Técnica criada por pesquisadores da KRABS com apoio do PIPE-FAPESP é baseada no uso de anticorpos e permite a aplicação diretamente na pele (foto: divulgação/KRABS)

Startup desenvolve tratamento alternativo para dermatite atópica

02 de abril de 2024

Roseli Andion  |  Pesquisa para Inovação – Uma técnica estudada por pesquisadores da Universidade Federal do ABC (UFABC) pode, em breve, resultar em mais uma alternativa para tratamento de pacientes com dermatite atópica. A proposta, que usa anticorpos voltados para inibição de serinoproteases, apresentou resultados bastante positivos nos testes laboratoriais. Com base nisso, o pesquisador na área de biologia molecular Marcelo Bergamin Zani decidiu criar a startup KRABS para desenvolver a solução.

De acordo com o pesquisador, a alternativa biológica para tratamento de dermatite atópica formulada como fármaco tópico é única: seu concorrente é um medicamento injetável, cujo custo pode atingir milhares de reais a cada aplicação. E o paciente tem de tomar uma injeção por mês.

“É um tratamento que está fora do alcance da maioria das pessoas”, avalia Zani. “Nossa proposta deve ser muito mais barata porque é possível reduzir a dosagem por ser um fármaco tópico.” Quando se usa um injetável, o cálculo tem como base o peso corporal, já que o medicamento se distribui por todo o corpo – uma fórmula aplicada diretamente sobre a pele é usada apenas localmente e em quantidade muito menor.

O tratamento concorrente também tem formulação e alvo diferentes dos adotados pela KRABS. “Esse fármaco não combate as características da doença. Ele ataca moléculas de sinalização do sistema imune”, explica Zani. “Por isso, tem vários efeitos colaterais, já que bloqueia moléculas relacionadas à sinalização do sistema imune de maneira geral. Já o nosso produto age na enzima que provoca a descamação da pele”, compara.

Pouco antes da pandemia, a empresa teve um projeto aprovado no âmbito do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, para prosseguir com as pesquisas. Com a necessidade de distanciamento social, entretanto, o financiamento só foi iniciado em outubro de 2021.

Pedido de patente

Atualmente, a KRABS já está negociando com uma farmacêutica nacional para produzir o medicamento quando, após os testes clínicos em humanos, ele for aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A expectativa é que isso ocorra no início de 2026. Enquanto isso, o pedido de patente do produto já foi registrado no Brasil pela UFABC, e nos EUA e na Europa pela KRABS – a solução é inédita em todo o mundo e a startup tem exclusividade no licenciamento.

Segundo Zani, o paciente com dermatite atópica vai ter a doença por toda a vida – é uma desregulagem enzimática ou do sistema imune que não se sabe se tem cura. Por isso, um fármaco biológico é mais indicado para o tratamento desses pacientes: medicamentos não biológicos podem causar danos à saúde quando há exposição prolongada. “É bom usar um produto que não agrida a saúde. Os biológicos são os mais adequados nessa situação”, explica Zani. “Nesse segmento, oferecemos uma alternativa única”, afirma.

Paralelamente, a KRABS tem uma plataforma de desenvolvimento de novos anticorpos que usa a técnica phage display. Por meio dela, é possível desenvolver moléculas que podem funcionar como fármacos ou como diagnóstico baseado em anticorpos monoclonais – como os kits rápidos usados para detectar diferentes doenças, por exemplo.

O farmacêutico Jair Chagas, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e sócio da KRABS, comenta que qualquer interessado em desenvolver um anticorpo monoclonal pode procurar a empresa para que a equipe o faça nessa plataforma. “Temos uma biblioteca com 10 bilhões de moléculas diferentes que podem reconhecer os mais variados alvos. E essa ferramenta tem um diferencial importante: não faz testes em animais.”

Basicamente, a plataforma permite selecionar um anticorpo de forma relativamente fácil e, com técnicas de biologia molecular, colocá-lo em células que possam expressá-lo. Foi dessa forma, inclusive, que eles identificaram o anticorpo contra a enzima calicreína 7 para usar no fármaco para a dermatite atópica. Na biblioteca de moléculas, eles selecionaram uma que inibe a enzima e já desenvolveram a formulação em hidrogel.

Comum em cães

A dermatite atópica é muito comum em cães e, por isso, a startup pretende testar o produto nesses animais. “É a principal queixa de donos de cães. Então, temos um modelo animal em que não é preciso provocar a doença, porque ela já existe e pode ser tratada com esse produto”, destaca Chagas.

Enquanto continua o desenvolvimento do fármaco, a startup se prepara para as fases que ocorrem após os testes clínicos em humanos. “Para quem for fabricar, ainda tem a vantagem de já existir o mercado veterinário se o modelo for bem-sucedido em cães”, diz Chagas. “Temos conduzido diferentes fases ao mesmo tempo para ter a estrutura pronta quando os testes forem concluídos”, sublinha Zani.

Outra preocupação são os testes clínicos em humanos: os pesquisadores já pensam na criação dos protocolos para essa etapa. “Queremos adiantar a documentação para que esteja pronta quando chegar esse momento”, explica Chagas.

Existe, ainda, a possibilidade de que a fórmula seja indicada para a Síndrome de Netherton – uma doença autossômica recessiva rara. Se isso ocorrer, o medicamento é tratado como droga órfã. Isso faz a aprovação ser acelerada em todos os órgãos responsáveis do mundo (no Brasil, é a Anvisa e nos EUA é a Food and Drug Administration, FDA).

Segundo Zani, uma avaliação econômica conduzida pela equipe aponta que o produto pode chegar ao mercado com preço entre R$ 150 e R$ 300 por tubo. Isso ainda vai depender de outras variáveis, mas o preço é bem inferior àquele cobrado pelo concorrente. “Se considerarmos o mercado veterinário, a produção já compensa”, avalia Chagas.

Atualmente, a KRABS está incubada na UFABC. Além disso, participa do Centro de Ciência para o Desenvolvimento (CCD) instalado no Centro de Estudo de Venenos e Animais Peçonhentos (Cevap) da unidade de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp) – que é voltado para a construção de uma fábrica de bioinsumos. “São produtos como esse que estamos desenvolvendo”, compara Chagas.

A ideia é que a startup utilize a estrutura do CCD quando ela estiver pronta para fazer os primeiros lotes do produto. Essas unidades, financiadas pela FAPESP, vão reunir pesquisadores dedicados a projetos de pesquisa com impacto econômico, tecnológico e/ou social voltados a problemas específicos. “A empresa está articulada com o sistema de pesquisa e desenvolvimento como parte desse programa.”