistas, mas que, para atingir a prateleira da farmácia e os hospitais, precisa passar por todo um processo. E este segmento em que o novo CCD se insere é um dos que nós temos mais deficiência.”

Ao comentar o cenário internacional de ciência, tecnologia e inovação, o diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP, Carlos Américo Pacheco, apontou as áreas de energias renováveis, sustentabilidade e biotecnologia como as que o Brasil tem mais força para competir e ganhar mercado.

“A gente vive um momento peculiar de rivalidade entre os países, sobretudo China e Estados Unidos. E a pandemia evidenciou uma série de dificuldades em cadeias de suprimentos de setores críticos. Uma das cadeias de suprimentos que mais sofreram foi a de saúde e nessa a gente tem alguma chance. Mas temos lacunas e uma das mais importantes é a infraestrutura para produzir insumos básicos para testes pré-clínicos”, comentou.

“Há um conjunto impressionante de startups sendo criadas no setor de biotecnologia do Brasil, mas elas não contam com as facilities existentes em outros lugares do mundo para fazer seu desenvolvimento e seu escalonamento. Esse tipo de estrutura aberta a usuários externos é para nós de extremo valor. Espero que fundos de investimento da área de biotecnologia se juntem a este centro. Aqui tem uma oportunidade gigantesca. Isso aqui pode ser uma facility de expressão nacional extraordinariamente importante para o tipo de desafio que a gente tem pela frente”, acrescentou Pacheco.

Também participaram do evento o senador Marcos Pontes; o prefeito de Botucatu, Mário Pardini; o diretor do Departamento de Programas Temáticos do MCTI, Leandro Pedron; o coordenador de Ensino Superior da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação de São Paulo, Carlos Graeff; o reitor da Unesp, Pasqual Barretti; e o pró-reitor de Planejamento Estratégico e Gestão da universidade, Estevão Kimpara.