Unicamp e UFSC desenvolvem método automático para apoio ao diagnóstico de aterosclerose

13 de setembro de 2022

* Um algoritmo baseado em inteligência artificial criado por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) conseguiu identificar automaticamente alterações na espessura da subcamada íntima da artéria carótida (parede mais fina do vaso que transporta sangue e oxigênio para o cérebro) a partir de imagens comuns de exames de ultrassonografia. O software para tratamento e análise de imagens usa técnicas inovadoras, baseadas em valores de extinção topológicos e morfologia matemática, para limitar regiões de interesse e ressaltar aspectos desejados.

De acordo com o professor e pesquisador da Faculdade de Ciências Médicas (FCM-Unicamp) Wilson Nadruz Junior, a tecnologia foi capaz de processar as imagens médicas, permitindo que a medição específica da subcamada íntima, normalmente feita por profissionais altamente treinados e em aparelhos de pesquisa, possa ser realizada de forma automática por qualquer ultrassonografista em equipamentos de rotina clínica. “Acreditamos que essa tecnologia possa ter um enorme potencial na prevenção cardiovascular, tratamento precoce e redução de doenças cardiovasculares futuras”, diz o cardiologista, que é pesquisador associado do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC) – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela FAPESP.

Para o coordenador do serviço de ecocardiografia do Hospital de Clínicas da Unicamp, professor José Roberto Matos Souza, o algoritmo baseado em inteligência artificial pode ser a chave para possibilitar diagnósticos mais rápidos e eficientes de casos de aterosclerose. Uma doença silenciosa, caracterizada pelo acúmulo de gordura nas artérias, que dificulta a passagem do sangue e pode levar a infartos, derrames e até morte súbita. Atualmente, a aterosclerose é considerada a segunda maior causa de mortes no mundo, depois da COVID-19, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

“Essa é uma doença de evolução lenta que costuma apresentar sintomas só em estágio avançado, o que pode ocorrer já em situação de emergência. Com novas formas para o diagnóstico precoce poderemos salvar muitas vidas”, diz o cardiologista e docente da Faculdade de Ciências Médicas (FCM Unicamp).

Empecilhos nos exames tradicionais

Atualmente, a detecção da aterosclerose é feita por métodos de imagem invasivos, como o cateterismo, ou indiretos, como a ressonância magnética e a angiotomografia. Normalmente, esses tipos de diagnósticos são mais caros e demorados. O exame de ultrassonografia na região do pescoço, por sua vez, é um método não invasivo usado há mais de três décadas para identificação de placas que elevam o risco de doenças cardiovasculares. Além disso, o exame permite a medida na parede carotídea de uma estrutura conhecida como complexo íntima-média.

O tecido íntimo é a camada mais fina e o médio representa uma parte mais grossa da parede carotídea. A medida verificada atualmente, que é o complexo íntima-média, no entanto, não consegue diferenciar quando as alterações são causadas por aumento da subcamada íntima, que é uma medida mais específica de aterosclerose, ou por aumento da subcamada média, que ocorre pelo crescimento de células musculares e tem menor valor prognóstico. Neste contexto, estudos recentes conduzidos na Unicamp, assim como por grupos de pesquisa no exterior, indicam que as alterações na camada íntima, que tem contato com o sangue, estariam mais associadas a problemas cardiovasculares piores, sendo melhor para predizer o risco de doenças.

Segundo Nadruz Junior, vários grupos já fizeram a separação das camadas que compõem esses importantes vasos do corpo humano de forma manual nas imagens. A segmentação das frações da parede carotídea nos exames de rotina, contudo, dificilmente é visível, mesmo em imagens de alta resolução, pois a estrutura que divide as duas é muito tênue, exigindo equipamentos especializados e o acompanhamento de um especialista treinado.

Por isso, a inteligência artificial pode ser uma opção interessante para detectar anomalias mais discretas e rapidamente direcionar melhor o tratamento para as doenças, como a aterosclerose, em estágio subclínico, quando ainda não há sintomas.

“A intenção não é substituir o trabalho dos especialistas, mas pré-classificar e caracterizar as imagens de maneira confiável, para a posterior avaliação do especialista. Seria um exame feito antes de o paciente chegar ao cardiologista”, explica Nadruz Junior.

Árvore de componentes

A possibilidade de monitoramento automático dessa medida da camada íntima da carótida em exames simples de ultrassonografia do pescoço é o grande diferencial da nova tecnologia. O recurso usa inteligência artificial para processar as imagens coletadas, sem representar grandes impactos na rotina dos laboratórios.

“Esse recurso computacional poderia ser incluído nos equipamentos já existentes e aplicado por qualquer profissional da área”, explica o professor e pesquisador da Faculdade de Tecnologia (FT-Unicamp) Rangel Arthur.

As imagens extraídas de ultrassons são pré-processadas para eliminar ruídos e reduzir a diferença de intensidade que é gerada pela assimetria de iluminação. Na sequência, é aplicado um filtro denominado vertical, usado para destacar regiões de interesse. Por fim, os pesquisadores treinaram o algoritmo para mapear e hierarquizar a superfície da imagem como se fosse a topografia de um terreno, limitando automaticamente as regiões de interesse por meio de valores de extinção topológicos.

Com isso, a imagem em tons de cinza pode ser vista como um relevo, onde a posição do pixel é a localização dele e a intensidade representa a altura. Dessa forma, os pontos mais claros vão se ramificando para os pontos mais escuros. Essa relação entre planaltos, vales ou montanhas desse relevo são úteis para o sistema de visão computacional. A análise dos resultados permite a identificação de padrões e características que podem ser usados como indicadores precoces de doenças e para novos ensaios clínicos.

“Os valores de extinção consistem em escavações suficientes para a remoção total de montes mais elevados e sua aplanação. A partir desta operação, é possível destacar as cordilheiras mais significativas, em termos de área ou volume ocupado, que representam exatamente os padrões das subcamadas carotídeas”, diz o professor e pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Alexandre Gonçalves Silva.

De acordo com Rangel Arthur, as avaliações de alteração na espessura da camada íntima da carótida feitas com o programa de computador foram comparáveis às avaliações de ultrassonografistas bem treinados. “Conseguimos fazer o delineamento da camada íntima da carótida com uma correlação maior do que a encontrada entre os próprios especialistas de seleção e identificar as alterações na espessura da camada íntima com uma acurácia de 85%”, completa.

Transferência de tecnologia

O invento foi protegido pela Agência de Inovação da Unicamp (Inova Unicamp) com depósito de patente no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Atualmente, a tecnologia de segmentação da camada íntima da artéria carótida faz parte do portfólio de tecnologias da Unicamp e está disponível para licenciamento. O contato e a negociação são realizados diretamente com a Inova Unicamp.

Empresas e instituições públicas ou privadas podem licenciar a propriedade intelectual desenvolvida na universidade. Além do acesso a tecnologias de ponta, a transferência de tecnologia reduz riscos associados ao desenvolvimento de novos produtos e processos inovadores e colabora para o desenvolvimento socioeconômico baseado no conhecimento científico.

*Com informações da Assessoria de Comunicação da Inova Unicamp.