Cientistas relatam os desafios para levar inovações em saúde até o mercado
05 de julho de 2022André Julião | Pesquisa para Inovação – Estruturada em 2017 graças ao apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP, a empresa 3D Biotechnology Solutions – 3DBS tem no horizonte a fabricação de tecidos humanos que possam ser implantados nos pacientes sem causar rejeição.
Enquanto as pesquisas avançam, no entanto, a startup se mantém com a fabricação de equipamentos customizados de bioimpressão para empresas e universidades, tecnologia constantemente aprimorada inclusive para o uso da própria 3DBS, que também desenvolve modelos in vitro de pele bioimpressa e organoides (miniórgãos) para as indústrias alimentícia, farmacêutica e de cosméticos (leia mais em: pesquisaparainovacao.fapesp.br/2070).
“Precisamos colocar produtos no mercado, mesmo que não sejam o objetivo final, como as terapias avançadas que estamos desenvolvendo. Ou fazemos as coisas acontecerem ou a startup morre”, disse Ana Millás, diretora científica e sócia da empresa, durante a edição do Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação realizada no dia 27 de junho. O seminário teve como tema “Novos Materiais para a Saúde”.
Outro tema discutido no evento foi a importância de trazer para o Brasil técnicas avançadas que já são aplicadas no exterior. Como destacaram os participantes, pesquisas realizadas aqui são essenciais para baratear esses tratamentos e torná-los acessíveis.
“Boa parte das terapias mais avançadas tem custo absolutamente proibitivo. Algo que muitas vezes as pessoas não percebem é que o desenvolvimento da pesquisa no Brasil reduz drasticamente o preço. Não é pouco, às vezes para uma ordem de 10%, 15% do que seria uma terapia similar nos Estados Unidos, por exemplo. Estamos vendo isso agora com a terapia de células CAR-T [para tratamento de câncer]”, disse Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP, mediador do evento (leia mais em: agencia.fapesp.br/38914/).
Vale da Morte
Kayque Alves Telles Silva, pesquisador do Centro de Estudos do Genoma Humano e de Células-Tronco (CEGH-CEL) da Universidade de São Paulo (USP), falou sobre suas pesquisas para a reconstituição tecidual e recuperação metabólica do fígado.
Segundo o cientista, que é apoiado pela FAPESP, além dos princípios de oferta e demanda da economia, todas as ideias a serem exploradas no princípio devem ser destrinchadas em relação não só à efetividade, mas, no caso das candidatas a terapias, também no que se refere a potenciais efeitos adversos.
“Existem fatores fundamentais a serem determinados que podem levar uma pesquisa para o ‘Vale da Morte’ da ciência. É uma primeira etapa onde muitas ideias vão surgir e, ao longo do tempo, acabam sendo filtradas para que persistam aquelas que podem ser desenvolvidas em médio e longo prazo”, disse o biólogo.
“Vale da Morte” faz referência a um trecho da escalada do Everest, a montanha mais alta do mundo. O termo é usado no universo das startups para se referir ao ponto em que a maioria das pequenas empresas de tecnologia normalmente fecha, entre o início do negócio e quando o produto e o modelo de negócios estão validados.
“O empreendedorismo é a única solução que temos de fato para as pesquisas saírem da academia e chegarem ao mercado, mas as barreiras são imensas. Para a biotecnologia ou bioengenharia na saúde, uma dificuldade é que os investidores entendam que não é um investimento que vai voltar em dois ou três anos, mas em cinco, dez ou 15 anos”, afirmou Tiago Lazzaretti, pesquisador do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês também apoiado pela FAPESP.
Segundo ele, instituições como a FAPESP e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) são importantes para que as empresas tenham um primeiro fôlego para se erguerem, mas que o investimento de grandes empresas é fundamental nas fases seguintes.
O ortopedista desenvolve pesquisas que visam viabilizar o uso de células-tronco na produção de membranas a serem implantadas no joelho. Segundo dados apresentados por Lazzaretti, lesões na cartilagem da articulação afetam 63% da população mundial (leia mais em: agencia.fapesp.br/35503/).
Um fator que prejudica muitas das pesquisas e, consequentemente, das empresas inovadoras é o alto custo dos testes clínicos, obrigatórios para que novos tratamentos sejam liberados para uso em humanos.
“As pesquisas clínicas de fase 3 são um dos ‘vales da morte’ das empresas de biotecnologia. No Brasil, custam de R$ 3 milhões a R$ 5 milhões”, exemplificou Lazzaretti.
“São desafios que precisamos repensar, investir mais. E acredito muito no potencial desses diversos bioprodutos que podem chegar para melhorar a qualidade de vida das pessoas com diversos tipos de lesão”, opinou Paula Kempe, que teve bolsa da FAPESP e hoje faz pós-doutorado no SRI International, nos Estados Unidos.
A pesquisadora estudou o uso do selante de fibrina feito a partir do veneno da cascavel para o tratamento de lesões na medula, uma das potenciais aplicações do produto. O disponível no mercado hoje, mais caro, é importado (leia mais em: agencia.fapesp.br/37768/).
“O desenvolvimento do selante de fibrina é um projeto que vem acontecendo desde 1989. Se pensarmos que apenas agora está chegando aos testes clínicos e o quanto de pesquisa, verba e tempo foram gastos. E ainda assim não chegou ao mercado”, comentou.
O seminário teve ainda a participação de Paula Schneider, analista legislativa do ILP, e Roberta Aguilar dos Santos Clemente, analista legislativa da Secretaria Geral da Alesp. O vídeo está disponível em: https://youtu.be/YtJnHyvXPHk.
Soluções para o meio ambiente urbano
Na edição anterior do Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação, ocorrida em 27 de maio, a construção de políticas públicas para tornar as cidades mais sustentáveis esteve no foco do debate.
Como ressaltaram os participantes, as cidades são as maiores emissoras globais de gases de efeito estufa. Mitigar as emissões, transformar resíduos urbanos em recursos e desenvolver estratégias para lidar com inundações e outros desastres socioambientais são temas da máxima importância no contexto da atual crise climática.
O evento teve como palestrantes Julio Romano Meneghini, professor titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP); Glaucia Mendes Souza, professora titular do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN); Roberto Speicys Cardoso, pesquisador e empreendedor na área de mobilidade urbana; e Maria Alexandra Cunha, professora da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EAESP-FGV).
Enfatizando que estamos nos primórdios de uma nova era no domínio da energia, Meneghini falou do papel fundamental que o hidrogênio vai ter nesta e nas próximas décadas, bem como do emprego do etanol como vetor para produção e transporte de hidrogênio. O pesquisador é diretor científico do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) constituído por FAPESP e Shell.
A descarbonização do transporte público, tendo por diretriz o conceito de cidades inteligentes, foi o assunto explorado por Speicys Cardoso, enquanto Mendes Souza falou sobre o aproveitamento de resíduos para a produção de bioenergia. Cunha tratou de como o engajamento da população, ancorado em dados, é fundamental para promover a resiliência diante dos eventos extremos causados pela crise do clima.
O evento foi aberto por Karina do Carmo, diretora-presidente do Instituto do Legislativo Paulista (ILP), e contou com a presença da deputada estadual Marina Helou, vice-presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e Informação da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). A moderação foi de Horácio Forjaz, gerente de Relações Institucionais da FAPESP.
As apresentações podem ser assistidas na íntegra em: www.youtube.com/watch?v=_Ou23X-jzMA&t=3228s.
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