BioDecision desenvolveu metodologia que cruza dados de sequenciamento de RNA e de big data para fornecer a indústrias farmacêuticas alvos moleculares de interesse para o tratamento da doença (imagem: Pixabay)

Startup apoiada pelo PIPE-FAPESP conduz um dos maiores estudos sobre a doença de Huntington

30 de abril de 2024

Guilherme Mariano  |  Pesquisa para Inovação – A ciência de dados vem acelerando processos e diagnósticos em empresas de todos os ramos, incluindo o setor farmacêutico, que em 2022 faturou R$ 131,2 bilhões com a venda de medicamentos no Brasil, segundo dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Uma das startups que têm atuado na intersecção entre essas duas áreas é a BioDecision Analytics. A empresa pretende transformar o conceito de inteligência de dados no mercado farmacêutico (pharma intelligence) em prática diária nos ambientes acadêmico e corporativo.

Por meio de um projeto apoiado pelo Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), pesquisadores da healthtech estão desenvolvendo um modelo analítico-preditivo, baseado no cruzamento de sequenciamento de RNA com variáveis clínico-patológicas de pacientes para identificação de alvos terapêuticos e/ou prognósticos de interesse biofarmacêutico. A metodologia está sendo empregada por pesquisadores da startup na condução de um dos maiores estudo sobre a doença de Huntington. O trabalho conta com o apoio da International Huntington Association (IHA) e da Associação Brasil Huntington (ABH).

“Estudo publicados anteriormente compararam entre 20 e 40 amostras de pacientes com doença de Huntington com pessoas neurologicamente saudáveis (não portadoras da mutação associada à doença)], mais velhos do que os pacientes. No estudo que estamos conduzindo, analisamos mais de 300 amostras, incluindo 146 amostras de pacientes pacientes com Huntington, obtidas de repositórios públicos de dados. Isso representa um dos maiores estudos sobre uma doença rara”, afirma Rodrigo Pinheiro Araldi, sócio-administrador da Biodecision.

Também conhecida como Coreia de Huntington, a doença não tem cura e provoca a degeneração de células nervosas, além de impactar gravemente a coordenação motora e ter potencial hereditário.

A fim de identificar alvos moleculares de interesse biofarmacêutico para o tratamento da doença, os pesquisadores da Biodecision desenvolveram uma tecnologia batizada BDASeq.

“A tecnologia que desenvolvemos permite achar alvos que possam ser utilizados para desenvolver remédios, como também identificar alvos prognósticos que auxiliam a pesquisa clínica a saber o que é necessário mensurar no paciente para demonstrar se um medicamento funciona ou não”, afirma Araldi.

Um dos alvos moleculares identificados pelo novo método é o ADRA-2. Usado para desenvolver antidepressivos e ansiolíticos, esse marcador biológico se mostrou fundamental no tratamento do Huntington. Embora provoque rigidez muscular, o efeito colateral é benéfico para o paciente com a doença, pondera Araldi.

“Quem vive com o Huntington tem comportamento de coreia, que é o movimento repetitivo de balançar o tronco. Ao causar a rigidez, o movimento cessa. Portanto, descobrimos que, além de tratar a depressão, a medicação ajuda a diminuir o movimento coreico”, explica.

O pesquisador ressalta que os resultados da pesquisa passam por um crivo médico e não ficam só dentro do laboratório. “Os dados chegam ao corpo clínico, que sinaliza para o mercado que aquela determinada medicação é importante para que os pacientes tenham acesso e uma sobrevida melhor”, afirma.

“Outro ponto importante é que, com os resultados da nossa pesquisa, podemos atuar diretamente em outras doenças como o Parkinson e o Alzheimer, que são mais comuns”, compara.

Mistura de big data e interpretação biológica

A metodologia desenvolvida pelos pesquisadores da BioDecision mistura big data com interpretação biológica. Primeiro, os pesquisadores coletam dados já sequenciados por consórcios, equipes de pesquisa fora do país que publicam em plataformas de acesso público e instituições como os Institutos Nacionais da Saúde (NIH, na sigla em inglês), dos Estados Unidos. “Depois a gente usa técnicas de estatística e ferramentas de bioinformática para extrair a informação em nível transcriptômico [dentro do sequenciamento do RNA]”, explica João Rafael Dias Pinto, cofundador da startup.

“A partir dessa etapa, temos a oportunidade de aplicar algoritmos de inteligência artificial que conseguem nos dar respostas interessantes sobre como entender genes relacionados à expectativa de vida e à neurodegeneração”, detalha.

Ao final da análise computacional é empregada a interpretação biológica. Há ainda o uso de técnicas de machine learning para avaliar dados extremamente complexos, com dezenas de milhares de variáveis. Quem geralmente faz a gestão dessa etapa é o estatístico Benedito Faustinoni Neto, um dos responsáveis pelo desenvolvimento do BDASeq.

A startup quer seguir prospectando clientes e ganhar relevância no mercado, mas sem perder o crescimento de vista. Araldi enxerga na escalabilidade a saída para a expansão. “A proposta é transformar a BDAseq em uma plataforma web service”, afirma.

O ineditismo da metodologia vem rendendo frutos. Em abril, os pesquisadores da empresa foram à Suíça para participar da Swiss Biotech Day, em missão promovida pelo Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) e a Rede Brasileira de Inovação Farmacêutica. Em maio irão apresentar a tecnologia no Mena Rare Disease, nos Emirados Árabes Unidos, evento que reúne cientistas, associações de doenças raras, além dos próprios pacientes.

Gargalos do mercado

A Biodecision enfrenta outros gargalos do mercado farmacêutico: o tempo e dinheiro investidos na pesquisa para o desenvolvimento de medicações. A startup pretende, com o conhecimento adquirido durante a pesquisa em torno do Huntington, ajudar o mercado a diminuir esses dois vetores.

Segundo dados do setor, o custo médio para colocar um fármaco no mercado gira em torno de US$ 1,2 bilhão. Em paralelo, estima-se que, dentre 5 mil e 10 mil novas moléculas estudadas, apenas uma consegue passar por todos os crivos e obter o registro de um órgão regulador.

Na avaliação de Araldi é possível melhorar esse cenário com o conceito de pharma intelligence.

“Estamos trabalhando em parceria com a Service Information e com a Google para transformar tudo isso em realidade”, afirma.

(imagem de Gerd Altmann em Pixabay)