Inteligência artificial racionaliza testes com moléculas e reduz o uso de animais
16 de julho de 2019Eduardo Geraque | Pesquisa para Inovação – Com o crescimento das discussões sobre o uso de animais em testes de laboratórios, um farmacêutico e empreendedor, mestre em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP), desenvolveu uma plataforma que analisa toxicidade de vários compostos usados pela indústria, incluindo novos ingredientes, produtos de degradação, impurezas e contaminantes.
“Baseados em algoritmos e técnicas complexas de inteligência artificial, modelos computacionais (in silico) validados permitem avaliar o potencial de toxicidade e ecotoxicidade de compostos sem a necessidade de síntese da substância e ainda permitem racionalizar testes com animais e testar apenas moléculas com maior chance de sucesso”, explica Carlos Eduardo Matos, diretor técnico da Altox.
A criação de uma plataforma virtual acessível em tempo real possibilita que as áreas de P&D das indústrias dos setores farmacêutico, cosmético, agro e de química fina obtenham avaliações toxicológicas e ecotoxicológicas remotamente e sem a necessidade de implantação de um laboratório próprio, demandando apenas a inserção de dados das moléculas a serem avaliadas (estrutura química e dados das moléculas) e comunicação com o laboratório virtual.
Utilizando um processo computacional totalmente “limpo” – que não envolve qualquer tipo de síntese química –, é possível prever se uma ou várias moléculas candidatas para uso cosmético ou farmacêutico, por exemplo, terão impacto na saúde ou no meio ambiente. “Há tanto uma redução de custo quanto de tempo”, afirma Matos.
Segundo o executivo, o projeto, que busca agora ganhar mais escala em nível comercial, é resultado de uma longa construção acadêmica e empresarial, que coincidiu com a crescente discussão sobre o uso de animais em testes e a ascensão da inteligência artificial.
A aproximação entre esse debate ético e as novas tecnologias não teria dado resultado, segundo Matos, se também não houvesse uma constante preocupação nacional e internacional com a atualização de normas e padrões toxicológicos.
Normas e padrões toxicológicos
Em São Paulo, a Lei 777/2013, sancionada pelo então governador Geraldo Alckmin (PSDB), proibiu o uso de animais no desenvolvimento de cosméticos, perfumes e produtos de higiene pessoal. Naquele mesmo ano, Matos publicava o primeiro livro brasileiro sobre Toxicologia In Silico. Outras normas foram publicadas por agências reguladoras, incluindo exigências para avaliação de produtos de degradação e impurezas em medicamentos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Após ter contato com a toxicologia ainda na graduação em Farmácia, Matos foi contratado como analista em uma empresa de consultoria em toxicologia, atendeu cerca de 50 empresas de diferentes segmentos, além de publicar diversos artigos na área.
“Com a experiência acumulada em toxicologia, avaliação de risco e regulação decidimos publicar artigos para popularizar o tema das análises in silico. Na época o desafio era ainda maior, pois, apesar das crescentes discussões sobre o uso indiscriminado de animais e dos avanços científicos das análises por computador, soava como algo absurdo propor que se evitasse um teste tradicional e, em vez disso, se partisse para a modelagem computacional. Mas vários países já faziam essa recomendação dentro de contextos específicos”, diz Matos.
Mas, como o volume de projetos no exterior foi crescendo tanto na área farmacêutica, como nos setores de ingredientes cosméticos e de defensivos agrícolas, o grupo reunido na Altox começou a planejar novos voos.
“Com a aprovação do projeto de pesquisa no edital PIPE FAPESP de 2016, desenvolvemos a primeira plataforma de modelos in silico. Com um time de especialistas, empresas e núcleos de pesquisa de universidades, todos brasileiros, trabalhamos durante dois anos no projeto”, afirma Matos.
Círculo virtuoso
A plataforma tem várias aplicações. Se uma nova norma de segurança para avaliação de moléculas entrar em vigor para medir, por exemplo, o grau de toxicidade de uma impureza ou produto de degradação, o serviço desenvolvido pelo grupo brasileiro pode ser muito útil para empresas nacionais. “Elas podem ter rápido acesso à tecnologia para avaliar suas moléculas, vencendo eventuais barreiras regulatórias, quando órgãos reguladores ou clientes internacionais exigem algum tipo de avaliação prévia”, diz Matos.
O processo, segundo Matos, reduz o tempo e o custo da operação. “O produto levará menos tempo para chegar à prateleira, haverá racionalização do número de animais utilizados no processo e a operação sofrerá uma redução significativa de custo, já que estará menos exposta à flutuação das moedas estrangeiras e a problemas com cronogramas ou disponibilidade de serviços”, ele argumenta.
De acordo com Matos, apesar de nem sempre ser visível, há um complexo ciclo virtuoso envolvido em um processo como o que ocorre na Altox, que vai muito além dos resultados econômicos diretos ou publicações.
Consolidado o sistema, o desafio agora está no campo dos negócios. “Estamos desenhando uma forma para melhor alcançar clientes e parceiros de diferentes segmentos (farmacêutico, cosmético, de defensivos agrícolas, alimentício e de embalagens para alimentos), levando o conjunto de soluções da plataforma que pode revolucionar os processos de avaliação de segurança de ingredientes, produtos de degradação e impurezas.”
Segundo Matos, os primeiros resultados comerciais da plataforma, por meio de contratos com empresas, já estão sendo contabilizados em negócios dentro e fora do Brasil. De acordo com o executivo, um parceiro francês preferiu conduzir um estudo-piloto com a ferramenta desenvolvida pela Altox, em vez de usar outra tecnologia construída no Reino Unido.
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