Startup monitora proliferação de microrganismos que deixam a água verde
01 de outubro de 2024Roseli Andrion | Pesquisa para Inovação – A coloração esverdeada das águas do rio Pinheiros, em São Paulo, observada nos últimos dias, está relacionada com um fenômeno comum em vários lugares do mundo, causado principalmente pela poluição da água e que deve se tornar mais frequente com as mudanças climáticas: a floração de cianobactérias.
Esses organismos são bastante primitivos e já estavam no ambiente antes mesmo de o ser humano habitar a Terra. “O grande problema são as atividades antrópicas, aquelas realizadas pelo homem, como o lançamento de esgoto in natura e lixiviados com produtos químicos em rios, reservatórios, lagos e lagoas”, explica Kelly Fernandes, sócia-fundadora da startup CyanoChem Soluções Ambientais. “Isso fornece nutrientes para as cianobactérias e elas passam a se desenvolver de forma acelerada, o que causa aumento significativo desses organismos no ambiente.”
Os pesquisadores da greentech piracicabana, apoiada pelo Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, têm se dedicado a monitorar a proliferação de cianobactérias e pretendem coletar a biomassa desses microrganismos para produzir bioinsumos e bioprodutos destinados à indústria química e ao setor agroindustrial, como o desenvolvimento de moléculas, biofertilizantes e bioestimulantes para solos e plantas. O projeto também conta com o apoio dos pesquisadores Ernani Pinto e Marli Fiore, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena/USP).
“Buscamos as causas da ocorrência de florações. Isso envolve o monitoramento da ocorrência e análises de material coletado em campo no laboratório, para identificação de espécies e dos compostos produzidos por esses organismos”, explica Fernandes.
De acordo com a pesquisadora, embora a proliferação de cianobactérias ocorra em várias partes do mundo, em países tropicais, como o Brasil, a maior incidência de luz solar e as temperaturas elevadas criam condições ideais para o crescimento desses microrganismos. A luz é essencial para a fotossíntese das cianobactérias e as altas temperaturas aceleram seu metabolismo.
“No entanto, o maior diferencial é o nível de nutrientes na água — especialmente o nitrogênio e fósforo que contribuem para que essas populações cresçam e se multipliquem. As características climáticas ajudam, mas o cuidado com as águas também influencia muito”, pondera.
A bióloga explica que, conforme se desenvolvem, as cianobactérias se aglomeram sobre a coluna d’água. Embora sejam microrganismos, esses aglomerados que parecem uma “manta verde” se tornam visíveis aos olhos humanos. “Embora pareçam apenas uma cobertura fina, as florações de cianobactérias podem se concentrar entre 10 e 50 centímetros na coluna d'água, comprometendo a entrada de luz no corpo hídrico e a disponibilidade de oxigênio. Isso pode resultar na morte de peixes, por exemplo, e afetar o ecossistema aquático de diversas maneiras.”
"Os investimentos das companhias de tratamento de água na busca por soluções para a proliferação de cianobactérias são significativos, mas as práticas atuais ainda apresentam limitações em sua eficácia. É comum que as companhias recorram ao uso de produtos químicos, como peróxido de hidrogênio, cloreto de polialumínio e algicidas à base de cobre, para a água que contém células de cianobactérias. Contudo, o uso desses químicos pode não ser a solução ideal e não resolve a raiz do problema”, alerta. “É essencial buscar e incentivar o uso de tecnologias mais limpas para lidar com esse problema."
Tendo em vista esse cenário, a CyanoChem passou, então, a desenvolver um dispositivo para coletar essa biomassa em grande escala, retirá-la das águas e aproveitá-la para outro fim.
“Buscamos desenvolver um produto útil para a sociedade, porque nossa preocupação vai muito além da qualidade da água”, afirma. “As populações que vivem no entorno, por exemplo, sofrem com o odor desagradável dessas florações e aqueles que vivem da pesca são diretamente afetados por elas.”
O trabalho da startup envolve uma etapa em campo, para a coleta do material, e outra em laboratório, para o desenvolvimento de bioprodutos a partir das cianobactérias. “A biomassa de cianobactérias é muito rica e é possível extrair uma gama de produtos dela”, explica Fernandes.
Atualmente, a equipe da CyanoChem recolhe a biomassa de cianobactérias de forma parcialmente manual, mas o objetivo é mecanizar e automatizar esse processo. “Nos preocupamos com o aspecto ambiental e pensamos em transformar o material recolhido em biofertilizante, por exemplo. Aquela biomassa tem valor agregado e podemos aproveitá-la.”
Há, ainda, a preocupação com o fato de que a biomassa pode conter cianotoxinas, que podem matar organismos terrestres e aquáticos.
“Não são todas as espécies que produzem toxinas”, explica Fernandes. “Mesmo assim, se elas existirem, é possível neutralizá-las em laboratório e ainda deixar a biomassa adequada para ser usada como matéria-prima para fertilizar o solo, uma vez que esse material é bastante rico em ingredientes ativos. Esse produto estratégico é a nossa porta de entrada no mercado, sabemos que tem procura no mercado nacional. Há, ainda, o potencial de extração de outros insumos com o foco em moléculas de alto valor.”
Pigmento valioso
O processamento da biomassa de cianobactérias produz um resíduo valioso: um pigmento de cor azul intensa conhecido como ficocianina. Ele pode ser utilizado na indústria têxtil para colorir tecidos ou mesmo nas artes visuais.
“Existe crescente conscientização entre os artistas e muitos já não querem usar produtos químicos em suas obras”, conta Fernandes. “Sabíamos da possibilidade de extração desse pigmento da biomassa de cianobactérias, mas ficamos surpresos com o interesse nele. Já temos alguns parceiros que vão começar a usar esse material em obras de arte e uma indústria têxtil que se interessou em utilizar o pigmento natural para colorir seus tecidos.”
A pesquisadora explica que o diferencial da tecnologia da CyanoChem é o fato de transformar a biomassa de cianobactérias em matéria-prima para diferentes aplicações comerciais. “Além de colaborarmos para reduzir um problema ambiental que afeta a sociedade, nossa tecnologia de coleta oferece uma solução sustentável com baixo impacto ambiental e convertemos uma adversidade em recursos com valor econômico. Podemos ser úteis para empresas de tratamento/abastecimento de água, mas atuamos em um contexto muito mais amplo.”
A tecnologia está sendo desenvolvida por uma equipe multidisciplinar altamente qualificada e a expectativa da startup é que esteja pronta para uso em até dois anos.
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