Pesquisadores da USP criam lente que pode revolucionar câmeras de celulares

04 de agosto de 2020

Pesquisadores da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da Universidade de São Paulo (USP) desenvolveram uma película feita de silício que é mil vezes mais fina que um fio de cabelo e poderá funcionar como uma lente fotográfica, semelhante à de câmeras de smartphone.

A tecnologia permite que o usuário veja imagens em até 180 graus, mesmo ângulo proporcionado pelas famosas lentes olho-de-peixe. No meio científico, essa funcionalidade até então era considerada impossível de ser obtida em lentes totalmente planas, como a que foi construída.

Os resultados do trabalho, desenvolvido no âmbito de uma pesquisa de doutorado, realizada com Bolsa da FAPESP, foram descritos em um artigo publicado na revista ACS Photonics.

A nova lente pesa aproximadamente 2 microgramas, possui cerca de 230 nanômetros de espessura e tem uma área de 3,14 milímetros quadrados.

Segundo os pesquisadores, a expectativa é que o material ajude a enfrentar um dos principais desafios no desenvolvimento de dispositivos ópticos: fabricar lentes cada vez mais poderosas, porém com tamanhos cada vez menores.

“O maior benefício da nossa lente é que ela é muito fina, então promete ser mais barata de ser produzida se comparada às convencionais, que são grandes e esféricas. Como se trata de uma superfície plana, é mais fácil colocá-la em um circuito integrado, o que simplifica a parte mecânica do dispositivo”, explica Augusto Martins, doutorando no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica da EESC e autor do estudo.

Além do pequeno tamanho, outra vantagem da película de silício é que poderá atuar sozinha dentro do celular, sem a necessidade de incorporar lentes complementares para obter imagens em alta resolução, como acontece nas câmeras comuns. Isso contribuirá para diminuir ainda mais o porte dos sistemas ópticos e, consequentemente, dos dispositivos móveis, estimam os pesquisadores.

“É a primeira lente do mundo formada por uma única camada capaz de gerar imagens que cubram todo o campo de visão”, afirma Emiliano Martins, um dos orientadores da pesquisa e professor do Departamento de Engenharia Elétrica e de Computação (SEL) da EESC.

Durante a pesquisa, Martins construiu um protótipo de uma câmera com a ajuda de uma impressora 3D para testar a sua lente. Os resultados foram animadores. Imagens em alta resolução foram obtidas na cor verde, que por enquanto é a única na qual a película consegue operar. A ideia, segundo o pesquisador, é que nos próximos meses a lente seja aprimorada para que todas as cores possam ser visualizadas.

Para chegar até a composição da nova lente, os pesquisadores adotaram como ponto de partida as próprias lentes tradicionais e trabalharam com um parâmetro chamado índice de refração, que mede o quanto a velocidade da luz diminui ao incidir sobre uma superfície – quanto maior for esse índice, menor é a velocidade de propagação da luz pelo material.

Em simulações realizadas no computador, eles perceberam que, conforme ampliavam o índice de refração de uma lente esférica convencional e simultaneamente a deixavam mais plana, mais o campo de visão dela se abria e a qualidade da imagem melhorava. Em certo momento, quando ela ficou 100% plana, era preciso que seu índice de refração fosse infinito, o que, na prática, faria com que a luz não se propagasse por ela, algo impossível de acontecer. No entanto, como a película de silício desenvolvida pelos pesquisadores possui princípios físicos diferentes das lentes comuns, ela foi capaz de imitar o comportamento óptico da lente esférica com índice infinito, ou seja, passou a atuar como uma lente impossível.

A lente desenvolvida pela USP é um tipo de metalente, que está inserida no conceito de metassuperfície – conjunto de nanoestruturas que conseguem controlar as propriedades da luz. Descoberta há poucos anos, essa tecnologia pode ser aplicada em uma série de segmentos além da produção de lentes, como em segurança da informação, na fabricação de componentes de informática e no entretenimento. No ano passado, por exemplo, Martins participou do desenvolvimento de uma metassuperfície capaz de gerar hologramas em três dimensões e com mais qualidade.

Ao contrário das lentes comuns, que precisam de uma espessura maior para gerar imagens com nitidez, as metalentes utilizam nanopostes microscópicos inseridos em sua superfície plana capazes de “prender” e focar a luz do ambiente, fazendo com que as imagens sejam projetadas. É como se elas fossem rodovias construídas para não deixar os carros (as luzes) saírem dela.

Em 2016, pesquisadores da Universidade Harvard, dos Estados Unidos, desenvolveram a primeira metalente do mundo capaz de tirar fotos, mas ela tinha uma limitação: seu campo de visão era de apenas 0,5 grau, ângulo que permite enxergar apenas o que está a sua frente.

Agora, além de expandir a operação da metalente para outras cores, os pesquisadores da EESC esperam nas próximas etapas do estudo aumentar a eficiência da película, melhorar ainda mais sua resolução e aplicá-la em sistemas ópticos mais complexos. Por enquanto, ainda não há previsão de quando a tecnologia estará no mercado.