Ferramenta permite identificar problemas, como assédio, antes que se tornem críticos, possibilitando que as empresas atuem preventivamente (imagem: Pixabay)

Antropologia e inteligência artificial são usadas para transformar escuta corporativa

18 de março de 2025

Roseli Andrion  |  Pesquisa para Inovação –Relações humanas são essenciais em qualquer ambiente corporativo. São elas que garantem que as empresas sejam bem-sucedidas. Por isso, ouvir as pessoas pode ser o principal diferencial de uma organização.

É isso que a startup Tech Viz faz: permite que as companhias escutem os profissionais e os clientes que nelas atuam. Criada pela antropóloga Adla Viana, a empresa desenvolveu a Antropos.ai, um agente de inteligência artificial que utiliza conhecimentos antropológicos para captar e analisar narrativas de pessoas da linha de frente das organizações — tanto colaboradores como clientes —, de forma a identificar problemas antes que eles se tornem críticos. “A antropologia pode ser utilizada pelas empresas para uma série de soluções”, aponta.

Inicialmente, o objetivo de Adla era desenvolver uma plataforma de dados voltada para diversidade e inclusão. Com apoio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, a pesquisadora participou do PIPE Empreendedor. “Como pesquisadores, temos pouco manejo de ferramentas de negócios. Aquela oportunidade mostrou como ir até o mercado e avaliar as hipóteses de pesquisa.”

Durante o PIPE Empreendedor, a startup pôde ajustar seus objetivos. “O programa tira o pesquisador acadêmico do laboratório e o coloca no mercado”, resume Adla. “Essa transição é especialmente importante num momento em que muitas startups enfrentam dificuldades para sobreviver e o investimento em pesquisa e inovação precisa produzir resultados concretos.”

Depois de ouvir cerca de 120 stakeholders e perceber que o mercado procurava algo mais amplo, Adla decidiu criar uma ferramenta que permitisse a escuta efetiva das pessoas da linha de frente. “Quando se trata de colaboradores em uma empresa, é na linha de frente da operação, onde frequentemente estão concentrados os grupos minoritários, que as pessoas têm a informação que o gestor e a liderança precisam para entender quais são os problemas e as soluções”, conta Adla. “Quando se resolve um problema numa empresa grande, quem está na linha de frente fala: ‘Nossa, até que enfim’. Frequentemente, a sensação dos clientes é a mesma: eles sofrem muito tempo com alguma dificuldade até que ela seja resolvida.”

Adla conta que a equipe percebeu que os gestores queriam uma ferramenta informada pelo conhecimento antropológico para saber concretamente o que as pessoas vivem e realmente ouvir o que elas têm a dizer. A Tech Viz criou, então, um agente de inteligência artificial que usa a pesquisa científica para atender às necessidades do mercado. “Fazemos controle da informação para treinar os modelos e garantir que a informação qualitativa seja útil na solução de problemas de acordo com a demanda do cliente.”

Base antropológica

A solução da Tech Viz se diferencia das pesquisas de clima organizacional e pesquisas de mercado por dois aspectos principais: a base antropológica e o uso de narrativas em vez de formulários convencionais. “Muitos colaboradores de linha de frente não têm necessariamente a leitura e a escrita como material de trabalho do dia a dia. Formulários com ‘concordo plenamente’ ou ‘discordo plenamente’ podem não ser adequados para esse público. Além disso, é comum que esses formulários sejam muito voltados para o indivíduo e a ideia da Antropos.ai é avaliar as informações do ponto de vista antropológico para abordar as relações dentro das empresas.”

Segundo a pesquisadora, a ferramenta pode identificar dificuldades antes que elas se tornem críticas. “Antes de um assédio, por exemplo, pode haver um incômodo. E o que precede esse incômodo é uma mulher que ainda consegue falar sobre ele”, detalha. “Nossa ferramenta capta informações que antecedem situações muito graves”, explica Adla.

Ela conta que a solução aumenta a taxa de feedback. “O uso é muito simples: basta que o participante envie dois ou três áudios para que tenhamos um volume bom de informações para levar para os gestores em tempo real e, assim, permitir a tomada de decisão”, explica. “A solução reduz o estresse informacional enquanto garante, a partir da captura de informações, a personalização das narrativas e a extração de microrrealidades.”

A detecção precoce permite que as empresas atuem preventivamente, o que reduz custos e evita outras consequências. “Não é preciso fazer uma intervenção em toda a empresa. Encontra-se o foco que precede, por exemplo, um assédio e age-se para mediar o conflito e buscar soluções sem constranger ninguém.”

A startup já testou a plataforma com empresas de diversos setores. Em uma companhia do setor energético, por exemplo, a ferramenta ajudou a identificar narrativas de eletricistas sobre como a comunicação foi importante para evitar acidentes de trabalho. Em outro caso, constatou situações de desconforto de mulheres em ambientes predominantemente masculinos, o que permitiu atuar de forma preventiva antes que houvesse casos de assédio.

O sistema é eficaz, ainda, em situações em que os canais tradicionais de denúncia não funcionam bem. “As pessoas não denunciam em caixinhas de denúncias. Quando a ouvidoria recebe um telefonema, o conflito já existe”, explica Adla. “O agente de inteligência artificial aponta possíveis denúncias, de forma a antecipar o problema, porque olha para o que acontece, não para algo que já aconteceu.”

Inteligência artificial

Adla destaca que o uso da inteligência artificial requer os especialistas certos. “A Antropos.ai mostra que a inteligência artificial deve ser construída, utilizada e aplicada por quem tem experiência nos conhecimentos científicos relativos às humanidades, à comunicação e à informação operacional”, descreve. “Isso significa ter antropólogos, cientistas sociais e psicólogos envolvidos.”

Além disso, a qualidade dos dados de entrada é determinante para o sucesso da ferramenta. “Se você tem bons inputs, a atuação da inteligência artificial é excelente”, explica Adla. “Como a solução tem base antropológica, é possível obter inputs de alta qualidade e, depois, processá-los com os algoritmos de inteligência artificial.”

A ferramenta utiliza tecnologias de processamento de linguagem natural e modelos de inteligência artificial para analisar narrativas e, nelas, identificar padrões e tendências que podem indicar potenciais desafios. Durante o desenvolvimento, a Antropos.ai teve apoio do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) no programa IA Factory.

Ciências humanas

De acordo com Adla, o investimento em pesquisa científica nas ciências humanas é crucial no contexto da inteligência artificial. “Os engenheiros sozinhos não vão dar conta dessa tecnologia”, pontua. “Precisamos de investimento em ciências humanas para que possamos realmente usufruir de tudo o que ela pode proporcionar”, argumenta. “O momento atual de revolução tecnológica exige uma combinação de conhecimentos de todas as áreas.”

Ela lembra que a inteligência artificial transforma os modos de acessar conhecimento, transmitir informação e construir grandes conglomerados de dados. Por isso, é preciso que ela seja usada de maneira ética e cuidadosa mesmo quando se vai atingir o máximo da capacidade da tecnologia. “Experimentos no mundo inteiro já mostram que a inteligência artificial não vai — nem pode — fazer nada por si só. A Antropos.ai é um exemplo de como deve ser construída uma solução responsável que garanta a ética a partir da escolha dos algoritmos mais adequados.”

A pesquisadora destaca que o investimento em pesquisa científica produz inovações que beneficiam o mercado e a sociedade. “Em um momento em que há tendência de desvalorização do conhecimento científico e crença exagerada nas capacidades da inteligência artificial, é preciso lembrar da importância de unir tecnologia e humanidades. Combinar diferentes áreas do conhecimento para criar soluções mais éticas e eficientes é uma forma de criar horizontes para outros futuros possíveis.”

Nascida no ecossistema de inovação de São Carlos (SP), a Tech Viz obteve apoio da FAPESP desde o início. “Sem esse apoio, a empresa não existiria. Sou mulher, negra e nordestina do Sertão da Bahia: a Fundação abriu portas que normalmente permanecem fechadas para empreendedores com esse perfil.” A metodologia da Antropos.ai é inédita. “Somos pioneiros em unir o conhecimento antropológico a ferramentas de tecnologia para essa escuta ativa exponencial. Nas soluções concorrentes, a ciência de base é a psicologia organizacional ou comportamental, com foco no indivíduo.”

Para o futuro, Adla planeja retornar à academia para cursar doutorado e pesquisar a antropologia do algoritmo e da inteligência artificial. Dessa forma, pode unir sua experiência prática no mercado com a pesquisa acadêmica. “Isso é uma tarefa que a gente já cumpre muito bem, mas é preciso olhar para o mundo e para a revolução tecnológica do ponto de vista antropológico.”

(imagem de geralt disponível em Pixabay)