Pequenas e médias indústrias paulistas têm baixa interação em pesquisa com universidades

15 de outubro de 2024

Elton Alisson | Agência FAPESP – Apesar de as indústrias no Estado de São Paulo terem aumentado os esforços para inovar nos últimos anos, a interação delas com as principais entidades que podem contribuir nesse processo – as universidades e instituições de ciência e tecnologia (ICTs) – ainda é muito inferior ao desejado. A maior parte das pequenas e médias indústrias paulistas, por exemplo, não sabe identificar potenciais parceiros acadêmicos para realizar pesquisa e desenvolvimento (P&D).

As constatações foram feitas por meio de uma pesquisa com 300 indústrias paulistas – das quais 5% são grandes e 95% pequenas e médias empresas –, feita pelo Departamento de Competitividade e Tecnologia (Decomtec) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Os principais resultados do estudo foram apresentados durante um seminário sobre os desafios e oportunidades para parcerias entre empresas e universidades realizado pela instituição no dia 26 de setembro, com a participação de representantes do governo, de agências de inovação de universidades e do setor produtivo.

“A baixa intensidade e a falta de conhecimento sobre o potencial de interação das empresas com universidades e ICTs, somadas à burocracia e à falta de cultura de inovação criam um ambiente onde a inovação é frequentemente atrapalhada. Precisamos fortalecer os laços entre o setor produtivo e a universidade”, disse Antônio Carlos Teixeira Álvarez, diretor titular do Decomtec.

Questionadas se têm algum tipo de interação ou de colaboração com universidades e institutos de pesquisa, 79% das empresas participantes da pesquisa – majoritariamente as pequenas e médias – responderam que não. Entre as razões que apontaram para isso estão o desconhecimento de como a universidade e as instituições de pesquisa podem contribuir em seus processos de pesquisa, desenvolvimento e inovação.

Já as que afirmaram que se relacionam com universidades e ICTs – em sua maioria grandes empresas – apontaram que a principal forma de interação foi a utilização da estrutura laboratorial dessas instituições, seguida pela pesquisa em conjunto, a contratação de consultoria de pesquisadores e a encomenda de pesquisa.

Os principais resultados da parceria foram a inovação incremental e o desenvolvimento de novos produtos e serviços, responderam as empresas que já adotam essa prática.

“Em média, 90,5% das empresas disseram que os objetivos da colaboração foram alcançados ou estão em vias de serem atingidos. Só 9,5% responderam que não obtiveram êxito por causa de divergências entre o conhecimento gerado pelas universidades e as necessidades da empresa. Isso representa uma dificuldade na comunicação que precisa ser melhorada”, avaliou Álvarez.

Desafios na interação

Entre os motivos que não levaram ao êxito da parceria, apurados no estudo, estão a divergência entre o conhecimento das universidades ou institutos de pesquisa e as necessidades da empresa.

Outro desafio na interação entre empresas e universidades e ICTS é o alinhamento de expectativas, apontou Laurindo Leal, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e que atuou como diretor científico do Instituto Tecnológico Vale (ITV).

“Enquanto o pesquisador está no mundo das ideias, a empresa está no plano da realidade, de gerar empregos, pagar as contas e remunerar os acionistas. Por isso, se a empresa vai colocar dinheiro na universidade, ela tem que estar junto dos pesquisadores para corrigir os rumos [da pesquisa em conjunto] de modo que atenda às necessidades dela”, disse o pesquisador.

Um segundo desafio a ser superado nessa reação é o tempo dos trâmites internos. Enquanto as empresas trabalham com ciclos orçamentários e planejamento estratégico, as universidades e ICTs precisam lidar com trâmites burocráticos, comparou Leal. “O senso de urgência muitas vezes precisa ser continuamente cultivado, principalmente no serviço público”, avaliou.

Também é preciso ter clareza de quais são os objetivos almejados na parceria e que as empresas, universidades e ICTs tenham uma agenda de pesquisa comum, apontou Juliana Silveira Araújo, gerente-geral de recursos humanos da Toyota do Brasil.

A empresa participa de um projeto de pesquisa, resultado de uma parceria do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI) – um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) constituído pela FAPESP e a Shell na Poli-USP – com o objetivo de viabilizar o uso de hidrogênio obtido a partir do etanol como combustível no Brasil (leia mais em https://agencia.fapesp.br/42107 .

Para testar a performance do hidrogênio, a Toyota cedeu ao projeto o "Mirai" – primeiro veículo a hidrogênio do mundo comercializado em larga escala, cujas baterias são carregadas a partir da reação química entre hidrogênio e oxigênio na célula a combustível (fuel cell eletric vehicle).

“[A parceria] é uma forma de fazermos teste de performance desse veículo, que é essencialmente elétrico, mas que também tem a tecnologia de célula a combustível e que está sendo produzido aqui no Brasil”, disse Araújo.

Doutores nas indústrias

Na avaliação de Renato Lopes, diretor-executivo da Agência de Inovação da Universidade Estadual de Campinas (Inova Unicamp), a contratação de doutores pelas indústrias ainda é muito baixa e isso contribui para dificultar a interação entre esses dois elos da cadeia de PD&I.

“Tem poucas pessoas dentro das indústrias que são capazes de entender o que o outro lado pode oferecer e isso dificulta muito a conversa”, afirmou.

A contratação de doutores pelas indústrias pode ajudar a contribuir para aumentar a atratividade da pós-graduação no Brasil, que tem diminuído nos últimos anos, apontou Ricardo Figueiredo, diretor regional do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) de São Paulo.

“Só na última década foram formados 59 mil mestres e 19 mil doutores no Brasil. Mas, na contramão desse esforço das universidades, tivemos uma redução exponencial de bolsas de estudos e, talvez agora em 2024, consigamos retomar o patamar de 2014”, disse.

“Programas como o Inova Talentos [que oferece bolsas de pesquisa em indústrias para estudantes do ensino técnico, graduação e pós-graduação] podem contribuir para trazermos toda a competência produzida pela academia brasileira e conectá-la com a indústria por meio de programas de inovação”, avaliou.

Durante o evento, o especialista anunciou que o Senai São Paulo está construindo um distrito tecnológico em São Bernardo do Campo, na região do ABC paulista, onde serão concentradas as iniciativas de PD&I da instituição.

“Esse distrito contará com, aproximadamente, R$ 1,5 bilhão em equipamentos de última geração, cerca de 500 pesquisadores em uma primeira fase e até mil em um ano”, afirmou.