A partir de resinas de silicone comerciais baratas, carbonatos de cálcio e de sódio e fosfato de sódio, os pesquisadores conseguiram produzir composições semelhantes às do biosilicato (foto: CeRTEV)

Material bioativo é produzido por impressão 3D

25 de junho de 2019

Elton Alisson, de São Carlos  |  Pesquisa para Inovação – Uma técnica desenvolvida por pesquisadores em São Carlos (SP) promete tornar mais simples e mais barata a fabricação de um material vitrocerâmico com grande potencial de aplicações.

O material pode ser utilizado em próteses oculares, em ossículos artificiais do ouvido, no tratamento da sensibilidade nos dentes e em diversas outras soluções médicas, com menos rejeição do que outros implantes artificiais e estimulando a regeneração de tecidos ósseos.

Pesquisadores do Centro de Pesquisa, Educação e Inovação em Vidros (CeRTEV) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) financiado pela FAPESP – conseguiram obter por impressão 3D estruturas formadas pelo material, um vitrocerâmico altamente poroso que atua como suporte (scaffold) para induzir a regeneração óssea.

O novo método, desenvolvido em colaboração com pesquisadores da Universidade de Pádua (Itália), da Pennsylvania State University (Estados Unidos) e do Centro Nacional de Pesquisa (Egito), foi descrito em um artigo publicado no Journal of the American Ceramic Society (JACS) e destacado em editorial.

“O estudo está na vanguarda da pesquisa e desenvolvimento e fornece novas ideias para melhorar e tornar mais sustentável a fabricação de materiais vitrocerâmicos para aplicações biomédicas”, disse Jonathon Foreman, editor da JACS.

A partir de resinas de silicone comerciais baratas, carbonatos de cálcio e de sódio e fosfato de sódio, os pesquisadores conseguiram produzir composições semelhantes às do biosilicato. Esse material, desenvolvido na década de 1990 no CeRTEV, patenteado e licenciado para uma empresa, é produzido hoje nas formas de pó, de grânulos, de estruturas de suporte macroporosas (scaffolds) para enxerto ósseo, de fibras ou como peças únicas (monolíticas) pela tecnologia convencional de fabricação de vitrocerâmica.

O método tradicional para produzir o biosilicato consiste na cristalização controlada de um vidro especial por meio de tratamentos térmicos.

“Os vidros convencionais são frágeis. Por meio da cristalização controlada de um biovidro conseguimos produzir o biosilicato que, além de ter alta resistência mecânica, é usinável, bioativo e bactericida”, disse Edgar Dutra Zanotto, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e coordenador do CeRTEV.

Ao entrar em contato com fluidos corporais, como a saliva e o plasma sanguíneo, o biosilicato sofre reações que levam à formação em sua superfície de uma camada de hidroxicarbonato apatita (HCA) – composto quimicamente semelhante à fase mineral dos ossos. Dessa forma, o material vitrocerâmico bioativo tem a capacidade de aderir a ossos, dentes e até mesmo cartilagens, além de estimular a regeneração do tecido ósseo.

“O biosilicato tem sido amplamente reconhecido como excelente material para aplicações em engenharia de tecidos ósseos”, disse Zanotto durante palestra na primeira edição do Simpósio de Pesquisa e Inovação em Materiais Funcionais, promovido pelo Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), nos dias 23 e 24 de maio na UFSCar.

A fim de desenvolver uma rota de processamento alternativa para o material, os pesquisadores submeteram polímeros à base de silicone contendo micropartículas de óxidos a um tratamento térmico para dar origem ao biosilicato. Essa rota inovadora é utilizada na fabricação de “cerâmicas derivadas de polímeros” (PDCs, na sigla em inglês).

A partir desses filamentos de silicone contendo as micropartículas ativas, eles obtiveram por impressão 3D composições semelhantes ao biosilicato, altamente porosas, nas formas de suportes macroporosos, além de espumas moldadas.

As peças foram submetidas a um tratamento térmico a 1000 ºC. Testes indicaram que os materiais apresentavam altas porosidades (entre 60% e 75%) e resistência a compressão em torno de 7 megapascal (MPa) – 70 quilos (kg) por centímetro quadrado (cm2) –, no caso dos suportes macroporosos, e de 1,5 a 6 MPa – entre 1,5 kg e 6 kg por cm2 –, no caso das espumas.

“Demonstramos que polímeros pré-cerâmicos, contendo precursores de óxidos adequados, podem ser usados para a síntese direta de biosilicato em uma rota rápida e simples”, disse Zanotto. “Esses materiais também têm o potencial de reduzir os custos da matéria-prima e de processamento e reduzir as emissões de compostos orgânicos voláteis.”

Engenharia de tecidos

O biosilicato produzido pelo método tradicional foi testado com sucesso em diversos estudos in vitro, in vivo e clínicos, em uma ampla gama de aplicações de engenharia de tecidos.

Uma delas foi no tratamento de hipersensibilidade dentinária – dor aguda desencadeada ao ingerir alimentos e bebidas quentes ou geladas, causada pela retração da gengiva e exposição de túbulos microscópicos de um dos tecidos que formam os dentes: a dentina.

O material vitrocerâmico foi aplicado em pó, na forma de partículas micrométricas com tamanho suficiente para preencher a cavidade dos túbulos da dentina.

Em contato com a saliva, o material sofre reações que induzem à formação de HCA em sua superfície. Dessa forma, os túbulos dentinários são obliterados, impedindo que líquidos presentes nesses tubos microscópicos possam ser estimulados por mudanças de temperatura ou de calor de alimentos e bebidas, que causam a sensibilidade.

“Um estudo clínico feito com o material indicou que seis aplicações foram suficientes para eliminar a sensibilidade dentinária dos pacientes”, disse Zanotto.

O biosilicato também é usado para fabricação de ossículos artificiais do ouvido médio humano, como o estribo, a bigorna e o martelo. Os implantes de ouvido têm cerca de 10 milímetros de comprimento e entre 1 e 2 milímetros de espessura. São implantados em pacientes com deficiência auditiva causada por problemas nesses ossos, provocados por infecções ou diversas moléstias.

Um estudo clínico feito por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto, com 30 pacientes com surdez causada pela perda da função dos ossículos do ouvido médio, indicou que 24 conseguiram recuperar a audição após o implante.

“Antes, os pacientes não ouviam quase nada. Após o implante dos ossículos, passaram a ouvir sons em uma altura mínima de 10 decibéis, o que equivale a um sussurro”, afirmou Zanotto.

Uma das aplicações mais recentes do biosilicato é em implantes intraorbitais, conhecidos popularmente como “olhos de vidro”. Como o biosilicato é bioativo, os implantes intraorbitais feitos à base do material vitrocerâmico aderem aos tecidos circundantes ao olho do paciente.

“Com isso, o implante adquire a mesma mobilidade do olho não danificado, além de ser bactericida, minimizando o risco de infeção” explicou Zanotto.

De acordo com o pesquisador, o material usado em próteses oculares comuns foi proibido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

“Há um mercado enorme no Brasil para o implante ocular que desenvolvemos. Já negociamos o licenciamento do material para uma empresa, que está aguardando a autorização da Anvisa para comercializá-lo”, disse Zanotto.

O artigo Biosilicate scaffolds produced by 3D-printing and direct foaming using preceramic polymers (DOI: 10.1111 / jace.15948), de Hamada Elsayed, Pietro Rebesan, Murilo C. Crovace, Edgar D. Zanotto, Paolo Colombo e Enrico Bernardo, pode ser lido no Journal of the American Ceramic Society em ceramics.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/jace.15948.