
Empresa brasileira desenvolve alternativa sustentável a antibióticos para a pecuária
29 de julho de 2025Roseli Andrion | Pesquisa para Inovação – Em um momento em que a resistência bacteriana às drogas tradicionais emite alertas globais, a startup brasileira Karaja Biosciences tem uma proposta inovadora e, ao mesmo tempo, enraizada em ciência sofisticada: combater infecções bovinas com bacteriófagos (ou fagos). Os bacteriófagos são vírus altamente específicos que atacam apenas uma espécie ou grupo de bactérias, sem afetar células animais ou humanas.
A solução existe na natureza há bilhões de anos e foi escolhida pela empresa para prevenir mastite em rebanhos leiteiros – doença que afeta quase metade das vacas no país e causa enormes prejuízos econômicos. A especificidade característica dos bacteriófagos é uma das principais vantagens deles em relação aos antibióticos, que afetam a microbiota benéfica dos organismos, pois permite um tratamento direcionado sem efeitos colaterais.
Luciano Queiroz, CEO e fundador da Karaja, explica que os bacteriófagos especificamente infectam e matam bactérias, sem infectar outros tipos de célula. “Existem pelo menos dois fagos para cada bactéria no mundo. Tem muito fago para conhecermos ainda: é uma diversidade gigantesca, que representa um universo vasto de possibilidades terapêuticas.”
O pesquisador identificou um bacteriófago altamente eficaz contra a bactéria Staphylococcus aureus, uma das que mais afetam vacas leiteiras. Ele decidiu, então, atuar no desenvolvimento de soluções para transformar o modo como as doenças são tratadas na pecuária. Para isso, começou com o desenvolvimento de um produto para prevenir a mastite em rebanhos, um dos maiores desafios do setor leiteiro.
Segurança alimentar
A mastite é uma inflamação das glândulas mamárias que pode ser causada por mais de 100 tipos diferentes de bactérias. A doença pode se apresentar de forma clínica (com sintomas visíveis) ou subclínica (sem sinais aparentes). Dados do setor apontam que cerca de 10% do rebanho apresenta mastite clínica e 45% desenvolvem a forma subclínica. “É um problema bem complexo porque é causado por diferentes patógenos: em cada lugar vai ter uma causa”, diz Queiroz.
A doença pode ser tanto contagiosa, transmitida entre animais, quanto ambiental, originada do local em que eles vivem. O tratamento tradicional envolve a aplicação de antibióticos diretamente na glândula mamária, o que pode causar dois problemas principais: o leite produzido durante o tratamento não pode ser comercializado por conter resíduos de medicamentos e há o risco de desenvolvimento de bactérias resistentes — a resistência bacteriana a antibióticos é uma grande ameaça à saúde global, uma vez que compromete a segurança alimentar.
Por isso, o bom manejo é fundamental para garantir a prevenção da infecção. Isso inclui cuidados com a limpeza do ambiente, bem como higienização adequada durante a ordenha e manutenção apropriada das instalações. “Mesmo com altos níveis de produção, é possível manter o rebanho saudável com o manejo correto”, afirma.
O primeiro produto da Karaja é um sanitizante ambiental para o espaço em que os animais vivem, especialmente as camas e outras estruturas disponíveis para eles nos estábulos das fazendas leiteiras. No momento, ele está em nível de prontidão tecnológica 4 (Technology Readiness Level 4 – TRL4) e já teve sua eficácia comprovada in vitro. A empresa planeja avançar nos próximos meses, com testes em animais. “Dentro de um ano e meio ou dois anos, devemos estar com esse produto quase pronto para o mercado”, projeta Queiroz.
A Karaja é uma das primeiras empresas no Brasil a apostar nessa biotecnologia para aplicação na pecuária. E o mercado é promissor: há, no Brasil, mais de 230 milhões de cabeças de gado, além de mais de 1 bilhão de aves e milhões de suínos (ambos os setores também podem se beneficiar de soluções similares). “Como o produtor rural já lida com muitos desafios, nossas soluções precisam ser eficazes e fáceis de aplicar. A ideia é tornar a biotecnologia acessível, integrada à rotina do campo.”
Além disso, o produto tem apelo relevante diante do crescente debate sobre o uso indiscriminado de antibióticos na pecuária. A presença de resíduos de medicamentos no leite afeta a saúde do consumidor e pode provocar perdas significativas para o produtor, bem como acelerar o surgimento de bactérias resistentes, o que torna o tratamento de infecções mais difícil em humanos e animais.
Pesquisa e desenvolvimento
Atualmente, a Karaja tem uma biblioteca com mais de 150 bacteriófagos e desenvolve uma plataforma de bioinformática com inteligência artificial para acelerar o processo de identificação dos organismos mais eficazes contra cada bactéria. “Vamos inserir o sequenciamento genômico da bactéria, que vai ser analisado e comparado com os genomas dos nossos fagos para determinar qual pode matá-la”, explica.
Assim, em vez de testar todos os bacteriófagos em laboratório, a empresa pode identificar rapidamente os melhores para combater uma bactéria específica. Isso acelera significativamente o processo de desenvolvimento e reduz custos, além de permitir uma resposta mais rápida às demandas do mercado. O objetivo da startup é se consolidar como referência nacional em biotecnologia de bacteriófagos.
O projeto, apoiado pelo programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, está alinhado ao conceito de “saúde única”, que conecta saúde humana, animal e ambiental. “Quando pensamos na mastite, o antibiótico aplicado via intramamária pode continuar presente por até dez dias, a depender do medicamento utilizado. O leite coletado nesse período precisa ser descartado, porque é preciso evitar ao máximo que haja antibióticos nessa cadeia.”
Isso, além das perdas econômicas dos produtores, contribui para o desenvolvimento de bactérias resistentes que podem afetar a saúde humana. “Vivemos um momento em que os antibióticos têm deixado de funcionar porque as bactérias estão desenvolvendo resistência.” Paralelamente à atuação com gado leiteiro, a empresa já identificou oportunidades nos segmentos de suinocultura e avicultura. “Pensamos muito na nutrição animal e na prevenção de diarreia em animais”, revela Queiroz.
Futuro
Além dos produtos para prevenção, a empresa planeja desenvolver medicamentos para tratamento de infecções e já investe em biologia sintética para criar bacteriófagos geneticamente modificados com maior eficácia. “Podemos sintetizar uma proteína que rompe a parede celular da bactéria. Assim, ela vai ter a mesma atividade, só não vai se multiplicar”, explica o pesquisador.
Queiroz avalia que é possível expandir para outros países, mas reconhece que vai ser necessário adaptar os produtos para cada região. “As bactérias que causam mastite na Argentina ou em algum outro país, por exemplo, são diferentes das que estão aqui no Brasil e é preciso ajustar a solução para as variedades locais”, ressalta.
A startup também explora aplicações em outros setores, como agricultura, cosméticos de tratamento e até embalagens de alimentos. “Queremos fazer ciência de nível internacional: não existe fronteira para o conhecimento quando se tem estrutura e dedicação.”
Queiroz destaca que o investimento em pesquisa e desenvolvimento é constante e que a empresa mantém a mentalidade científica. “Temos de estar atentos porque é um mercado competitivo”, acredita. Para empreender, ele teve de aprender sobre modelos de negócios, regulação e mercado. “Apesar do choque de sair do doutorado e mergulhar no mundo empresarial, a cabeça científica ajuda: sabemos testar, validar, investigar. Isso tudo é essencial para uma startup.”
Notícias
- EDP procura startups com soluções inovadoras para renováveis
- Novelis lança programa de inovação aberta com desafios para captação da sucata de alumínio
- Senai-SP e USP lançam espaço para ampliar projetos de inovação com universidade e indústria
- FAPESP lança nova chamada de propostas para o Programa QuTIa
Agenda
-
12/03/2025 a 11/12/2025
Curso de Aperfeiçoamento em Tecnologia de Plásticos 2025 -
16/07/2025 a 27/08/2025
Como a Tecnologia Pode nos Ajudar a Nos Comunicarmos sobre Temas Sensíveis? -
28/07/2025 a 05/09/2025
Fundamentos de Probabilidade e Estatística para Ciência de Dados -
31/07/2025 a 28/10/2025
Laboratório da Cor e Flexões do Espaço e da Cor
Chamadas
-
FAPESP/Global Alliance for Chronic Diseases: Strengthening Health Systems
Prazo: 30/07 -
FAPESP/BAYLAT – Chamada de Propostas para Workshops 2025
Prazo: 30/07 -
FAPESP-Instituto Butantan para Pesquisadores Internacionais
Prazo: 01/08 -
Propostas de Redes FAPESP de Pesquisa em Tecnologias Quânticas - QuTIa
Prazo: 04/08 -
Programa FAPESP para o Atlântico Sul e Antártica - PROASA
Prazo: 04/08 -
Chamada do Auxílio à Pesquisa Projeto Inicial (Pi)
Prazo: 15/08 (Ciclo 2) -
FAPESP e Ohio State University
Prazo: 25/08 -
Sociedade Japonesa para a Promoção da Ciência e FAPESP 2025
Prazo: 03/09 -
Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE)
Fluxo contínuo -
PIPE-FAPESP Transferência de Conhecimento (PIPE-TC)
Fluxo contínuo