Inovação criada por healthtech que contou com apoio do PIPE-FAPESP apresentou menor erro de estimativa entre todos os métodos não invasivos já disponíveis no mundo (imagem: divulgação/brain4care)

Tecnologia brasileira mede com maior precisão e de modo não invasivo valor da pressão intracraniana

25 de fevereiro de 2025

Roseli Andrion  |  Pesquisa para Inovação - Uma tecnologia desenvolvida pela empresa brasileira brain4care revelou ser capaz de medir com maior precisão do que os métodos não invasivos já existentes valores absolutos de pressão intracraniana. A constatação foi feita por meio de um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo, University of Cambridge, do Reino Unido, Emory University, dos Estados Unidos, e da própria empresa, publicado na revista npj Digital Medicine.

“O trabalho abrangeu o maior número de pacientes e revelou que a tecnologia que desenvolvemos apresentou o menor erro na estimativa de valor da pressão intracraniana entre todos os métodos não invasivos já disponíveis no mundo”, disse ao Pesquisa para Inovação Gustavo Frigieri, diretor científico da brain4care e um dos autores do estudo.

A tecnologia criada pela empresa brasileira, com apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, consiste em um sensor, afixado na cabeça do paciente, que registra as expansões nanométricas da caixa craniana em cada ciclo cardíaco e gera, em tempo real, uma onda indicativa das variações no volume e na pressão intracraniana. Os dados obtidos são processados por uma plataforma com inteligência artificial, que emite relatórios que auxiliam os médicos na tomada de decisão.

De acordo com Frigieri, o diferencial da solução elaborada pela brain4care é a forma como ela analisa a PIC, que tem três componentes básicos: o valor numérico, a tendência (subindo ou descendo) e a morfologia do pulso. Em vez de se concentrar no valor numérico dela, como os métodos tradicionais, ela avalia a morfologia do pulso — ou seja, o modo como ela se comporta ao longo do tempo. Essa abordagem permite identificar alterações antes de elas se manifestarem nos valores numéricos da pressão.

“Esse entendimento está consolidado em todo o mundo”, afirma Frigieri. “A PIC invasiva é reativa e o brain4care é proativo, já que permite agir antes. Mesmo assim, os médicos estão acostumados com o número, que chega de forma tardia, o que faz que eles só ajam depois que há alterações no paciente. Nossa tecnologia já oferece a morfologia e a tendência da PIC e caminha para mostrar o número absoluto.”

No decorrer do desenvolvimento do sistema, os pesquisadores da empresa também transformaram o pulso da PIC em números. “Mostramos ao médico a situação do paciente para que ele decida a conduta a seguir. Nos artigos que publicamos, demonstramos que o pulso é muito importante e que apresenta o mesmo que a medição invasiva da PIC, mas de forma não invasiva. Assim, o médico observa se o paciente está piorando ou melhorando a partir da tendência.”

Com o sistema, os médicos podem identificar alterações neurológicas precocemente e realizar intervenções mais rápidas e precisas — o que pode fazer a diferença entre a vida e a morte em casos críticos. “Quanto mais tempo um paciente neurocrítico fica sem cuidado adequado, maiores os riscos de sequelas”, ressalta. “Eu entrego o sensor, treino o profissional para que ele possa tomar as decisões de tratamento e obter o melhor desfecho.”

Eficácia comprovada

A eficácia do método da brain4care foi comprovada em mais de cem artigos científicos publicados. Para o novo estudo, foram recrutados pacientes do Brasil, dos Estados Unidos e da Europa. “Aceleramos o processo de coleta dessas informações e, hoje, temos um banco de dados bem interessante de pacientes com PIC invasiva e PIC não invasiva. Com um modelo de aprendizado de máquina, conseguimos estimar o valor da PIC nesses pacientes”, detalha. “Conseguimos chegar a um erro de 3 milímetros de mercúrio [meio pelo qual a PIC geralmente é medida] com mais de cem pacientes. Muitos pesquisadores buscam métodos não invasivos de medir a PIC, mas as técnicas utilizadas apresentam erro muito grande, o que torna o sistema não ideal para utilidade clínica.”

Depois de provar, em laboratório, que é possível fazer a estimativa, Frigieri continua a trabalhar para obter provas robustas. “Atualmente, já tenho 168 pacientes no banco de dados e já reduzi o erro para 2,6 mm de mercúrio.” O objetivo é consolidar o modelo ainda neste ano para demonstrar na prática que, além da morfologia e da tendência, o brain4care pode apresentar o número buscado pelos médicos. “Já mostramos que é possível obter a PIC a partir da morfologia de forma totalmente não invasiva. O próximo passo é tornar isso real para o mercado.”

Para Frigieri, todo paciente que faz uma neurocirurgia com risco de sangramento pode se beneficiar do método. Isso porque, quando ele está na UTI, sedado e ventilado, não é possível ver seus sintomas e, muitas vezes, o médico atua quase às cegas: faz uma tomografia após a cirurgia e a repete depois de 24 horas, por exemplo. “Nesses casos, é possível usar o brain4care a cada duas horas e, se houver piora, adicionar a tomografia para ver o que aconteceu com mais detalhes.”

Essa versatilidade é uma das vantagens do dispositivo. Ele pode ser usado em ambientes além da Unidade de Terapia Intensiva (UTI), como clínicas médicas, ambulatórios e prontos-socorros. Assim, permite ampliar significativamente o acesso ao monitoramento da PIC. A agilidade no diagnóstico e no tratamento é crucial em casos de trauma craniano, onde cada minuto conta para a preservação das funções cerebrais.

Segundo ele, o uso do brain4care é simples e não requer treinamento complexo. “O uso pode ser adaptado ao cenário. Quando é necessário apenas o rastreamento, para saber se o paciente tem hipertensão intracraniana, por exemplo, 5 a 10 minutos de uso podem ser suficientes”, descreve Frigieri. “Já um paciente mais instável pode ficar com o dispositivo por uma ou duas horas para observação mais prolongada.”

Equipamento portátil

De acordo com o pesquisador, no método invasivo de monitoramento da PIC, é necessário levar o paciente ao centro cirúrgico para colocar o dispositivo. O brain4care, por sua vez, pode ser levado para onde for necessário. “Eu sempre digo que não vamos substituir a PIC invasiva, mas vamos poder determinar quem realmente precisa dela. Queremos garantir que a maioria dos pacientes seja tratada antes de se tornarem críticos, mas que, aqueles que precisarem desse tipo de intervenção, possam recebê-la com segurança. Paralelamente, isso vai ajudar a otimizar o uso de recursos.”

Atualmente, o brain4care está presente em mais de 85 instituições no Brasil, de hospitais de ponta em São Paulo a pequenas Santas Casas do interior. Essa ampla distribuição demonstra a adaptabilidade do sistema a diferentes contextos e necessidades. Paralelamente, a empresa faz sua expansão internacional, com operação nos Estados Unidos desde 2018 e comercialização formal desde outubro do ano passado. “Fizemos o caminho inverso do usual: exportamos tecnologia médica para o mundo. Temos uma empresa nos Estados Unidos que é filial e distribuidora, mas toda a inteligência e produção são brasileiras”, orgulha-se Frigieri.

A tecnologia já foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no Brasil, e pela Food and Drug Administration (FDA) – agência regulatória de alimentos e fármacos dos Estados Unidos. Além disso, já possibilitou a realização de 128 pesquisas científicas (algumas já concluídas e outras ainda em andamento). Por ser não invasivo, o método permite estudos que eram inviáveis com as técnicas tradicionais — o que contribui para o avanço do conhecimento em diversas áreas da medicina. Essa característica tem atraído pesquisadores de diferentes especialidades, que usam os dados obtidos pelo brain4care em outras investigações científicas. “Anteriormente, essas informações não estavam disponíveis para uso científico. A chegada do brain4care abriu oportunidades para o desenvolvimento de conhecimento.”

O artigo "Machine learning approach for noninvasive intracranial pressure estimation using pulsatile cranial expansion waveforms" pode ser lido em: https://www.nature.com/articles/s41746-025-01463-y.