Tecnologia reduz aditivos e melhora a qualidade do trigo nacional
04 de maio de 2021Os alimentos sem aditivos estão cada vez mais presentes na mesa do brasileiro. Atentos a esse cenário, pesquisadores da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), ligado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, desenvolveram um equipamento processador multifuncional que usa micro-ondas para a aplicação em diversas tecnologias da indústria agroalimentar.
O equipamento em escala-piloto possibilitou, por exemplo, a diminuição e até a eliminação do uso de aditivos em farinhas de trigo. O sistema de micro-ondas permitiu modular a qualidade de amidos e proteínas; e modificar características como elasticidade, extensibilidade e viscosidade de massas na produção de bolos e biscoitos. Dessa forma, tornou a matéria-prima adequada para diferentes aplicações industriais, mantendo e até melhorando a qualidade final do produto sem o uso de coadjuvantes e aditivos.
Os alimentos clean label, termo em inglês que significa rótulo limpo, são uma tendência no Brasil e no mundo. “O consumo de pães, bolos e biscoitos aumentou muito, consequentemente o de aditivos também. Em cada 100 gramas de pão, por exemplo, podemos ter até 1% de aditivos”, explica à Agência de Inovação da Unicamp Maria Teresa Pedrosa Silva Clerici, docente da FEA e uma das inventoras da patente. “Com esse micro-ondas temos a vantagem de reprodutibilidade da tecnologia para grandes escalas industriais”, complementa.
Versatilidade e diminuição de perdas
O processo de tratamento térmico com o equipamento de micro-ondas é considerado importante para a indústria de transformação por conseguir alterar, controlar e padronizar a qualidade tecnológica de farinhas sem precisar mexer na outra ponta dessa cadeia: o plantio do grão.
Os brasileiros consomem, em média, 40,62 quilos de trigo por ano, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo). “Hoje o país não é autossuficiente na produção de trigo. O que vem do exterior já chega com tratamento prévio. O trigo nacional com certeza se beneficiaria dessa tecnologia a partir de um controle melhor em manutenção de qualidade”, conta Flávio Martins Montenegro, pesquisador e inventor da tecnologia.
O sistema processador por micro-ondas permite o trabalho para beneficiamentos contínuos, que não necessitam de modificação de processos, ou de forma descontínua por bateladas com pequenos e fáceis ajustes operacionais. A invenção pode ainda ser aplicada a outros alimentos em estado líquido, sólido, em pó ou em suspensão.
Na pós-colheita, o tratamento térmico ajuda a controlar a umidade, o que permite armazenar grãos por longos períodos e inibe processos germinativos que baixam a qualidade de cereais, grãos e farinhas. O equipamento evita ainda outro problema, como a absorção de odores indesejáveis de fumaça com secadores movidos a lenha.
O calor gerado pelas micro-ondas também consegue inativar enzimas que aceleram o processo de perda de qualidade de produtos, aumentando o tempo de vida de prateleira de alimentos processados. Bem como elimina ovos de parasitas, como, por exemplo, carunchos, geradores de grandes perdas da indústria alimentícia.
Micro-ondas em formato multifuncional
O forno de micro-ondas foi inventado em 1947. No Brasil, se popularizou na década de 90. Dez anos depois, o número de aparelhos nos lares brasileiros já ultrapassava 8 milhões, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na mesma época, o engenheiro e professor aposentado da Unicamp Antonio Marsaioli Júnior construía o primeiro protótipo e precursor do atual equipamento processador.
O sistema de aplicação de micro-ondas, patenteado com o apoio da Inova Unicamp, tem 175 litros, cinco vezes maior do que o tamanho médio de uma versão doméstica, e pode ser projetado para frequências diferentes se for preciso aumento de escala. O que também favorece esse aplicador é a geometria interna, pensada para otimizar a distribuição de calor.
O equipamento construído com fomento da FAPESP apresenta uma cavidade com formato de um prisma hexagonal. Isso permite uma distribuição mais homogênea do campo elétrico das micro-ondas, o que resulta em um aquecimento do produto mais uniforme, eliminando a necessidade de um prato giratório central.
O sistema ainda é equipado com instrumentos para monitorar e adquirir parâmetros do processo, como pressão da cavidade, temperatura e peso do material tratado, potência transmitida e refletida, que permitem reproduzir e compreender o nível de modificação das características físicas e químicas do alimento tratado.
“Você pode trabalhar junto com as micro-ondas com injeção de ar quente ou vácuo e com formação de leitos fluidizados, para dar maior sinergia e obter melhores resultados. A beleza do equipamento é essa multifuncionalidade, que para um laboratório de pesquisa ou uma indústria é riquíssima”, explica Michele Nehemy Berteli, pesquisadora do Ital e também inventora do sistema.
A patente está disponível para o licenciamento de empresas interessadas em trabalhar diretamente com a tecnologia ou no desenvolvimento de novas aplicações. Quem está à frente das negociações é a Agência de Inovação da Unicamp. Uma linha de pesquisa possível está na adaptação do glúten para pessoas com restrição alimentar. Estudos internacionais indicam que o tratamento de farinhas com micro-ondas pode alterar e tornar a proteína do trigo funcional para esse público.
* Com informações da Agência de Inovação da Unicamp.
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