Pesquisadores da USP reduzem ruído gerado por aeronaves
30 de março de 2021* Com alterações aparentemente simples na estrutura de aviões gigantes, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos (SP), conseguiram reduzir, aproximadamente, 20% o ruído emitido pelas aeronaves, possibilitando a produção de aviões que estão entre os mais silenciosos do mundo. É a solução de um problema que atinge todo o setor da aviação.
Cientistas do Departamento de Engenharia Aeronáutica (SAA) da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) sugeriram modificações na geometria da asa de um jato similar ao E195-E2, o maior já desenvolvido pela Embraer no Brasil, que permitiram à aeronave passar pelos testes aeroacústicos com 10 decibéis abaixo do limite permitido. As mudanças podem ser implementadas tanto em aviões que já estão em operação como em projetos de novas aeronaves que serão fabricadas. Os resultados obtidos no trabalho geraram três patentes internacionais.
As alterações foram propostas na parte frontal da asa, nos chamados slates – abas móveis que ajudam a sustentar o avião –, e na região traseira, na ponta dos flaps, que também auxiliam na sustentação da aeronave, principalmente nas etapas de decolagem e aterrissagem.
“Nos ensaios, propusemos alterações no modelo da asa original para que, no momento em que o flap é acionado, uma espécie de borda fique exposta, resultando na redução de seis decibéis do ruído gerado. Também foram propostas modificações na geometria dos slates, reduzindo ainda mais o ruído emitido”, explica Fernando Catalano, professor da EESC e coordenador do estudo.
As soluções são baratas, de fácil aplicação e ainda deixam o nível de som externo bem abaixo dos futuros limites planejados pela Organização da Aviação Civil Internacional (OACI). As novidades são fruto do projeto “Aeronave Silenciosa”, o terceiro maior programa de estudos em aeroacústica do mundo, realizado com apoio da FAPESP e em parceria com a Embraer. Recentemente, a empresa entregou o primeiro E195-E2 para a companhia aérea KLM, da Holanda, que é líder global em sustentabilidade no setor.
Para comprovar a redução de ruídos, os pesquisadores da USP fizeram uma série de testes no Túnel de Vento do Laboratório de Aerodinâmica da EESC e na pista de pouso da Embraer, em Gavião Peixoto. O túnel conta com ventiladores que produzem ventos de até 180 quilômetros por hora (km/h) e microfones ultrassensíveis que apontam qual a origem do barulho.
“Colocamos as peças dos aviões na câmara de ensaio e fizemos várias alterações até encontrarmos a geometria ideal para as asas”, explica Catalano. Outros testes ainda foram realizados por alunos da USP e técnicos da Embraer na agência espacial norte-americana, a Nasa, que também trabalha para diminuir o ruído dos veículos aéreos. Além disso, ensaios em túneis de vento de grande porte na Holanda e Alemanha foram realizados para a consolidação das propostas.
Apesar de as aeronaves terem se tornado mais silenciosas com o passar dos anos em todo o mundo, milhões de pessoas que moram ao redor de aeroportos ainda sofrem com o barulho provocado pelos aviões. No Brasil, os principais atingidos são os vizinhos do aeroporto de Congonhas, na capital paulista. De acordo com a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o ruído aeronáutico excessivo pode causar efeitos adversos sobre a população. O ruído intenso é capaz de provocar problemas de saúde, como o aumento dos batimentos cardíacos e pressão sanguínea, desencadeando complicações cardiovasculares.
A perturbação do sono também é outro agravante, que pode aumentar as chances do aparecimento de distúrbios de saúde mental, como depressão e ansiedade. Até mesmo o desenvolvimento cognitivo de crianças pode ser comprometido.
O professor Fernando Catalano explica que as principais fontes de ruído, causado pelo atrito da aeronave com o ar, são as asas e o trem de pouso, já que com o avanço da tecnologia os motores se tornaram mais silenciosos. “Os ruídos provocados pela estrutura da aeronave ficaram em evidência. Durante o voo, o ruído é mais emitido no momento da decolagem e do pouso. É aquele barulho que a gente ouve quando o avião está se aproximando, principalmente no momento da descida”, descreve.
A Anac defende um equilíbrio cuidadoso entre a proteção dos moradores e o reconhecimento das contribuições econômicas e sociais da aviação, mas afirma que as áreas mais afetadas pelo som não deveriam ser ocupadas por residências, escolas e hospitais.
Para poder voar, as aeronaves precisam atender a diversos critérios de segurança, dentre eles, a emissão de ruídos também é avaliada. “O avião passa em cima de pequenos e potentes microfones que medem a quantidade de ruído emitido em decibéis”, esclarece o docente da EESC, que representa o Brasil em uma comissão de especialistas internacionais que produzem novas tecnologias para o setor de aviação.
Ao redor dos aeroportos existe uma área de controle de intensidade do som. Nesse perímetro, as empresas responsáveis por aeronaves que ultrapassam o limite permitido de 60 decibéis podem ser penalizadas.
Com o passar dos anos, essa regulamentação foi ficando cada vez mais rígida e diminuindo o nível de ruído permitido. No entanto, segundo Catalano, ainda falta fiscalização no Brasil. Na Europa e Estados Unidos, principalmente, existem legislações bastante severas. Dessa forma, a Embraer tem investido, por exemplo, em ciência e tecnologia para diminuir o ruído de seus aviões, além de aplicar recursos na capacitação de profissionais.
* Com informações da Assessoria de Comunicação da EESC
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