Maior parte dos investimentos na nova tecnologia no mundo tem sido feita pelo setor privado, apontou dirigente da FAPESP durante encontro promovido pela Fiesp e o Ciesp (imagem: Copilot)

Empresas devem exercer maior protagonismo na execução do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, avaliam especialistas

10 de setembro de 2024

Elton Alisson  |  Agência FAPESP – O Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), lançado no final de julho pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), apresenta grandes avanços em relação ao anterior, divulgado em 2021. É necessário, contudo, que, para atingir os resultados almejados, a estratégia conte com forte protagonismo do setor privado.

A avaliação foi feita por Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo (CTA) da FAPESP, durante o Summit de Inteligência Artificial, realizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) nos dias 27 e 28 de agosto.

“O plano se concentra muito em fontes de recursos públicos, como o FNDCT [Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] e a Finep [Financiadora de Estudos e Projetos]. Mas é preciso que tenha protagonismo do setor privado porque, no mundo todo, o grosso do investimento em inteligência artificial tem sido feito por empresas, incluindo não só as grandes, como também as startups”, ponderou Pacheco.

Na avaliação do dirigente da FAPESP, o detalhamento da origem dos recursos representa um aspecto muito positivo do plano, que se diferencia de muitos outros, e é urgente ser aplicado.

Apresentado durante a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, que aconteceu entre o final de julho e início de agosto em Brasília, o PBIA prevê investimentos da ordem de R$ 23 bilhões nos próximos quatro anos.

A proposta está dividida em cinco eixos estruturantes: infraestrutura e desenvolvimento; difusão, formação e capacitação; IA para melhoria dos serviços públicos; para inovação empresarial; e apoio ao processo regulatório e de governança.

No âmbito empresarial, o PBIA estabelece nove ações, divididas em dois focos: estímulo à cadeia de valor da IA e uso da ferramenta para soluções na indústria brasileira, incluindo comércio e serviços.

Estão previstos, dentre outras ações, recursos para ampliação do uso da tecnologia em pequenos negócios, a retenção de talentos altamente qualificados na área em empresas nacionais e a criação de um fundo de investimentos para startups de IA.

“O investimento em startups nessa área é interessante para as próprias grandes e médias empresas porque, para algo tão complexo como a inteligência artificial, é possível segregar o risco em uma startup para desenvolver uma solução e, se funcionar, trazer para dentro das empresas. Dessa forma, elas não precisam, obrigatoriamente, ter um departamento de P&D [pesquisa e desenvolvimento] para fazer IA”, avaliou Pacheco.

Na opinião de Hamilton Mendes, diretor do departamento de incentivos às tecnologias digitais do MCTI, é preciso mobilizar todos os atores do sistema de ciência, tecnologia e inovação do país – composto pelas universidades, instituições de pesquisa e agências de fomento, entre outros – para potencializar o surgimento de mais startups na área. Para isso, é preciso implementar ações de estímulo ao empreendedorismo e de formação e retenção de talentos, sublinhou.

“É preciso tanto criar ambientes no sistema de pesquisa e desenvolvimento como também fortalecer programas de apoio ao empreendedorismo e a startups inovadoras, que podem ser um caminho para que muitos jovens talentos possam florescer e se desenvolver no país, trazendo ganhos e ampliando a geração de empregos qualificados”, apontou.

Durante o evento, José Luis Gordon, diretor de desenvolvimento produtivo, inovação e comércio exterior do BNDES, anunciou que a diretoria do banco público está discutindo a possibilidade de criar um fundo de investimento voltado para startups na área de IA.

“O BNDES tem uma série de fundos que estão operando e atrás de bons investimentos. Estamos discutindo com a Finep, agora, a criação de um fundo voltado para deeptechs [startups baseadas em ciência e tecnologia] na área de saúde e, internamente, a possibilidade de ter outro voltado para inteligência artificial”, afirmou.

Impactos inevitáveis

De acordo com dados apresentados durante o evento por Tony Martins, presidente da IBM América Latina, estima-se que a inteligência artificial contribua com US$ 16 trilhões para o Produto Interno Bruto (PIB) global até 2030 e que o ganho de produtividade pela adoção da tecnologia poderá ser de, em média, 45%. Em alguns mercados, 80% das empresas já iniciaram experimentos com IA, apontou.

“Nossa expectativa é a de que a inteligência artificial causará impactos maiores e em um tempo menor do que a internet”, comparou.

Os impactos da nova tecnologia, na avaliação do executivo, deverão ocorrer em maior escala em três aspectos. Um deles é a geração de valor, caracterizada pelo surgimento de novos produtos, serviços, modelos de negócio e experiências do usuário. O segundo será na produtividade, com aumento de competitividade e de eficiência. E o terceiro na formação de lideranças e capacidade de gestão de pessoas, elencou Martins.

“Veremos um novo perfil de profissionais, e isso vai exigir um esforço dos mercados, das empresas e dos países em investir em capacitação e qualificação. Esse é um tema absolutamente importante porque umas questões que têm brecado o avanço mais rápido da adoção da inteligência artificial é a qualificação. Hoje ainda há um conhecimento muito raso da tecnologia e das possibilidades de aplicação dela em todos os níveis nas empresas, incluindo o gerencial e até nos boards [conselhos]”, afirmou.

Assim como fez a internet, a inteligência artificial está orquestrando a evolução de uma série de novas tecnologias que vão amadurecer nos próximos anos, como a computação quântica, a robótica, a realidade aumentada, a data analytics, a cibersegurança e a internet das coisas (IoT). Por isso, tem sido chamada de metatecnologia, contou o executivo.

“Hoje, já há uma série de combinações dessas tecnologias com inteligência artificial, que têm gerado valor, competitividade e diferenciação no mercado para as empresas”, afirmou.

Startups premiadas

Durante o evento, foi entregue o Prêmio Fiesp Inteligência Artificial. O objetivo da iniciativa foi reconhecer e premiar os melhores casos de sucesso na aplicação e desenvolvimento de tecnologias e modelos bem-sucedidos de negócio em IA adotados por indústrias e startups, especialmente empregados de forma inovadora e colaborativa entre diferentes Estados, regiões e setores econômicos.

A edição contou com 59 projetos inscritos e seis foram premiados: três na categoria startup e três na categoria indústria. Os três primeiros colocados, anunciados no evento, receberam troféus e o primeiro colocado também ganhou R$ 20 mil.

Na categoria startups, a terceira colocada foi a Altox. Em 2016, com apoio do Programa FAPESP Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), a empresa desenvolveu uma plataforma de IA aplicada à toxicologia de medicamentos, cosméticos e agroquímicos (leia mais em https://pesquisaparainovacao.fapesp.br/1089).

Em parceria com a indústria farmacêutica brasileira Eurofarma, a startup criou o software DegradationPlot, que utiliza IA para prever produtos de degradação em medicamentos, entregando resultados em segundos – um processo que antes levava meses.

Segundo estimativas da empresa, os custos com aquisição de padrões e testes tradicionais de toxicidade podem ser variáveis, totalizando R$ 150 mil a R$ 500 mil para um único processo por composto. Com uma média de 84 projetos por ano, a Altox avaliou, em dez anos, mais de 5 mil compostos, resultando em uma economia para empresas do setor da ordem de R$ 500 milhões a R$ 2,5 bilhões.