Óculos de realidade mista reduzem erros de montagem em até 95% na indústria
25 de novembro de 2025Roseli Andrion | Pesquisa para Inovação – O chão de fábrica sempre foi território de desafios silenciosos. Entre barulhos de máquinas e vai e vem de operadores, um desafio persiste há décadas: como garantir que peças sejam montadas corretamente dia após dia? A resposta pode estar em óculos de realidade mista que parecem saídos de filmes de ficção científica.
Eduardo Miller, engenheiro de computação e mestre em robótica, conhece bem essa realidade. Com experiência em grandes montadoras, ele testemunhou o custo invisível de erros humanos: retrabalho, descarte de peças, atrasos e pressão constante sobre operadores. “Se na produção de mil peças há 10% de erro, é preciso fabricar 100 a mais para compensar”, aponta. “Além do custo do erro na qualidade, é necessário produzir mais. Poucas fábricas fazem essa conta.”
Essa lacuna motivou a criação da startup Parthenon Labs, com o intuito de desenvolver um sistema de realidade mista para linhas de montagem manual. O nome, inspirado no templo grego dedicado à deusa Atena, carrega a ambição de criar soluções quase divinas na eficiência. E os números iniciais impressionam: em uma aplicação real no setor automotivo, a empresa reduziu as 1.600 falhas diárias para apenas 80 — uma queda de 95%, afirma Miller.
A tecnologia da solução combina óculos de realidade mista — que permitem ver o ambiente real enquanto projetam informações digitais — com um sistema de orientação passo a passo. Diferentemente da realidade virtual, que isola completamente o usuário, a realidade mista o mantém conectado ao ambiente físico.
Quando coloca os óculos, o operador vê hologramas que indicam qual peça pegar, onde ela está localizada e a instrução que orienta como ela deve ser montada. O sistema usa comando de voz, rastreamento de movimentos e resposta visual em tempo real. Se for selecionada a peça errada, o holograma fica vermelho. Se a montagem está correta, fica verde. Simples assim. “A solução não exige que o operador seja experiente em tecnologia”, diz Miller. “Ele usa as próprias habilidades, mas é orientado de forma humanizada. Testamos com operadores novos e veteranos, e a adaptação foi rápida.”
Um caso real ilustra a eficácia: em uma fábrica de autopeças, há uma estação com três caixas de componentes diferentes e uma área de montagem. Antes da implementação da solução, houve falta de componentes 253 vezes e 168 peças foram montadas incorretamente. Após sua adoção, as faltas caíram para 19 e os erros de montagem, para apenas 13.
Flexibilidade industrial
Um dos diferenciais da solução é a forma como ela é implementada. Ao contrário de sistemas de automação rígidos, cuja reconfiguração pode demorar meses quando há mudança de produto, a plataforma da Parthenon Labs é facilmente personalizada. “Temos um sistema de banco de dados em que tudo é cadastrado de forma modular”, explica Miller. “Para montar um avião em uma área de mil metros quadrados, basta demarcá-la para que o sistema mapeie o espaço. Depois, é só cadastrar a localização dos componentes e definir o tamanho e a posição de cada peça.”
Essa flexibilidade é um diferencial importante em um mercado em que a variedade de produtos é crescente. Dados da indústria automotiva global indicam que o tempo médio de vida útil de um modelo de carro caiu de sete anos na década de 1990 para cerca de quatro anos atualmente. Isso significa que as linhas de produção precisam se adaptar com muito mais frequência.
A tecnologia também se beneficia da evolução recente de hardware. O projeto começou com óculos HoloLens, da Microsoft, que não estão mais disponíveis para uso comercial. “A transição foi complexa”, reconhece Miller, “mas migramos para o Meta Quest 3, que é baseado em Android”. “Conseguimos não só manter a funcionalidade como também reduzir custos.”
Embora o foco inicial seja a manufatura, as aplicações potenciais são vastas: Miller vislumbra usos em treinamento, inspeções e manutenção preventiva. “Para treinamento, é perfeito: primeiramente, é exibido um vídeo do processo. Depois, o usuário vai para uma estação de teste com os óculos. Somente após essas etapas, ele vai para a linha de produção real. Nas primeiras semanas, mantemos o sistema ativo para dar mais segurança.”
Na aviação, que tem padrões rigorosos de qualidade, a solução pode documentar inspeções e processos de manutenção. “Tudo o que você faz pode ser gravado pelos óculos. Isso serve como prova de que a inspeção foi realizada corretamente. Para setores como aviação civil ou manutenção de equipamentos críticos, essa rastreabilidade é fundamental.”
Desafios e aceitação
Como toda inovação, o conceito pode enfrentar resistências. “Inicialmente, os operadores ficam com medo: têm receio de ficar tontos ou de que seja um sistema de vigilância”, conta. “Após algumas horas de uso, entretanto, percebem que a ferramenta ajuda a melhorar a qualidade do produto final e a qualidade de vida do próprio trabalhador: ele não precisa mais decorar sequências complexas ou se preocupar tanto com erros.”
Outro desafio é o momento do mercado. “Em 2024, o setor de autopeças sofreu muito com a situação econômica global”, observa. A Parthenon Labs compete com soluções internacionais, mas a abordagem é diferente: os concorrentes têm sistemas mais rígidos, que requerem infraestrutura controlada, enquanto a solução brasileira funciona em qualquer ambiente.
Um dos diferenciais é que ela não aumenta o tempo de montagem. “Nosso sistema não adiciona tempo ao processo: ele melhora a qualidade enquanto mantém o ritmo de produção. Isso é fundamental porque tempo é dinheiro na indústria”, pondera. A solução teve apoio do programa Centelha, da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), e executado pela FAPESP em São Paulo.
Futuro da realidade mista
A evolução da ferramenta aponta para integração com inteligência artificial. “Estudamos usar sistemas de visão computacional para comparar a montagem final com um padrão ideal”, informa Miller. “Com modelos de linguagem avançados, o operador pode conversar com o sistema para receber orientações em tempo real: ‘Estou com dificuldade nesta etapa, o que você sugere?’.”
Para Miller, o objetivo é democratizar o uso da tecnologia. “No Japão, vi sistemas que custavam caro e ocupavam grandes espaços, com prateleiras demarcadas, sistemas de visão computacional e ambientes de lúmen controlados. Era impressionante, mas inacessível para as empresas no Brasil”, avalia. “Nosso desafio foi pegar toda aquela funcionalidade e colocar em um par de óculos.”
O resultado é uma tecnologia que, embora pareça futurista, já tem mudado o presente de fábricas brasileiras. Em um país onde a indústria de transformação representa cerca de 11% do PIB, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e emprega milhões de trabalhadores, soluções que aumentam a eficiência sem eliminar postos de trabalho são especialmente relevantes.
Ele enfatiza que a tecnologia não busca substituir pessoas por robôs. “Ao contrário, a ideia é dar superpoderes aos operadores: eles continuam fazendo o que sabem fazer, só que agora com muito menos ocorrência de erros. É tecnologia a serviço das pessoas, não o contrário.”
Dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) apontam que o Brasil produziu 2,3 milhões de veículos em 2023. Cada um deles passou por processos de montagem complexos que envolvem milhares de componentes. No setor de linha branca, que inclui geladeiras, fogões e máquinas de lavar, a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) registra produção anual superior a 10 milhões de unidades.
Em todos esses segmentos, a montagem manual ainda é predominante em etapas críticas. “Montagens complexas são difíceis de automatizar”, explica Miller. “Às vezes, a geometria do produto dificulta o uso de robôs. Outras vezes, o desenho da peça exige movimentos específicos ou força calibrada. E tem o custo: quando se muda do modelo A para o B, a reconfiguração da automação é demorada e cara.”
Uma pesquisa da Dozuki identificou as principais causas de erros em montagens manuais. A fadiga lidera o ranking, com 30% das falhas. Em seguida, vêm falta de atenção (25%), decisões incorretas do operador (17%), falhas de equipamento (12%) e treinamento inadequado (8%). Problemas com o produto em si e pressão no trabalho completam a lista. “As três primeiras causas são justamente aquelas que nossa solução consegue endereçar de forma direta”, destaca o engenheiro.
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