Empresas apoiadas pelo programa PIPE-FAPESP são alvo de aquisições
08 de dezembro de 2020Yuri Vasconcelos e Domingos Zaparolli * | Pesquisa para Inovação – A startup paulistana MVisia é especializada em sistemas de inteligência artificial aplicada à visão computacional industrial. A PPI-Multitask, também de São Paulo, desenvolve plataformas de gerenciamento da produção conhecidas como MES, sigla de Manufacturing Execution Systems. As duas empresas, que receberam investimentos do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP para desenvolver suas soluções tecnológicas, tiveram seus controles acionários adquiridos recentemente pela multinacional brasileira Weg, uma das maiores fabricantes globais de motores elétricos industriais e geradores de energia.
“O negócio elevou a MVisia a outro patamar”, atesta o sócio-fundador Fernando Lopes. “Passamos a contar com uma estrutura comercial que demoraríamos décadas para constituir. Tínhamos poucos vendedores e agora contamos com mais de 300 no Brasil e no exterior. Já até fizemos uma primeira venda em Pernambuco”, comemora.
A empresa foi fundada em 2012 no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia da Universidade de São Paulo (Cietec-USP) e os quatro sócios foram favoráveis à transferência de 51% do capital para a Weg em junho último. “Com a parceria, ganhamos também em governança, gestão e controle financeiro”, diz Lopes.
“Uau! Perfeito. Essa foi minha reação ao saber do interesse da Weg”, recorda-se Marcelo Pinto, um dos três sócios-diretores da PPI-Multitask, fundada em 2000, que também teve 51% de seu controle vendido para a Weg em setembro do ano passado. “Nosso propósito era ser protagonista da indústria 4.0 no Brasil. Sabíamos de nossas qualidades técnicas, mas também das limitações financeiras e operacionais. A Weg tem robustez financeira, força de venda, gestão qualificada e o mesmo propósito de ser relevante na indústria 4.0”, argumenta.
O interesse de grandes corporações na aquisição de empresas de base tecnológica como as apoiadas pelo PIPE-FAPESP não é novo. Em 2005, o conglomerado aeroespacial francês Thales adquiriu a fabricante de instrumentos para satélites e radares Omnisys, com sede em São Bernardo do Campo. Em 2011, a Embraer comprou a paulistana Atech, focada em gestão e controle de tráfego aéreo civil e militar, e a Bradar (antiga Orbisat), especializada no desenvolvimento de sistemas e sensores eletrônicos, como radares de defesa para vigilância terrestre e aérea.
Cinco anos depois, a brasileira Akaer, provedora de sistemas e componentes aeroespaciais, incorporou a Opto Eletrônica, de São Carlos, especializada em tecnologia optrônica, como câmeras para uso espacial. Em 2017, a empresa, com sede em São José dos Campos, participante do projeto do jato militar Gripen, adquiriu o controle da Equatorial Sistemas, desenvolvedora de soluções tecnológicas para sistemas espaciais, de defesa e segurança.
Quando se observa o ecossistema de startups no país, percebe-se que a troca de comando nas empresas é amplo e vem ocorrendo em ritmo crescente. Entre janeiro e setembro deste ano, pelo menos cem startups tiveram o seu controle total ou parcialmente negociado no Brasil, de acordo com estimativas da plataforma de apoio à inovação Distrito. Em todo o ano de 2019, o número foi de 63 startups.
PPI-Multitask e MVisia mantiveram suas marcas, equipes e sedes em São Paulo. Os sócios-fundadores continuam no comando do dia a dia das respectivas empresas. O que mudou na estrutura organizacional foi a presença de um representante da Weg no conselho das duas empresas e a necessidade de alinhamento à estratégia corporativa da multinacional. “A Weg não fez uma ocupação da PPI-Multitask. Mantivemos nossa independência operacional, e as decisões de longo prazo são resultado de um sistema de governança participativa, onde temos voz”, destaca Pinto.
A decisão da Weg de adquirir, em menos de um ano, a PPI-Multitask e a MVisia teve como objetivo acelerar o desenvolvimento da divisão de negócios digitais da companhia, criado há um ano. Outras duas pequenas empresas de base tecnológica, a paulistana V2COM, especializada em conectividade e internet das coisas (IoT), e a BirminD, de Sorocaba (SP), atuante no mercado de inteligência artificial aplicada à análise de dados industriais, também foram compradas pela companhia com a mesma finalidade.
“São empresas que complementam nosso portfólio de soluções digitais com tecnologias maduras e testadas”, reconhece Carlos Bastos Grillo, diretor de negócios digitais da Weg, cuja sede fica em Jaraguá do Sul, em Santa Catarina. “O compartilhamento de conhecimento e recursos entre a Weg e essas quatro empresas gera novas oportunidades de inovação e a oferta de soluções mais completas aos clientes.”
Especialistas em inovação avaliam que a fusão, aquisição e outras formas de interação entre grandes empresas e novatas inovadoras são situações que se tornarão cada vez mais comuns no Brasil, como já ocorrem de forma intensa nos Estados Unidos. E essa é uma boa notícia. “É importante que o empreendedor tenha várias oportunidades de obter retorno pelo seu esforço, seja financeiro ou de outro tipo. Isso fortalece o ecossistema de inovação”, destaca a engenheira de alimentos Luciana Hashiba, vice-coordenadora do Centro de Inovação da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Eaesp).
Para o engenheiro químico Américo Craveiro, membro da coordenação adjunta da área de Pesquisa para Inovação da Diretoria Científica da FAPESP, o interesse de grandes grupos por pequenos negócios inovadores deve ser visto como uma medida de sucesso do PIPE. “Significa que o empreendedor apoiado cumpriu bem o desafio técnico e validou sua proposta”, afirma.
Hashiba, que também integra a coordenação adjunta, e Craveiro julgam como secundário o fato de o produto desenvolvido com o apoio do programa público de fomento à inovação não ser comercializado pelo idealizador, mas por terceiros, ou mesmo se a empresa for vendida. “O importante é que o esforço não morra no duro caminho de transformar uma ideia em um empreendimento exitoso”, pondera Hashiba. “O que vale é o resultado final. O apoio à tecnologia deve gerar valor para a sociedade e assegurar o retorno econômico e social do investimento”, argumenta Craveiro.
Segundo César Costa, sócio-diretor da consultoria em empreendedorismo e inovação corporativa Semente Negócios, o que motiva as grandes corporações a adquirir startups é a decisão de acelerar alguma estratégia da empresa. “Pode ser entrar em novos mercados, diversificar portfólio de produtos, incorporar novas tecnologias ou até mesmo captar talentos”, avalia.
Em um processo de aquisição tradicional o que está em jogo na maioria das vezes é a participação mercadológica, um produto bem-sucedido ou a estrutura física da empresa adquirida. Em uma startup, geralmente, o principal ativo é a capacidade inovadora dos empreendedores.
Um dos grandes desafios na aquisição de uma novata inovadora, avalia Costa, é manter o conhecimento e o ímpeto dos fundadores. “É comum que no próprio contrato de aquisição sejam inseridas cláusulas que estabeleçam que os empreendedores permanecerão trabalhando na startup por mais algum tempo, evitando que sua saída impacte negativamente o rumo do negócio”, relata o consultor.
O engenheiro de produção Eduardo Zancul, da Escola Politécnica (Poli) da USP e também membro da coordenação adjunta da FAPESP, destaca as dificuldades para uma empresa pequena se estabelecer. “Uma crise mais severa ou mudanças nos parâmetros de concorrência podem afetá-la ou até mesmo comprometer sua sobrevivência. As pequenas empresas têm uma situação frágil e instável”, afirma.
Essa constatação se aplica ainda mais em um país como o Brasil, onde historicamente o crédito privado é caro e a variação anual do crescimento econômico é abrupta, dificultando o planejamento empresarial. Nas últimas duas décadas o país mesclou dez anos de crescimento modesto, seis anos de evolução significativa da economia, de 4% ou mais, com outros quatro anos de recessão – 2009, 2015, 2016 e agora no primeiro semestre de 2020, de acordo com os cálculos anuais do Produto Interno Bruto (PIB) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Neste ano, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) projeta um retrocesso no PIB de 5%.
“As empresas procuram crescer para ter uma situação mais sólida. Crescimento demanda capital, conhecimento, acesso a distribuição e clientes. Uma pequena empresa sozinha, por meios próprios, demora para alcançar essa solidez”, diz Zancul. Existem poucas alternativas para acelerar esse processo, avalia o pesquisador. Uma é o pequeno empresário buscar o aporte de investidores. Outra é a fusão com outras pequenas empresas, tentando formar um negócio maior. A terceira é a venda. “Ser comprada por outro grupo também pode ser um caminho para a pequena empresa crescer.”
Sucesso na fertilização
A InVitro Brasil (IVB), de Mogi Mirim, no interior paulista, foi criada em 2002 e alcançou sucesso mercadológico expressivo. Antes de ser vendida em 2015 para a empresa de genética ABS Global, do grupo norte-americano Genus, já era a maior empresa de fertilização in vitro de embriões bovinos do mundo – em 2013 foi responsável por 45% da produção global de embriões – e referência na metodologia de criopreservação, o congelamento de embriões, um desenvolvimento tecnológico realizado com apoio do PIPE.
“Éramos os maiores em fertilização in vitro de embriões, porém, numa comparação com as grandes empresas de genética, éramos muito pequenos para competir sozinhos no mercado de reprodução”, explica o veterinário José Henrique Pontes, sócio-fundador da IVB e atualmente diretor global de Estratégia de Embriões da ABS.
Segundo Pontes, a capacidade de investimento em pesquisa da Genus foi um fator decisivo para a venda. “O grupo investe mais de US$ 50 milhões anuais em pesquisa e parte significativa é direcionada para biotecnologia e fertilização in vitro”, destaca. Até a aquisição da IVB, a ABS Global era uma empresa especializada em inseminação artificial com uma técnica avançada de separação de sêmen sexado, permitindo ao criador a escolha do sexo do animal.
“A aquisição de uma empresa de embriões como a IVB era o passo que faltava para um portfólio completo”, conta Márcio Nery, diretor-geral da ABS Brasil. “A tecnologia de embriões congelados é o futuro e foi decisiva para o interesse do grupo pela IVB.” A ABS possui seis laboratórios nos Estados Unidos, um no México e três no Brasil. Os técnicos brasileiros, segundo Nery, são os responsáveis por projetos laboratoriais experimentais internacionais em embriões. “Temos equipes desenvolvendo trabalhos na Rússia, no Vietnã e no Chile. Talvez comecemos a operar também na Índia”, informa. Os técnicos em embriões brasileiros na ABS Brasil somam 120 pessoas, o dobro da equipe original da IVB em 2015.
Para o consultor César Costa, da Semente Negócios, uma prática vista no mercado é a aquisição parcial da startup, mantendo o interesse dos empreendedores originais no sucesso da empresa e o estabelecimento de modelos de governança que permitam autonomia na tomada de decisões. É comum o gestor da startup responder diretamente ao CEO ou ao conselho do novo controlador.
Foi o que aconteceu com a paulistana Scipopulis, startup especializada em análise de dados e soluções de mobilidade urbana adquirida pela green4T em 2019. “Não queríamos transformar a Scipopulis em green4T, mas sim manter a cultura inovadora deles”, diz Eduardo Marini, CEO da green4T, empresa brasileira de soluções de tecnologia e infraestrutura digital com sede em São Paulo. “Em uma das primeiras rodadas de negociação fizemos questão de garantir que eles manteriam a marca e a independência operacional. Não teriam um chefe de fora dando ordens”, relembra Marini, destacando que outra preocupação foi estabelecer um ambiente propício para o acolhimento da nova equipe, formada por dez pessoas.
“Tínhamos, sim, o receio de virar burocratas e cumprir ordens. O que definiu o negócio foi o alinhamento de propósitos”, reconhece Roberto Speicys, um dos quatro sócios-fundadores da Scipopulis. O acerto previu a incorporação da startup com os fundadores do negócio passando a deter ações da green4T e a manutenção de Speicys como CEO da Scipopulis. Todos os fundadores da startup foram favoráveis ao negócio, mas dois preferiram partir para o desenvolvimento de novos empreendimentos.
Para Marini, a aquisição da Scipopulis representou a oportunidade de a green4T ampliar o seu portfólio de soluções oferecidas às cidades. A startup foi criada em 2014 e o auxílio do PIPE foi fundamental para ela desenvolver duas soluções: o aplicativo Coletivo, que informa em tempo real aos usuários sobre ônibus e a rede de transporte público, e o painel web de monitoramento e gestão de frotas de ônibus Trancity, voltado aos gestores de frota e administradores municipais.
Por ora, as soluções só estão disponíveis na cidade de São Paulo. “Uma startup tem dificuldade de participar de licitações públicas e negociar com gestores municipais. Já a green4T tem expertise nesse processo”, reconhece Speicys.
A plataforma Trancity já está sendo empregada em Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Teresina, Fortaleza e Santiago, no Chile. As novas perspectivas não se restringem ao setor de transportes. “Nosso negócio é desenvolver soluções tecnológicas com base na análise de dados. Já estudamos possibilidades na área da saúde, segurança pública e outras aplicações em mobilidade urbana”, antecipa Speicys. “Fazer parte do portfólio da green4T vai, sem dúvida, permitir que aceleremos esses novos projetos.”
* Revista Pesquisa Fapesp
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