Startup desenvolve teste para rastreamento de câncer do colo do útero
07 de dezembro de 2023Roseli Andrion | Pesquisa para Inovação — O câncer do colo do útero no Brasil é o terceiro tumor mais frequente entre mulheres no país em regiões com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) baixo, segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca). Seria possível reduzir essa incidência se as mulheres em idade de rastreamento no país tivessem acesso a uma avaliação das células dessa região de forma periódica.
A Ziel Biosciences, startup apoiada pelo programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, desenvolveu um autocoletor de amostras do colo do útero e um teste rápido que examina o material obtido instantaneamente — à semelhança de testes rápidos para gravidez, por exemplo.
Se o resultado for negativo, a mulher deve repeti-lo um ano depois. Se positivo, ela deve entrar em contato com um profissional especializado. “A ideia é que o teste faça uma triagem”, explica Caroline Brunetto de Farias, CEO da Ziel Biosciences. “Isso garante o empoderamento em saúde da mulher: se ela tiver um resultado positivo, ela já tem uma lesão e deve procurar um médico rapidamente.”
Farias conta que, no projeto apoiado pela FAPESP, o objetivo era descobrir se um biomarcador específico apontava indiretamente a existência do vírus HPV para, no futuro, criar um teste rápido para indicar a infecção por esse agente. “Para nossa surpresa, descobrimos que ele não detecta se a mulher tem HPV. Na verdade, ele identifica se a paciente já tem uma lesão.”
Um biomarcador é um indicador das diferenças entre células doentes e saudáveis. Isso permite tornar os tratamentos mais personalizados para cada caso a partir de terapias-alvo. “Eles ajudam a estabelecer uma oncologia de precisão a partir do desenvolvimento de opções específicas e menos tóxicas para cada paciente.”
Segundo Farias, foi fundamental entender o que esse biomarcador identificava para dar sequência ao projeto. “A descoberta foi muito importante porque é algo bem específico.” A equipe notou que células do colo do útero sem câncer não têm o sinal, mas as cancerígenas, sim. E o teste rápido aponta um resultado de lesão, mas não de contaminação por HPV.
É certo que a infecção por esse vírus pode levar ao câncer do colo do útero, mas nem todas as mulheres que o têm desenvolvem câncer. “O problema é quando o microrganismo persiste porque o organismo não consegue expulsá-lo. É um vírus bastante silencioso que em dois, três, quatro, cinco anos vai causar lesão.”
Teste inédito
O conceito de autocoletor não é inédito, mas a solução da startup — que agrega o teste rápido — é a única que faz a citologia líquida instantaneamente. “Não existe nenhum teste rápido para câncer do colo do útero no mundo. Nossa patente é justamente para isso. E queremos levar tanto para o Brasil quanto para outros lugares do mundo onde a realidade é muito parecida com a nossa.”
Farias conta que, atualmente, a startup tem parcerias com prefeituras para que um agente de saúde vá até as casas de mulheres e entregue o autocoletor. “É para aquelas pacientes que não vão à Unidade Básica de Saúde (UBS). Para aquelas que moram na zona rural, são ribeirinhas, não têm dinheiro para o transporte, ou se sentem constrangidas por não se identificar como mulheres ou por qualquer outro motivo. Elas podem levar o resultado já pronto ao médico para que ele saiba que protocolo adotar.”
A equipe ainda não sabe quanto o produto vai custar quando chegar às farmácias. “Depois da pandemia, tudo mudou muito. O coletor, por exemplo, que custava em torno de R$ 18 para ser produzido, hoje tem custo aproximado de R$ 40”, conta. “A gente imagina que o teste completo chegue em torno de R$ 50 ou R$ 60.” E, com aumento de demanda, é possível reduzir esses custos.
Além disso, o kit pode estar disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) — basta lembrar que a prevenção de uma doença é bem mais eficiente e econômica do que seu tratamento. “A ideia é que a mulher tenha conforto para fazer essa análise sem ter de falar com alguém se estiver constrangida. Queremos que seja acessível para quem usa o SUS, seja em farmácias, seja em UBS.”
Grande alcance
Em um contexto de saúde pública, esse tipo de solução ajuda a levar mais mulheres a fazer o rastreamento. “Com isso, pode-se, inclusive, otimizar o uso de recursos do SUS. Algumas mulheres vão todo ano na UBS, mas poderiam ir a cada dois anos, por exemplo”, comenta. “O teste rápido ajuda a atender quem precisa ser atendida mais rapidamente e, assim, reduzir a taxa de incidência de câncer do colo do útero no país.”
Farias conta que, hoje, 40 milhões de mulheres deveriam fazer esse rastreamento no Brasil pelo SUS (quando se incluem as pacientes que recorrem à rede privada, o total é de 60 milhões de mulheres). “Em 2021, o último ano para o qual se tem dados, 15% das mulheres fizeram o exame”, diz. “E esse é um câncer 100% evitável. Não faz sentido ser o terceiro mais comum. Tem algo nessa jornada que não está sendo feito.”
Doutora em biologia celular e molecular, Farias escolheu essa área porque queria descobrir a cura para o câncer. “Eu acho que fui muito sonhadora, porque é uma tarefa muito difícil. Por outro lado, enquanto um médico atende a um paciente por vez, alguém que desenvolve um medicamento ou um teste de diagnóstico pode chegar a toda a coletividade.”
Atualmente, além de atuar na Ziel Biosciences, ela é professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Uma das disciplinas que ministro na pós-graduação é a de empreendedorismo científico. Quero que os alunos pensem em como transformar uma dissertação de mestrado ou uma tese de doutorado em um produto ou um serviço que possa beneficiar a sociedade.”
Além do autocoletor e do teste rápido, a Ziel Biosciences já desenvolve um aplicativo para complementar a solução. “A mulher vai tirar uma foto do teste rápido, para que o aplicativo interprete o resultado quando a marca estiver muito fraca, por exemplo. Então, o próprio aplicativo vai indicar se ela deve ir ao médico rapidamente ou se deve repetir o teste depois de um ano.”
Vale destacar, ainda, que o mesmo conceito pode ser aplicado a outros diagnósticos em que o paciente possa fazer a coleta de células sozinho — em amostras de sangue, saliva ou urina, por exemplo. “Dependendo do tipo de tumor, se a gente desenvolver um novo autocoletor, podemos criar outros testes rápidos, sempre com o objetivo de garantir esse empoderamento em saúde.”
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